sexta-feira, 3 de junho de 2016

Golpistas querem a volta da turbidez

O jornalismo “esconde-povo"

POR FERNANDO BRITO · 03/06/2016

Manifestações anti-Dilma, todos viram, tendo muita gente ou não, vão para a TV naquela base simpática do “famílias inteiras vieram protestar”, etc.

Manifestações anti-Temer viram notícia, quando viram, só quando há algum conflito, sempre descrito na base do “manifestantes entraram em confronto com a polícia”, como se estes é que fossem lá pedir aos bravos rapazes de capacete e cassetete: “me bate, moço, me bate”…

Hoje fiquei espantado com o trecho do artigo da Eliane Cantanhêde no Estadão, dizendo que Temer enfrentava “protestos esparsos,mas bem divulgados” que fui atrás de um meio, na falta de uma ampla estrutura “global” a filmar ou fotografar o ato de ontem, no Rio de Janeiro, com a presença de Dilma Rousseff.

Consegui, afinal, um vídeo, amador (que pode ser assistido aqui) e me dei ao trabalho de montar a imagem do conjunto da manifestação, a partir de uma tomada panorâmica.

O resultado é o que você vê lá em cima (aqui a imagem com maior tamanho e melhor resolução).

Esparso, Cantanhêde?

Bem divulgado, Cantanhêde?

Um jornalista pode ter preferências e simpatias, mas não pode esconder fatos.

Em todo o país estão acontecendo – e aumentando – os atos contra Temer.

Dia 6, no Rio, a confirmar-se a presença de Lula, haverá outra multidão na Lapa, na Fundação Progresso.

Dia 10, em todo o Brasil.

Isso não é uma versão, é um fato.

E o jornalismo, quando esconde fatos, mais ainda quando o fato é povo, não passa de um crime de manipulação política.


Fonte: TIJOLAÇO
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Ex-editor do Jornal Nacional ataca Merval Pereira e diz que ele faz “trabalho sujo”de O Globo ao publicar denúncia sem base factual
03 de junho de 2016 às 12h00


A manchete de O Globo é baseada em nove linhas do ficcionista Merval Pereira; Temer demonstra “transparência” na capa da Folha: o governo interino tem medo de perder votos no Senado

TRABALHO SUJO

Merval Pereira é um poço sem fundo
por Mario Marona, no Facebook

O Globo precisava de alguém que se dispusesse a escrever a notícia que sustentaria a manchete de hoje, segundo a qual o “esquema da Petrobras pagou despesas pessoais de Dilma”, mas como não tinha esta informação para publicar em seu noticiário factual, teve de fazer uso de Merval Pereira.


Ele publica, então, em nove linhas, de um único parágrafo, no meio da coluna, que haveria “indicações” de que “trocas de e-mails não rastreáveis” entre envolvidos na compra da refinaria de Pasadena revelariam que o Conselho de administração da Petrobras, que era presidido por Dilma Rousseff na época, teria arcado com algumas despesas pessoais dela [PS do Viomundo: acréscimo do trecho da coluna de Merval feito por nós].
já existem documentos em posse da Procuradoria-Geral da República que revelam que a presidente afastada, Dilma Rousseff, tinha conhecimento do teor das negociações envolvendo interesses políticos na compra da refinaria de Pasadena, antes da reunião do Conselho de Administração da Petrobras que aprovou o negócio.

Os envolvidos na venda de Pasadena trocavam mensagens em uma rede de e-mails do Gmail que não era rastreável, pois as mensagens ficavam sempre numa nuvem de dados, sem serem enviadas. Numa dessas mensagens, na véspera da reunião decisiva, há a informação de que “a ministra” já estava ciente dos arranjos dos advogados.

Em outras mensagens, há informações sobre pagamentos de itens pessoais da presidente pelo esquema montado na Petrobras, como o cabeleireiro Celso Kamura, que viajava para Brasília às custas do grupo. Cada ida de Kamura custava R$ 5 mil. Há também indicações de que um teleprompter especial foi comprado para Dilma sem ser através de meios oficiais, para escapar da burocracia da aquisição.
Repito: um parágrafo, nove linhas, no meio da coluna, sem fonte – e para o Globo isto é suficiente para uma manchete de duas linhas e corpo 70 no alto da primeira página.
Captura de Tela 2016-06-03 às 11.51.33
O GLOBO MORDE E ASSOPRA, MAS A MAIORIA DOS LEITORES SÓ VÊ A MORDIDA
Primeiro O Globo diz o que está no subtítulo:
“Depoimento indica que presidente afastada sabia de propinas”.
Depois, no texto, recua, informando que, na verdade, o que o delator Cerveró disse no interrogatório é que se permitiu deduzir que Dilma “deveria saber que políticos do PT recebiam propina da Petrobras.”
E acrescenta O Globo, derrubando de vez sua edição manipulada:
“No entanto, Cerveró pondera que não teve conhecimento de nenhum pedido de propina feito por Dilma. ‘Que o declarante supõe que Dilma Rousseff sabia que políticos do Partido dos Trabalhadores recebiam propina oriunda da Petrobras; que, no entanto, o declarante nunca tratou diretamente com Dilma Rousseff sobre o repasse de propina, seja para ela, seja para políticos, seja para o Partido dos Trabalhadores. Que o declarante não tem conhecimento de que Dilma Rousseff tenha solicitado, na Petrobras, recursos para ela, para políticos ou para o Partido dos Trabalhadores’, diz a delação.”
Na abertura da matéria, que sustenta o título, O Globo trata como novidade algo que Cerveró já disse há dois anos: que Dilma teria conhecimento de todos os dados do contrato de compra da refinaria de Pasadena, o que ela e os demais membros do conselho de administração sempre negaram, denunciando que os executivos da Petrobras esconderam do Conselho cláusulas desfavoráveis à estatal.
FILHO DE FHC NO PETROLÃO
O mesmo Cerveró que admite que apenas deduziu que Dilma deveria saber das propinas na Petrobras, mas ressalva que nunca ouviu falar ou soube de algo a respeito envolvendo a presidenta, é bastante especifico e taxativo quando diz que ele próprio participou de uma trama para beneficiar a empresa do filho de FHC.
História que faz lembrar que Cerveró, tido como protetor do PT na estatal, chegou lá e começou a operar na era tucana. O ‘petrolão’, portanto, não começou em 2003, como disse Pedro Parente, ao tomar posse da Petrobras, mas no governo do qual ele participou antes de sua experiência golpista atual.
Fonte: VIOMUNDO
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Golpe extinguiu Ministério da Mulher e nomeou uma secretária, anti-aborto, deputada Fatima Pelaes, acusada de desviar R$ 4 milhões em emendas
Fonte: CARTA MAIOR
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Nova secretária de Temer fez parte de articulação criminosa, diz PGR
03/06/201608h49
  • Nova gestora da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Fátima Pelaes participa de reunião com Temer
    Nova gestora da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Fátima Pelaes 
    participa de reunião com Temer
    Evaristo Sá/AFP Photo
    A ex-deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP), que está prestes a assumir a Secretaria 
  • de Políticas para as Mulheres do governo Temer, é apontada pelo Ministério 
  • Público Federal como integrante de uma "articulação criminosa" para desvio 
  • de R$ 4 milhões de suas emendas parlamentares. 
  • As informações são da Folha de S.Paulo.
Segundo a reportagem, mais detalhes da suspeita de envolvimento em um esquema desmantelado pela Operação Voucher, em 2011, estão presentes em um relatório da Procuradoria-Geral da República.
Naquele ano, o nome da futura secretária foi mencionado no escândalo ligado a uma ONG fantasma, que havia firmado convênio com o Ministério do Turismo em 2009.
Nos autos, consta o pedido de abertura de investigação do então procurador-geral Roberto Gurgel. "Toda essa articulação criminosa contou com a participação da deputada federal Fátima Pelaes, que constantemente se reunia com servidores do Ministério do Turismo para agilizar a liberação das verbas do convênio", diz o documento.
De acordo com o documento, Pelaes indicou uma ONG fantasma denominada Ibrasi para receber R$ 4 milhões de suas emendas para "promover o turismo no Amapá". "A parlamentar [Pelaes] teria ainda escolhido as pessoas que ministrariam os cursos oferecidos no âmbito do convênio, que aparentemente sequer foram realizados", indica a Procuradoria.
Aberto em 2013 pelo Supremo Tribunal Federal, o inquérito foi devolvido à Justiça Federal do Amapá após Pelaes deixar de ser deputada. No entanto, as investigações estão em andamento, e sigilos telefônico e bancário dela foram quebrados.
Outro lado
Ao ser questionada pela reportagem da Folha, Pelaes, por meio de assessoria, respondeu: "Eu confio no trabalho da polícia e da Justiça e estou tranquila de que tudo será esclarecido".
Fátima Pelaes será nomeada oficialmente na Secretaria das Mulheres nos próximos dias, mas ela já participou de reuniões do governo Temer.
Fonte: BOL
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Ministro cobra identidade ideológica com Temer de funcionários públicos encarregados de vigiar governo Temer

03 de junho de 2016 às 05h19
Da Redação
Acima, Jorge Hage, que dirigiu a Controladoria Geral da União (CGU) durante os governos Lula e Dilma.
Abaixo, no pé do post, o novo ministro da Transparência, Torquato Jardim, que adotou o “ame-o ou deixe-o” durante seu encontro inicial com funcionários da extinta CGU.
Ele cobrou “identidade ideológica” dos funcionários públicos com o governo Temer.
Um funcionário identificado política, filosófica e ideologicamente com o governo Temer — são as palavras de Torquato — correria o risco de denunciar algum malfeito praticado pelo governo Temer?
A CGU está estruturada em quatro unidades finalísticas, que atuam de forma articulada, em ações organizadas entre si: Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC), Secretaria Federal de Controle Interno (SFC), Corregedoria-Geral da União (CRG) e Ouvidoria-Geral da União (OGU).
A Secretaria de Transparência e Prevenção da Corrupção (STPC) atua na formulação, coordenação e fomento a programas, ações e normas voltados à prevenção da corrupção na administração pública e na sua relação com o setor privado.
Entre suas principais atribuições, destacam-se a promoção da transparência, do acesso à informação, do controle social, da conduta ética e da integridade nas instituições públicas e privadas.
Promove também a cooperação com órgãos, entidades e organismos nacionais e internacionais que atuam no campo da prevenção da corrupção, além de fomentar a realização de estudos e pesquisas visando à produção e à disseminação do conhecimento em suas áreas de atuação.
A Secretaria Federal de Controle Interno (SFC) exerce as atividades de órgão central do sistema de controle interno do Poder Executivo Federal.
Nesta condição, fiscaliza e avalia a execução de programas de governo, inclusive ações descentralizadas a entes públicos e privados realizadas com recursos oriundos dos orçamentos da União; realiza auditorias e avalia os resultados da gestão dos administradores públicos federais; apura denúncias e representações; exerce o controle das operações de crédito; e, também, executa atividades de apoio ao controle externo.
A Corregedoria-Geral da União (CRG) atua no combate à impunidade na Administração Pública Federal, promovendo, coordenando e acompanhando a execução de ações disciplinares que visem à apuração de responsabilidade administrativa de servidores públicos.
Atua também capacitando servidores para composição de comissões disciplinares; realizando seminários com o objetivo de discutir e disseminar as melhores práticas relativas do exercício do Direito Disciplinar; e fortalecendo as unidades componentes do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal (SisCOR), exercendo as atividades de órgão central deste sistema.
A Ouvidoria-Geral da União (OGU) exerce a supervisão técnica das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Federal.
Com esse propósito orienta a atuação das unidades de ouvidoria dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal; examina manifestações referentes à prestação de serviços públicos; propõe a adoção de medidas para a correção e a prevenção de falhas e omissões dos responsáveis pela inadequada prestação do serviço público; e contribui com a disseminação das formas de participação popular no acompanhamento e fiscalização da prestação dos serviços públicos.
As competências da CGU foram definidas pela Lei n° 10.683, de 28 de maio de 2003 e pelo Decreto nº 8.109, de 17 de setembro de 2013.
Fonte:  VIOMUNDO
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Esses primeiros dias do governo ilegítimo do interino Michael Temer revelam semelhanças com os governos militares do período da ditadura.

Quem for contra, prendo e arrebento, disse certa ocasião o presidente ditador general Figueiredo.

No consórcio do golpe - Congresso, judiciário e meios de comunicação - a regra é a mesma. Quem for contrário ao golpe deve ser perseguido e, o que for favorável ao golpe deve ser noticiado enquanto tudo que for contrário aos interesses do golpe deve ser escondido, omitido. Também vale, e como vale, fabricar denúncias sempre que os interesses do golpe forem ameaçados.

Nas semelhanças com diferenças, cabe ressaltar que a declaração do general ditador, citada a poucos segundos, se referia ao processo de democratização do país, de abertura democrática, da passagem de um período de exceção para uma democracia.

Na visão do general, todos aqueles contrários a volta da democracia no país seriam encarcerados e estraçalhados.

Naturalmente, não se podia esperar sutilezas democráticas de um presidente da ditadura, mesmo que empenhado em democratizar o país. Em democracias plenas e maduras também deve existir espaço para grupos que sejam contrários ao regime democrático.

Prendendo e arrebentando, aos trancos, avanços, retrocessos, barrancos, barracos e arranjos políticos, o país trilhou, as duras penas, o caminho da democracia.

Tenho nojo da ditadura, disse o deputado Ulísses Guimarães na solenidade no Congresso Nacional que promulgava a Constituição Cidadã de 1988.

E eis que passados um pouco mais ou um pouco menos de três décadas daqueles anos, o país, que reencontrou o caminho democrático, volta, de maneira indecente e imoral a flertar com a ditadura.

O ministro de uma pasta que tem por objetivo garantir a transparência das ações do governo, diz, em generosos decibéis, que os quadros do ministério devem se alinhar de forma política e ideológica com o governo interino, de maneira que malfeitos praticados pelo governo não sejam denunciados.

Quando a transparência é seletiva e deliberadamente se transforma em opacidade, a democracia fica turva, abrindo os caminhos para a exceção. Este tem sido um retrato translúcido desses poucos dias do governo do golpe.

Proliferam declarações de membros do governo do golpe e de jornalistas amestrados referindo-se aos grupos que diariamente protestam nas ruas de cidades do país contra o retrocesso democrático em curso

Sendo contrários ao governo são contra o país, dizem os defensores do golpe ao melhor estilo ame-o ou deixe-o, daqueles tempos em que se prendia e arrebentava.

Se todas essas evidências bem compreendidas pela população - mesmo escondidas pela mídia do consórcio golpista - não fossem suficientes para enxergar o regime de exceção que se forja no país, adicione-se o número estratosférico e deplorável de membros do primeiro escalão do governo envolvidos em investigações sobre crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros não menos deploráveis.

O período da ditadura militar também se caracterizou pela turbidez máxima, onde a imprensa foi duramente censurada e a população impedida do acesso as informações sobre a realidade do país. Atualmente a imprensa é livre das garras da ditadura, no entanto, impõe à população uma censura escandalosa sobre os acontecimentos populares que questionam o golpe de estado em curso.

Ao que se desenha em um meio opaco em que o país está imerso, é uma defesa intransigente, radical, da ordem democrática.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

O mundo em luta contra o neoliberalismo

França: a luta social pega fogo

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Às vésperas da Copa Europeia, greves em defesa dos direitos trabalhistas paralisam país. População apoia. Mas insanidade do governo “socialista” pode abrir espaço para direita
Por Pepe Escobar | Tradução: Inês Castilho
Paris está em chamas, enquanto o presidente François Hollande trapaceia. Esta é síntese dos protestos por toda a França contra a proposta da “reforma” trabalhista, enquanto o presidente posa no G-7, no Japão, como se fosse um dos Senhores do Universo.
A França está semiparalizada – dos trabalhadores nas docas do porto Le Havre (um hub-chave de comércio) a operários das refinarias, depósitos de petróleo, estações de energia nuclear (que respondem por 75% do fornecimento nacional de energia), aeroportos, e o sistema de transportes sobre trilhos metropolitano de Paris. Isso converteu-se em pânico numa miríade de postos de gasolina – com a paralisação de grande parte do sistema de transportes francês.
Tudo isso porque o governo Hollande, supostamente “socialista” e catastroficamente impopular, introduziu um projeto de lei que modifica de forma drástica as leis trabalhistas francesas e adota o essencialmente neoliberal “contrata e demite” (“hire and fire”) anglo-saxão, num país profundamente regulado e cheio de regras, onde a proteção e os direitos dos trabalhadores são levados extremamente a sério. Hollande e seu incrivelmente medíocre primeiro ministro Manuel Valls defendem o projeto como a melhor maneira de combater o desemprego crônico.
Acabe com o projeto para desbloquear o país
O maio de 2016 na França certamente não é um remix do maio de 1968. Há um vórtice de fatores complicadores, tais como a psicose “terra terra terra” (Paris vive num estado de sítio semidisfarçado); o movimento Noites Despertas em curso na Praça da República – a versão francesa do Occupy Wall Street; e a polícia com os nervos à flor da pele reclamando, e até mesmo fazendo manifestações porque julgam não receber, da população, todo o amor de que necessitam…
Maio de 2016 surge essencialmente como uma batalha entre o governo socialista e os sindicatos franceses. Vai tornar-se mais quente. Dados da polícia sugerem que havia 153 mil grevistas/manifestantes na quinta-feira passada – um dia de enorme mobilização que atingiu os serviços públicos e transportes aéreos. Os sindicatos contaram quase 300 mil. O executivo está começando a usar a força para desbloquear refinarias chave. Postos de gasolina vazios e motoristas em pânico estão se tornando a norma.
A dupla Hollande-Valls jogou pesado; o projeto de “reforma” trabalhista precisa ser aprovado, do contrário será o fim do governo. O sinal vermelho de Valls é: se o projeto de lei cair, ele também vai. No entanto, já foi (ligeiramente) forçado a recuar; agora está permitindo “mudanças” e “melhorias” na proposta.
Portanto, é essencialmente uma batalha da esquerda francesa – um ramo radical, da classe trabalhadora, contra outro no poder, denominado social-democrata, mas na verdade neoliberal. É também um diálogo de surdos. O primeiro ministro não é propriamente um participante do diálogo social. Para ele, as duas esquerdas são irreconciliáveis. Não é preciso ser um leitor de Barther ou Deleuze para inferir que a França está correndo o risco de chegar ao grau zero de democracia social.
Depois do oitavo dia de manifestações, Philippe Martinez, secretário geral da CGT, a poderosa confederação sindical CGT, reivindica agora ser recebido pelo presidente e somente o presidente – na prática, jogando Valls no lixo.
É possível que a dupla Hollande-Valls esteja tão disconectada do pulso das ruas que não foi capaz de percer que seu projeto de lei seria encarado com tanta hostilidade. Deveriam ter pensado mais amplamente – e investido em muito diálogo prévio, para não dizer sutilezas semânticas, com os sindicatos.
E o que os franceses pensam sobre essa trapalhada? Três quartos da população são contrários ao projeto. Não é possível “modernizar” a França sem os franceses. Nesse país, nuances sutis importam. Segundo uma das últimas pesquisas, 69% são favoráveis a mudanças no projeto de lei, para impedir que a nação se mantenha paralisada. Outra pesquisa mostra que 62% consideram “justificadas” as greves, a despeito da paralisação de parte do país. Um cruzamento desses estudos revela que os movimentos sociais são legítimos, mesmo que a maioria das pessoas não queira ver a nação paralisada.
Num estilo mais leve, a conversa agora nos cafés de Paris é que seria melhor o Partido Socialista nem tentar disputar a nova campanha presidencial; os fatos provam que a classe trabalhadora tem hoje por ele um ódio visceral. O atual estado de emergência – versão francesa da Lei Patriótica (Patriot Act) dos EUA – mais o viés neoliberal dado pelo Partido Socialista (PS) leva-o a perder o voto de artistas e intelectuais, assim como o dos “bo-bos” (boêmios burgueses), que costumavam ser o principal esteio de sua base eleitoral. E tudo isso enquanto os executivos-chefes, tão cortejados pelo PS, continuarão a votar com a direita.
Hora de ser um “indignado” com causa
E agora? Busca-se alguma forma de conciliação; o texto do projeto será emendado pelo Senado no mês que vem, antes de voltar à Assembleia. Isso significa que ela será “retocada” – como até mesmo o governo está agora admite; e isso significará uma vitória dos movimentos sociais. Aconteça o que acontecer, a guerra das esquerdas não terá terminada. E o resultado final pode até mesmo resultar numa forma de suicídio coletivo – em benefício da direita.
O crescimento econômico da França permanece muito fraco. A Copa Europeia de Seleções 2016 começa em apenas duas semanas, em 10 de junho. A França espera receber 1,5 milhão de turistas estrangeiros e lucrar algo em torno de 1,3 bilhão de euros. A área de fãs que está sendo construída em frente a Torre Eiffel atrai ao menos 100 mil pessoas diariamente.
Se não houver uma solução nos próximos dias, a dupla Hollande-Valls terá de recuar. O sistema de segurança francês não terá capacidade de dar conta, simultaneamente, de um alerta máximo contra terrorismo e uma miríade de manifestações (um enorme protesto já está marcado para 14 de junho). Há muito em questão para o sucesso do campeonato de futebol, além dos lucros. O futebol, nesse caso, está longe de ser neutro politicamente; se o show for um grande sucesso, quem colherá os benefícios será Hollande.
Os socialistas franceses, enquanto isso, poderiam fazer mais do que dar uma olhada na vizinha Espanha. Na Espanha de Franco, comunistas e socialistas estavam na vanguarda da resistência democrática, incorporando em sua luta aqueles que criaram as Comissões de Trabalhadores e alguns dos melhores intelectuais de seu tempo.
Então, veio deriva neoliberal dos partidos socialistas europeus – que os levou a perder sua hegemonia histórica. Eles não foram capazes, ao mesmo tempo, de defender sua base social – e o Estado de bem-estar social – e satisfazer os duros requisitos do cassino que é o sistema financeiro e a política econômica de “austeridade” fiscal imposta pela Comissão Europeia, e exigida pela Alemenha.
No período de Franco e durante a Guerra Fria, era comum usar “comunista” e “socialista” como forma de desqualificar qualquer argumento político. Reinava a política do medo. A França, por sua parte, era muito mais sofisticada politicamente (e, ao contrário da Espanha não estava sob um regime fascista.)
O que resta para a esquerda na Europa é prestar muita atenção ao caminho emergente aberto pelos movimentos sociais, compreender a necessidade de reconstruir um Estado de bem-estar social e criar formas de emprego com valor; tudo isso tem sido negado pelo fundamentalismo de mercado e o modo de pensar da austeridade TINA (There Is No Alternative, Não Há Alternativa).
Entre os “indignados” espanhóis encontram-se anarquistas, comunistas, socialistas – um microcosmo da história moderna da Espanha enraizada na indignação contra a ditadura e a injustiça social, todos tentando reinventar-se enquanto o neoliberalismo afunda. Quem dera os esquerdistas franceses pudessem ao menos lançar um olhar para lá.

Pepe Escobar

Jornalista brasileiro, correspondente internacional desde 1985, morou em Paris, Los Angeles, Milão, Singapura, Bangkok e Hong Kong. Escreve sobre Asia central e Oriente Médio para as revistas Asia Times Online, Al Jazeera, The Nation e The Huffington Post.


Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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Neoliberalismo: querem trazer de volta para o Brasil agenda que até o FMI acha ultrapassada

grecia
(Mãe e filho sem-teto na Grécia. Foto: James Glossop/The Times)
Pânico no Instituto Millenium! Tucanos, fujam para as montanhas! Alguém dê um rivotril pro Rodrigo Constantino! Um estudo publicado esta semana por economistas do Fundo Monetário Internacional defende que os “benefícios que são parte importante da agenda neoliberal foram exagerados”. Se eles agora pensam assim, imaginem o que acha quem nunca enxergou nenhum benefício na agenda que privatizou todas as riquezas nacionais em países como a Argentina? É este modelo falido, ultrapassado, que o governo ilegítimo de Michel Temer e seus parceiros do PSDB pretendem reinstalar no Brasil.
A importância do estudo é difícil de medir. Afinal, os economistas do FMI praticamente detonaram todas as políticas defendidas pelo Fundo ao longo das últimas décadas. De acordo com os autores do estudo Neoliberalismo: supervalorizado?, Jonathan D. Ostry, Prakash Loungani e Davide Furceri, o neoliberalismo não só não resultou em crescimento econômico como é a causa da desigualdade crescente no mundo.
As políticas de austeridade fiscal, disseram os economistas, ao contrário, prejudicaram o crescimento econômico dos países que as adotaram. “Os custos em termos de crescente desigualdade são evidentes”, escreveram. “As políticas de austeridade não só geram custos sociais substanciais, como também prejudicam a demanda e assim agravam o desemprego”. A Grécia é um exemplo disso.
Os economistas advertiram que a desigualdade crescente afeta, inclusive, o nível de sustentabilidade do crescimento. “Ainda que o crescimento fosse o único ou o principal objetivo da agenda neoliberal, os que a defendem necessitam de qualquer maneira prestar atenção a seus efeitos distributivos”.
Eles são taxativos ao analisar a supervalorização do neoliberalismo por seus defensores. “No caso da abertura financeira, alguns fluxos de capital, como a inversão estrangeira direta, parecem ter os benefícios esperados. Mas para outros, particularmente os fluxos de capital de curto prazo, os benefícios em relação ao crescimento são difíceis de verificar, enquanto que os riscos, em termos de maior volatilidade e maior risco de crise se mostram crescentes.”
A notícia foi recebida com fúria pelo jornal britânico Financial Times. “É um insulto à inteligência”, vociferou. “O ataque contra o neoliberalismo é perigoso. Dá fôlego aos regimes opressores de todo o mundo que também se posicionam radicalmente contra o liberalismo e submetem suas populações a uma política econômica ineficiente e à desigualdade extrema usando todo o poder do Estado”, atacou o FT, mirando certamente países como os “bolivarianos” da América do Sul, onde o jornal parece ignorar que a desigualdade diminuiu.
No The Guardian, pelo contrário, o estudo foi motivo de júbilo e gozação. “Você está testemunhando a morte do neoliberalismo”, escreveu o articulista Aditya Chakrabortty. “Quanto mais a crise avança, mais as pessoas caem em si de que não só o crescimento foi mais fraco como os trabalhadores comuns têm tido menos benefícios. No ano passado, a OCDE (Organização para o Crescimento e o Desenvolvimento Econômico) fez uma confissão notável: reconheceu que a parte que cabia aos trabalhadores do crescimento econômico do Reino Unido está agora em seu nível mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial. E pior ainda entre os trabalhadores do Ocidente capitalista de modo geral”.
Sério que é isso que querem para o Brasil? Retroceder e voltar a adotar uma agenda que o próprio FMI reconhece como falida? Nunca tivemos dúvidas de que o que desejam Temer, José Serra e cia. é nos transformar numa república de bananas subserviente aos EUA. Permitiremos?
Fonte: SOCIALISTA  MORENA
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quarta-feira, 1 de junho de 2016

Somos uma democracia, não um sistema financeiro

Um filme chamado Brasil

A resistência ao golpe precisa demarcar o futuro, como fez o presidente islandês na bancarrota de 2009: 'Somos uma democracia, não um sistema financeiro'

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por: Saul Leblon

Lula MarquesInstale uma lente grande angular na sua angústia com o Brasil.

Abstraia contradições óbvias demais. 

Essa, por exemplo:  um projeto econômico neoliberal que só se viabiliza com um golpe de Estado articulado por instituições que encarnariam o liberalismo --o congresso ‘representativo’, o judiciário ‘independente’, ‘a mídia ecumênica e isenta’...

Não restou um tijolo desse edifício no Brasil pós 11 de maio. 
Afaste a tentação de condensar essa montanha desordenada de ruínas no riso de escárnio de Gilmar Mendes. 

A toga partidária é um personagem por demais caricato, ainda que representativo do Supremo Tribunal do país.

Tome a mídia como referido, não como referência.

Para guardar alguma distância em relação ao país e ainda assim enxerga-lo melhor, imagine um enredo de Costa Gavras.

Não o óbvio ululante: o assalto ao poder por parte da cleptocracia de rentistas, banqueiros, proprietários dos meios de comunicação, escória política...

Vá além da borra tóxica que flocula na superfície pegajosa dos noticiosos. 

Abra lentes para o mundo. 

O mundo da grande estagnação que amassa o capitalismo global desde o colapso de 2008, no qual ano a ano as instituições internacionais revisam para baixo suas projeções de ‘recuperação’.

Sociedades subtraídas de seus pilares indivisos -- pujança industrial, empregos de qualidade, sindicatos representativos, Estados fortes e reguladores, direitos sociais universalizados— experimentam o longo inverno de uma encruzilhada histórica.

A incerteza é senhora. 

O subemprego, permanente.  

Precariedade profissional e social, generalizadas.

O conjunto contamina as relações pessoais e coletivas, mastigadas nas mandíbulas de um sistema político incapaz de reinventar o futuro.

As estruturas produtivas mudaram à frente das estruturas políticas.

Mudaram para pior.

Ferrugem industrial e mal-estar social.

A polarização que opõe Sanders e Trump nos EUA decorre desse derretimento de um tempo capitalista que se despediu para sempre e levou consigo o espaço estrutural das camadas médias.

Sobrou a fricção crua dos interesses contrapostos. 

Só mitigados pela manipulação midiática.

‘É isso que se vê nos EUA. Essa contraposição é algo muito sério e profundo, vai além da retórica de palanque’, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em meio a uma conversa sobre a natureza igualmente extremista do desmonte neoliberal promovido pelo golpe no Brasil.

O filme imaginário de Costa Gravas mostra a esquerda brasileira, como a de todos os lugares, perplexa.

Hesita-se em abandonar uma zona de conforto que aderna e  deixou de fazer sentido sob as novas condições globais, brutalmente internalizadas aqui pelo golpe.

O xeque-mate impõe-lhe repensar as bases do desenvolvimento.

E mais que isso: a correspondente arregimentação de forças para viabiliza-las, sem as velhas ilusões na indulgência dos mercados e da mídia.

Trata-se de reconstruir os canais de decisão da sociedade.

Mas sem esquecer os requisitos econômicos à vigência futura de uma verdadeira democracia social.

‘Sem indústria –ou hiperindustrialização, como se vê em setores de ponta, inclusive na agricultura’, pondera em off a voz do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ‘ uma sociedade não cria os requisitos de investimento, emprego, renda e receita para a convergência social. A desigualdade se impõe’.

Como se impôs nos EUA desguarnecido de zonas inteiras de industrialização  transferidas para o inalcançável padrão de eficiência e custo chinês.

Como reindustrializar um país caudatário nessas condições, sem resvalar no protecionismo cartorial? 

‘O ponto de partida é que você não consegue decidir mais o seu desenvolvimento sem reverter a liberalização da conta de capitais, que removeu barreiras aos fluxos especulativos. Terá que fazer isso, sobretudo, com instrumentos de regulação das operações com derivativos, desvinculadas dos fluxos, mas de efeitos cambiais adversos sobre a competitividade industrial’, sinaliza o economista brasileiro.

O que o ele enfatiza, para horror da equipe do golpe, é endossado por alas do próprio FMI. 

Corte para a matéria do Financial Times de 30/05/2016.

Voz radiofônica sobre imagens de plantas industriais e bairros decadentes do entorno de Detroit e favelas latinoamericanas: ‘...três dos principais economistas do FMI sugerem que a "agenda neoliberal" pode ter tido menos sucesso do que o pretendido - e que produziu um aumento da desigualdade (em consequência de dois elementos específicos do chamado cuore neoliberal):  liberalização da conta de capital, ou seja, a remoção de barreiras aos fluxos de capitais; e consolidação fiscal, hoje mais comumente denominada austeridade."

Volta à disjuntiva subjacente ao golpe brasileiro.

Qual Brasil?

O da industrialização sonhada por Vargas, Furtado, pelos nacionalistas, keynesianos e marxistas; ou o paraíso da arbitragem de juros, o entreposto dos especuladores, a terra de ninguenzada, com alfandegas livres, o reino da Alca, de FHC, e do entreguismo psicopata de José Serra, que subordina a nação ao seu ego?

A indiferença jornalística diante das determinações globais que dificultam a transição de ciclo do desenvolvimento brasileiro tem razões estratégicas.

O véu espesso lançado pelo noticiário cuida de sonegar a gravidade do desequilíbrio mundial para enfatizar a tese do “desgoverno petista”.

O recorte pavimenta a inexorabilidade do arrocho e empresta virtude à gororoba neoliberal que, finalmente, tomou o poder a contrapelo das urnas.

Ter a visão integral do jogo é decisivo para poder vencê-lo.

O enredo imaginário de Costa Gavras passeia agora pelas reuniões de pauta e de fechamento dos jornais e telejornais em que esse requisito é sonegado.

Ali se assa o pão aziago do fatalismo, da desventura, das impossibilidades, da prostração, da perda da autoestima pessoal, política, nacional, histórica.

Ali se desvela a usina que acua o imaginário social até leva-lo à catatonia.

Não há fato que resista a títulos, fotos, imagens e escaladas manipuladas pela lógica pré e pós golpe.

Exceto um deles: a rua.

Ainda assim, a narrativa justa das causas que dificultam a retomada do crescimento – seu componente interno e externo – é crucial para arregimentar a correlação de forças necessária a uma repactuação progressista do desenvolvimento.

Sem isso a rua pode ser exaurida pela dízima periódica dos enfrentamentos pulverizados.

As determinações estruturais invadem a tela numa sequência quase documental.  

Na raiz da crise global está o excesso de capacidade produtiva desprovida de demanda em cada nação e no conjunto das nações, motivo das desvalorizações cambiais em marcha.

As cenas rápidas dizem com todas as letras o que a mídia local oculta ou rebaixa às notas de rodapé: esse é o legado de um desequilíbrio estrutural instaurado por quarenta anos de hegemonia neoliberal no mundo, obra que o conservadorismo quer replicar no Brasil.

‘A diluviana sobra de capitais decorrente desse ciclo de fastígio das finanças e depauperação do mundo do trabalho’  -- resume exemplarmente Zygmunt Bauman em fugaz aparição no filme imaginário de Gavras, inaugurou uma era em que ‘a política teve as mãos decepadas’.

A crise do Estado-nação, sua subordinação aos mercados, está na raiz do descrédito na política. 

Que força poderá rejuvenesce-la?

Eis a pergunta que as câmeras imaginárias de Costa Gavras pontuam em cada close, em cada rua, em cada imagem da angústia no mundo.

É esse também o conjunto de bloqueios que cerceia o passo seguinte da história brasileira nesse momento. 

Explicitá-los é um requisito para o discernimento necessário ao enfrentamento.

A preciosa fatia da soberania nacional que restou é a repactuação da sociedade e do seu desenvolvimento em escrutínios de amplitude democrática renovada.

A democracia, sim, ainda é a grande questão política do nosso tempo. É o que se depreende das imagens estonteantes das mobilizações de rua na Europa em coma, sobretudo nos movimentos dos Indignados espanhóis.

Sem recorrer a esse trunfo derradeiro a sociedade, a nação e o seu desenvolvimento ficarão escravos de receitas e ajustes que agravam a sua fragilidade e aprofundam o seu descrédito na política.

A isso se dedica o mutirão vertiginoso de decisões anunciadas pelo golpe.

Corte para o desmonte em curso do aparato público brasileiro: manchetes, protestos, anúncios solenes, ruas em chamas.

O rame-rame do ajuste neoliberal consiste nisso: em demolir o que foi conquistado para instituir o retrocesso como limite do possível.

E a exclusão como sinônimo de estabilidade.

Atrelar o país à lógica mundial do neoliberalismo – como apregoa o golpe– significa corroer 12 anos de esforços distributivos e sacrificar um dos maiores mercados de massa do planeta, para abraçar a receita rentista que está na raiz da polarização derivada da grande estagnação global. 

Quatro décadas de neoliberalismo esfarelaram a classe média dos EUA e desmontaram o estado do Bem-Estar europeu.

A renda real da outrora afluente classe média norte-americana encontra-se estagnada no nível de 1977, tendo o PIB crescido 50% no período.

Nunca a desigualdade foi tão extremada como agora na sociedade mais rica da terra.

Para recorrer novamente a Bauman: a tese neoliberal de que a concentração em cima, vazaria a riqueza por gravidade para baixo, comprovou-se uma grande mentira.

O que sobreveio foi o apogeu da desigualdade.

Cenas documentais:

A fatia da renda nas mãos dos 20% mais ricos nos EUA hoje chega a 55%; declinando na base da pirâmide.

Não é menos regressivo o quadro europeu.

Pesquisas mostram que a diferença entre um rico e um pobre na sociedade europeia era de 1 para 12, em 1945. 

Em 1980, passou a 1 para 82. 

Após o desmonte das bases da democracia social, atinge a desconcertante vastidão de 1 para 530.

Não por acaso, a disputa presidencial nos EUA repõe em cores ainda mais vivas o confronto entre políticas fiscais para engordar os ricos ou investimentos públicos para resgatar os pobres.

Volta ao professor Luiz Gonzaga Belluzzo: ‘A polarização que se assiste nos EUA sintetiza o nosso tempo; se Sanders fosse o candidato democrata teria chances reais de derrotar Trump; o mesmo não acontece com Hillary, que nada tem a contrapor ao populismo direitista do republicano’.

‘Trump não é um fascista mas carrega nuances dos anos 30’, admite a The Economist diante do apelo popular que a xenofobia e o protecionismo bélico do republicano exercem nas massas desamparadas da outrora afluente sociedade do Norte.

Quem considera simplismo descrever assim a polaridade incrustrada pelo neoliberalismo na carne das nações, talvez mude de opinião diante das estatísticas divulgadas há dois anos pela consultoria Wealthx, de Cingapura (http://www.wealthx.com/home/). 

Um analista da assessoria expõe o mapeamento feito em 2014, enquanto as câmeras passeiam no planeta por ele descrito:

– 185.759 endinheirados dos quatro continentes detêm uma fortuna calculada em US$ 25 trilhões, nada menos que 40% do PIB mundial;

– o seleto clube comporta acentuada divisão interna de camarotes: o nível A é ocupado por 1.235 megarricos que controlam uma dinheirama quase igual a dois PIBs brasileiros: US$ 4, 2 trilhões. 

A distribuição da riqueza nunca foi o forte do capitalismo. 

Mas as últimas décadas de supremacia das finanças desreguladas conseguiram dar envergadura inédita à palavra desigualdade.

Quarenta anos de arrocho sobre o rendimento do trabalho nas principais economias ricas, associados a mimos tributários que promoveram o fastígio dos endinheirados, premiaram o capital celibatário que se autorreplica na especulação, sem agregar riqueza real à sociedade.

O conjunto enlouqueceu a engrenagem da desigualdade, corroeu a fatia do trabalho na riqueza, tornando-se o principal obstáculo à recuperação da economia mundial.

Oito anos após o colapso de 2008, o dinheiro ocioso transborda dos caixas das empresas, bancos já cobram para guarda-lo, com juros perto de zero, mas o investimento produtivo patina.

Sem investimento a conta da sociedade do bem-estar e a da democracia social não fecha. 

A alternativa conservadora é clara: arrocho e opressão.

É essa receita do golpe que derrubou a Presidenta Dilma Rousseff.

A democracia terá que intervir contra o despotismo do capital para deter uma lógica que não saciará enquanto não abater, eviscerar e desossar integralmente o espaço do desenvolvimento e da soberania popular no Brasil do século 21.

Reduzir essa conflagração de interesses a um “esgotamento do desenvolvimentismo”, ou, mais rastejante ainda, “aos erros da nova macroeconomia lulopopulista”, como quer o sociólogo FHC –em aparição gelatinosa no filme imaginário de Costa Gavras--  pouco agrega à agenda do desassombro requerida pela encruzilhada brasileira.

O país, insista-se à exaustão, está diante de provas cruciais.

É preciso dar à crise o seu nome: o enredo de Costa Gavras pega a esquerda pelos ombros e a sacode diante da incontornável realidade capturada pelo cinema.

O nome da crise é capitalismo.

Em seu estágio de supremacia financeira; é a desenfreada ferocidade com que os capitais fictícios exigem um mundo plano de fronteiras livres e desimpedidos , por onde possam transitar à caça de fatias reais de uma riqueza, para a qual não se dispõem a contribuir, apenas se apropriar em espirais de bolhas recorrentes. 

Quem vê no capitalismo apenas  um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca a sua encarnação social, derrapa, ajoelha e se rende incapaz de reagir porque perde a centralidade que a democracia ocupa nessa disputa.

Não a democracia liberal.

O cinema imaginário de Gavras fala da democracia contra o capitalismo, a democracia que civiliza, barra e impede o capital regressivo de devolver a  sociedade ao estágio de comer carne humana.

A dificuldade principal é refletir sobre o colapso fora da receita conservadora de arrocho e desemprego ante qualquer ameaça à remuneração do capital a juro.

A ditadura intelectual do pensamento único é pincelada em cores vibrantes pelo cinema político de Gavras.

Em 2011, em plena curva ascendente da crise, o Escritório de Avaliação Independente do FMI analisou 6.500 trabalhos escritos produzidos ou contratados nos últimos dez anos, portanto na chocadeira da crise mundial. 

Praticamente todos afiançavam as boas condições do comboio capitalista que rumava em alta velocidade para se espatifar na desordem neoliberal.

Pior: 62% dos economistas do Fundo afirmaram que se sentiam pressionados a alinhar as conclusões de suas pesquisas econômicas ao pensamento dominante no órgão. 

A indiferenciação entre direita e a esquerda no manejo da crise persiste como parte constitutiva da encruzilhada atual.

O filme imaginário desfila economistas de cepas variadas balbuciando platitudes à beira do abismo.

O que chamamos de crise hoje é também a fotografia de corpo inteiro da longa captura da esquerda e da democracia pelo cânone neoliberal. 

A trinca aberta entre a base da sociedade e aqueles que deveriam vocalizar o conflito, mas, sobretudo, a negligência deliberada com a organização dessa base, redundou no paradoxo infernal dos dias que correm.

Vive-se uma crise sistêmica do capitalismo que não gerou forças de ruptura para supera-la.

O fosso é proporcional à virulência do que se busca despejar nos ombros da sociedade.

O déficit de democracia emerge, assim, como o mais importante desequilíbrio revelado pelo filme da crise.

A contrapartida é a dominância capilar, estrutural, midiática e institucional acumulada pelo capital financeiro.

Apenas um governo parece ter assumido a coerência equivalente ao desafio que ameaça a tudo vergastar.

Os letreiros do filme começam a descer vagarosamente sobre uma paisagem gelada de metafórico isolamento.

Ali, perdido no branco da neve, o presidente da Islândia, Ólafur Grímsson, explica a decisão de devolver ao poder plebiscitário da sociedade a escolha que levou o país a sacrificar bancos em defesa da população na bancarrota de 2009:

‘Somos uma democracia, não um sistema financeiro’.

A imagem de Ólafur Grímsson e sua frase resistem enquanto a câmera se afasta acentuando o isolamento dessa ousadia que pode, ainda, devolver aos cidadãos a responsabilidade pelas escolhas do seu destino e o destino do desenvolvimento em nosso tempo

Fonte: CARTA MAIOR
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O Golpe no Brasil

Determinado a subtrair garantias trabalhistas, Hollande derrete eleitoralmente: só 14% dos franceses o reelegeriam. Apenas 4% o aprovam.

Fonte: CARTA MAIOR
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Aqui no Brasil quando Dilma chegou a 8% de aprovação do seu governo, seu menor índice, o bloco golpista alardeava que com esse percentual a situação da presidenta era insustentável. Não pode haver governabilidade, diziam. Foi mais uma figura de retórica para embalar o golpe.

Será que o Congresso da França irá pedir o impeachment de Hollande , ou será que no Brasil a Democracia é um ente criminoso que deve ser detido e preso ?