terça-feira, 4 de julho de 2017

Pense fora da caixa




O inconsciente na perspectiva da complexidade e do caos: uma abordagem inicial

Autor(a): VIVIANE MONDRZAK, ALDO DUARTE, ALICE LEWKOWICZ, ANNA LUIZA KAUFFMANN, ENEIDA IANKILEVICH, GISHA BRODACZ, GUSTAVO SOARES, LUIZ ERNESTO PELLANDA, MARIA

Texto:

Este trabalho acompanha as discussões do grupo de estudos de epistemologia psicanalítica da SPPA. Tem como principal objetivo apresentar uma abordagem inicial sobre uma visão do funcionamento da mente e, principalmente, do inconsciente, a partir da perspectiva da Complexidade e da Teoria do Caos, idéias fundamentais no pensamento científico atual. Começa apresentando algumas noções sobre sistemas caóticos deterministas, tais como a sensibilidade às condições iniciais e a tendência a se organizarem e formarem padrões, as escalas fractais, que, mesmo imprevisíveis, podem ser reconhecidos retrospectivamente, (as escalas fractais). Após discute algumas relações entre estes conceitos e o inconsciente, destacando como a psicanálise antecipou alguns princípios básicos do pensamento científico de hoje, principalmente quando Freud introduz a noção de inconsciente com suas leis próprias, em constante relação com o consciente. O inconsciente surge como um sistema que apresenta um comportamento instável, aperiódico, e altamente complexo, do qual se auto-organizam determinadas estruturas como uma escala fractal. Destacam-se contribuições de Bion e Matte-Blanco que auxiliam na compreensão do inconsciente e a noção de que este conceito mantém seu mistério.

Introdução

Por que retomar o conceito de inconsciente? Não se trata do conceito sobre o qual Freud desenvolve a psicanálise, uma unanimidade entre os psicanalistas e entre pensadores de outras áreas, mesmo não tendo sido ele o primeiro a usar a expressão, nem seu "descobridor"? O pensamento filosófico do século XIX, através de Nietzsche e Schopenhauer entre outros, apresentava uma concepção de inconsciente marcada pelo romantismo, uma espécie de "subconsciência", uma consciência profunda onde jazia um outro eu. Freud entra por este caminho, desbravando o inconsciente e levando o conceito às últimas conseqüências, principalmente quando, a partir do estudo dos sonhos, descreve seu funcionamento regido por leis próprias, fora do âmbito da consciência. A partir daí, a visão do homem nunca mais poderia ser a mesma, principalmente no que diz respeito à ilusão de ter o controle sobre seus atos.

Apesar desta inseparável identidade da psicanálise com o conceito de inconsciente, um olhar mais atento permite constatar que, sob o mesmo nome, subjazem modelos bastante diferentes. Assim, encontramos o termo "inconsciente" empregado de várias formas entre psicanalistas. Como substantivo, designando um "locus" definido por oposição a "consciente" e, apesar de sabermos que não há um local na mente correspondente a ele, ainda é um modelo espacial que não desapareceu dos textos psicanalíticos (Paniagua, 2001), possivelmente pela necessidade da mente humana de organizar as percepções nestes termos. Como adjetivo, relaciona-se predominantemente com a segunda tópica, usado como uma qualidade de conteúdos do ego, do superego e do id. Encontramos ainda o uso do termo associado à idéia de processo, de função, relacionado a formas específicas de operar da mente, como em Matte-Blanco (1975). O aspecto dinâmico, com a noção de conflito, permanece vinculado a "inconsciente"; da mesma forma, o modelo energético - forças inconscientes pressionando a entrada na consciência, em oposição à barreira da censura - também se faz presente. Mais recentemente deparamos com uma descrição do inconsciente como um sistema caótico determinista, tema que foi objeto de um painel no último congresso psicanalítico em Nice (Procci, 2002).

Acompanhando em linhas gerais a forma como a noção de inconsciente tem sido pensada nestes 100 anos de psicanálise, dentro da linha Freud-Klein-Bion que estamos focalizando e na qual incluímos Matte-Blanco, fica implícito que a visão de inconsciente em cada autor está inserida na sua concepção de modelo de funcionamento psíquico. Se em Freud este é um conceito essencial sobre o qual se estrutura o psiquismo, mesmo após a segunda tópica, em Klein fica privilegiado o conceito de fantasia inconsciente, onipresente na vida mental. Klein não estava preocupada em desenvolver uma teoria do inconsciente e tinha uma visão descritiva, a partir da clínica, não pretendendo mostrar como se formavam estas fantasias inconscientes. É como se estivesse implícito que eram produzidas por mecanismos intrínsecos ao aparelho mental, principalmente introjeção e projeção. Seguindo nesta evolução, Bion dedica-se a estudar o funcionamento do "aparelho para pensar", e a separação entre o que é consciente e o que é inconsciente é definida pela formação da barreira de contato composta por elementos alfa.

Matte-Blanco aproxima-se de Bion em vários aspectos e propõe consciente e inconsciente como modos de funcionamento, cada qual com sua lógica própria, assimétrica ou simétrica, intimamente relacionadas e representando formas distintas de discriminar relações. A lógica simétrica identifica a homogeneidade e caracterizaria o funcionamento inconsciente em seus vários níveis. Para ele, a qualidade de ser inconsciente não é primária, mas um produto necessário da relação entre o modo simétrico e assimétrico. O inconsciente é produto de uma limitação da consciência, que não tem condições de abarcar a complexidade de dimensões do ser (Matte-Blanco, 1975).

Em cada visão apresentada por estes autores é possível percebermos a influência do pensamento científico da época. Em Freud, os conceitos de energia, em Klein, noções da dialética de Hegel, em Bion, a física quântica e a matemática de Poincaré, em Matte-Blanco, a lógica matemática de Russell e, em todos, algo da epistemologia kantiana (Sandler, 1997).
Já o pensamento científico atual percebe, cada vez mais, a insuficiência do modelo cartesiano para explicar os fenômenos, tendendo de forma marcante para o estudo dos sistemas complexos (Santos, 1985), o que nos conduz à complexidade e ao caos.

Dentro desta linha de pensamento, este trabalho acompanha as discussões do Grupo de Estudos sobre Epistemologia Psicanalítica da SPPA. Tem como principal objetivo apresentar uma abordagem inicial sobre uma visão do funcionamento da mente e, principalmente, do inconsciente, a partir da perspectiva da Complexidade e da Teoria do Caos. Começa apresentando algumas noções sobre estes conceitos para, após, relacioná-los à compreensão do objeto deste estudo: o inconsciente.

A complexidade e o caos

O pensamento científico atual, afirma Santos (1993), vive "um tempo atônito" (p.5), um "tempo de transição" (p.6) em que o modelo da racionalidade não mais atende às necessidades do conhecimento. Esse modelo buscava leis aprendidas do que seria observação pura e experimentação que pudessem ser expressas por idéias matemáticas, compreendidas como "idéias claras e simples a partir das quais se pode ascender a um conhecimento mais profundo da natureza" (p.14).

Assim, vemos que a ciência cartesiana tem por objetivo simplificar, encontrar a expressão mais simples de situações complicadas, analisar e dividir sucessivamente um problema em seus componentes até chegar à expressão essencial deles. É bem essa a origem da idéia de átomo, "o que não mais pode ser dividido", surgida na antiga Grécia, não porque tenha sido observado, mas como decorrência lógica de um limite para a divisão da matéria.

Esta simplificação lógica da ciência clássica considerava o surgimento de uma contradição como sinal de um erro de raciocínio, pois supunha que o mundo obedecia a uma lógica aristotélica e se buscavam explicações universais e certezas (Santos, 1993). Mas a evolução da ciência seguia outro rumo. Pascal já percebia que, se era verdade que para conhecer o todo era necessário conhecer as partes, também era verdadeiro que para conhecer as partes se fazia necessário conhecer o todo. O todo é mais do que a soma das partes por um lado e menos por outro, mas nunca é igual. Mais, porque surgem propriedades emergentes, decorrentes da sinergia do todo; menos, porque as partes abrem mão de potencialidades para participarem do todo.

Nesta linha, seguiram-se os trabalhos de Poincaré utilizados por Bion e todas as descobertas da física quântica, apontando para a incerteza dos fenômenos e a impossibilidade de se obterem descrições exatas.

É importante ainda destacar os estudos de Ilya Prigogine, prêmio Nobel de Química de 1977, que revolucionaram o segundo princípio da termodinâmica. Sua teoria das estruturas dissipativas e o princípio da 'ordem através de flutuações' estabelecem que, em sistemas abertos, sistemas que funcionam nas margens da estabilidade, a evolução explica-se por flutuações de energia que, em determinados momentos, nunca inteiramente previsíveis, desencadeiam espontaneamente reações que, por via de mecanismos não lineares, pressionam o sistema para além de um limite máximo de instabilidade e o conduzem a um novo estado macroscópico. Essa transformação irreversível e termodinâmica é o resultado da interação de processos microscópicos segundo uma lógica de auto-organização numa situação de não-equilíbrio. Assim, novas organizações complexas surgem a partir da desordem (Santos, 1985).

Neste contexto, encontramos as contribuições de Edgar Morin, pensador francês contemporâneo que transita entre as ciências humanas, a biologia e a física, interessado em estudar este panorama marcado pela incerteza e caracterizado pela complexidade.

Morin (1991) é dos primeiros a reconhecer o pioneirismo de Freud no rompimento com a visão cartesiana - ainda que pretendesse seguir seus princípios paradigmáticos - ao colocar a psicanálise na linha da complexidade, descrevendo a presença de opostos simultâneos no inconsciente. Nas suas palavras:"É extraordinário que uma idéia tão fundamental como o sistema aberto tenha também tardia e localmente emergido (o que já mostra que o mais difícil de perceber é a evidência). Com efeito, está presente, mas não explicitamente liberta em certas teorias, particularmente em Freud, onde o Eu é um sistema aberto simultaneamente sobre o isso e o superego, apenas podendo constituir-se a partir de um ou de outro, mantendo relações ambíguas, mas fundamentais com um e com outro; …" (p.28).

É ainda Morin quem chama a atenção para o fato de que "os elementos simples" já não são mais a âncora onde apoiar conceitos: "Já não há mais solo firme, a 'matéria' já não é a realidade maciça elementar e simples à qual se podia reduzir a physis. O espaço e o tempo já não são mais entidades absolutas e independentes. Já não há mais não apenas uma base empírica simples, mas uma base lógica simples (noções claras e distintas, realidade não ambivalente, não contraditória, estritamente determinada) para constituir o substrato físico. Daí uma conseqüência capital: o simples (as categorias da física clássica que constituíam o modelo de qualquer ciência) não é mais o fundamento de todas as coisas, mas uma passagem, um momento entre complexidades, a complexidade microfísica e a complexidade macro-cosmo-física" ( p.23).

Complexidade enfatiza a interconexão entre todas as variáveis do sistema, realçando a dependência deste em relação ao ambiente e afirma que, diferentemente do que se pensava, a entropia não tem um único sentido (do menos para o mais desordenado, de mais quente para mais frio), podendo os sistemas classificados por Prigogine como longe do equilíbrio encaminhar-se espontaneamente, sem interferência externa, da desordem para a ordem (uma nova ordem, diferente da anterior), dependendo para isso apenas de sua capacidade de auto-organização, de sua estrutura interna. Seres vivos são bom exemplo disto: contrariam a segunda lei da termodinâmica não apenas por serem sistemas abertos à energia, mas por criarem ordem a partir do caos. Assim, Morin fala de uma lógica da complexidade que afasta a causalidade simples e propõe que o conhecimento só pode ser alcançado a partir de uma dialógica entre ordem e desordem. Esta seria uma lógica que geraria ordem a partir do erro, do ruído (Eizirik, 1997).

A teoria determinista do caos tem sido utilizada para elucidar o funcionamento de vários sistemas complexos, mostrando que a desordem do sistema pode ser apenas aparente e que uma ordem (sem periodicidade) governa sistemas que eram antes considerados completamente aleatórios. Além disso, paradoxalmente, causas deterministas poderiam dar origem a efeitos imprevisíveis. Isto porque uma característica importante dos sistemas complexos (caóticos) é sua sensibilidade e dependência às condições iniciais do sistema; mudanças infinitesimais ocorridas no início do processo são capazes de determinar grandes mudanças (Abrams e Sardar, 1998).

Assim, a teoria do caos lida com sistemas complexos que, se por um lado obedecem às leis da física fundamental (o que inclui previsibilidade do processo), por outro, são imprevisíveis, tamanho é o grau de diversidade que apresentam. Sistemas complexos (considerados por Prigogine como distantes do equilíbrio) necessitam de um grande dispêndio de energia para manterem-se coesos. Após passarem por um período caótico (quando se desorganizam), tais sistemas buscam, em suas estruturas internas, uma redefinição (desconsiderando, neste momento, o ambiente ) e, a partir desta auto-organização, avançam para um novo nível de organização (Prigogine, 1996).

Atualmente, o termo caos é utilizado no sentido de uma desordem organizada. Estas descobertas questionam o método científico clássico, baseado em princípios basicamente deterministas, no qual os efeitos são sempre proporcionais às suas causas. A questão que tem sido discutida, e que foi tema de um painel no congresso internacional de Nice, em 2001, é em que medida a teoria do caos, com uma linguagem e conceitos diferentes da psicanálise, pode contribuir de alguma forma com os conhecimentos psicanalíticos, sem que se constitua numa mera transposição, ou seja, respeitando as especificidades da cada área (Procci, 2002).

Assim, a proposta é que o funcionamento da mente poderia ser comparado ao comportamento de sistemas complexos (Quinodoz, 1997). E, principalmente, dentro do que nos interessa aqui, o trabalho inconsciente da mente, conforme observável no trabalho clínico, apresentaria características de um sistema caótico determinista. Vejamos alguns destes aspectos.

1) No inconsciente, como nos demais sistemas complexos, há uma "sensível dependência das condições iniciais". Assim, pequenas diferenças na interação da criança com seus pais (ambiente), ou mesmo na interação paciente-analista numa sessão, podem causar grandes alterações.

2) Sistemas caóticos tendem a se organizar e formar padrões que, mesmo imprevisíveis, podem ser reconhecidos retrospectivamente. A teoria do caos mostra como uma atividade aleatória produz estruturas inesperadas que, com a repetição da experiência, voltam a um estado de caos do qual, com a repetição, emerge um padrão que se parece com o original.

Este fenômeno é chamado de escala fractal, estudada por Mandelbrot e que mostra como sistemas complexos apresentam similaridade quando examinados em diferentes níveis de magnitude. É encontrado na natureza, nas artes, em padrões de linguagem, na estrutura da personalidade, numa sessão de análise. Assim, o funcionamento inconsciente, comparável a um sistema caótico, tenderia a se organizar em padrões que apresentariam características comuns, assim como os derivados do inconsciente, mantendo uma estrutura básica comum, semelhante a um fractal.

3) O conceito de atrator foi desenvolvido para representar a variação de um sistema no tempo, a forma de um sistema conforme é esquematizado num espaço de fase, correspondendo ao que lhe dá a identidade. Um exemplo simples pode ser encontrado no fato de que, sempre que se esvazia um recipiente com água por um orifício de drenagem, a massa total entra em movimento com forma típica de vórtice. Entre todos os tipos de atratores, nos interessa especialmente o "atrator estranho", que é um padrão aleatório de pontos não repetidos com duas características: tem uma forma previsível, mas composta por detalhes imprevisíveis e, ao mesmo tempo, é o que organiza o sistema e é produzido pelo sistema do qual faz parte.

Assim, modelos inconscientes que influenciam o comportamento seguem padrões infantis que poderiam ser considerados "atratores". Conteúdos mais próximos destes atratores seriam mais fixos, menos acessíveis ao trabalho analítico.

Todas essas características podem ser pensadas em termos intrapsíquicos ou em termos do que ocorre no processo psicanalítico. Se pensarmos no funcionamento psíquico, o modelo da teoria determinista do caos evidencia o aspecto de uma oscilação contínua entre material desorganizado, caótico, não perceptível pela consciência e uma organização em padrões que, apesar de guardarem semelhança com o original, podem ser criativos ao infinito, como os derivados do inconsciente de Freud, como as fantasias inconscientes de Klein, como os elementos alfa de Bion ou como as tríades assimétricas de Matte-Blanco. Todas essas formações corresponderiam a fractais por manterem uma estrutura comum, invariante. É importante a noção de que haveria no aparelho psíquico, como parte constituinte do ser vivo, uma tendência para esta auto-organização, para uma diminuição da entropia.

No processo analítico, portanto em outra dimensão, também aconteceriam momentos de desorganização caóticos, nos quais o material do paciente parece sem sentido, até que surja um fato selecionado que ordena o material num padrão. Assim, poderíamos pensar em paciente e analista formando um sistema complexo com características de sistemas caóticos deterministas, o que abre a possibilidade de se estudar se esta perspectiva auxilia no trabalho clínico, ainda que este aspecto escape aos propósitos deste artigo.

Seguindo nesta linha de reflexão, algumas questões sobre a forma de se pensar a mente, o que inclui as concepções sobre o inconsciente, surgem naturalmente.

Comentários

O que procuramos destacar é que a psicanálise antecipou alguns princípios básicos do pensamento científico atual, que enfatiza a complexidade, sobretudo quando Freud introduz a noção de inconsciente com suas leis próprias, em constante relação com o consciente. No entanto, por ser um homem de sua época, Freud tentou incluir estas noções dentro do pensamento cartesiano, propondo que estas áreas inconscientes fossem resgatadas pela consciência. Para Freud, a razão, fundamental no pensamento iluminista, era a única alternativa.

Mas de que forma compreendemos hoje a noção de inconsciente? Quais os conhecimentos que temos a respeito dos processos psíquicos que atuam sobre a conduta do indivíduo e que escapam à consciência deste? Este conhecimento é diferente e, se é, em que difere do que se tinha nos primórdios da psicanálise? De que forma tal conhecimento influencia nossa prática clínica na atualidade?

Como na totalidade do pensamento psicanalítico, também em relação à concepção do inconsciente podemos pensar que há um movimento de mudança, mesmo que, principalmente em nosso trabalho diário, ainda utilizemos como referência as várias formas nas quais o conceito tem sido pensado ao longo dos anos.

Ainda que sigamos, em alguma medida, preocupados com as razões e causas da forma de ser e de agir, bem como da estruturação psíquica dos indivíduos, ou seja, mesmo que sigamos pensando psicanaliticamente pelo vértice determinista (causa - efeito), parece-nos que a psicanálise atual tende a enfatizar cada vez mais a indeterminação e a imprevisibilidade dos processos psíquicos. Imprevisibilidade entendida aqui como aquela característica dos sistemas complexos caóticos deterministas.

Assim, o inconsciente surge como um sistema que apresenta um comportamento instável, aperiódico e altamente complexo, do qual se auto-organizam estruturas.

Talvez sejam as idéias de Bion e Matte-Blanco as que melhor reflitam a evolução do que há de mais revolucionário na concepção freudiana da mente como um sistema aberto e complexo, em que os paradoxos têm papel essencial. O inconsciente apresenta-se aqui mais como uma função da mente, em constante relação com as demais, como uma das formas de organizar os dados das experiências emocionais, que surgem como a matéria-prima sobre a qual qualquer conhecimento vai se construir. Assim, há uma clara tendência, dentro desta linha de pensamento, de deslocar para a emoção a base da vida mental, rompendo com a dicotomia afeto/representação. Uma emoção seria o elemento cognitivo básico, que cresceria em complexidade à medida que outras funções fossem se agregando. Nas palavras de Morin, "a computação mais vertiginosa é menos complexa que a mínima ternura" (apud Gerber, 2003).

De acordo com Matte-Blanco, qualquer experiência seria organizada simultaneamente em vários níveis, desde o mais simétrico, onde predomina a emoção, até o raciocínio mais abstrato, onde predominam os mecanismos de lógica assimétrica. No entanto, o fundamental neste modelo é que a simetria, modo de funcionamento que determina a característica de não perceptível pela consciência, continua essencial para a construção de todo pensamento criativo. "Inconsciente", portanto, só pode ser pensado em relação a "consciente". É como se do caos do simétrico fosse possível organizar infinitas tríades de relações que guardam algo do original. De alguma forma, é o inconsciente freudiano, sempre reconhecível através de seus derivados, mesmo que eles sejam diferentes em sua apresentação e magnitude, como nos fractais. São os infinitos elementos alfa, a partir dos quais os pensamentos poderão se desenvolver.

O inconsciente seria concebido como um número infinito de conjuntos infinitos, regidos pelos princípios da simetria, o que faria com que não reconhecesse indivíduos, apenas classes, porque não lida com objetos, mas com funções proposicionais. A transferência seria explicada pela concomitância do modo simétrico e do assimétrico: pelo primeiro, o analista preencheria alguma função proposicional, registrando semelhança com algum objeto primitivo; pelo segundo, o paciente teria alguma percepção de que o analista não é o objeto primário, já que seriam detectadas as diferenças (Matte-Blanco, 1975). A transferência, assim, apresenta-se como um fenômeno paradoxal, complexo no qual o analista é e não é o objeto primitivo.

Retomando a contribuição de Freud à história do conhecimento pela postulação do inconsciente como um outro nível de realidade, Gerber (1999) sugere que talvez o termo que melhor explicite a intenção freudiana seja a-consciente, no qual o prefixo A, alfa-privativo, conota um sentido de além, de transcendência. Ou seja, não um prefixo In que conote negação, oposição, no mesmo nível de realidade, mas o prefixo A apontando para além do nível de realidade consciente. Assim, o a-consciente destaca a característica do que está além da consciência na nossa vida mental.

Desta forma, parece haver, na clínica psicanalítica, uma clara mudança de ênfase: se, inicialmente, o fim a ser atingido era o acesso aos conteúdos "do inconsciente" , sendo o método analítico um meio para atingir este objetivo, cada vez mais se procuram formas de tornar acessível ao paciente o conhecimento do modo como organiza suas experiências emocionais, como percebe, sente, pensa e age. Em outras palavras, conhecer sua escala fractal. Para Bion, não importa tanto o conteúdo do que é pensado, mas a forma de pensar, que possa incluir mais verdade sobre a experiência emocional. O inconsciente surge como o que não é dizível do apreendido da experiência emocional, utilizado preferencialmente como um instrumento, uma ferramenta que habilite compreender melhor a estruturação psíquica do paciente, através da experiência emocional que vivemos nas sessões psicanalíticas.

Além disso, a noção de inconsciente como um modo de percepção das experiências que se aproxima de uma emoção e não de uma lógica aristotélica coloca a observação psicanalítica como uma observação que também precisa ser aprendida para perceber o "inconsciente" não apenas como uma decodificação lógica de conteúdos, mas como uma percepção emocional que nos aproxima da noção de intuição, proposta por Bion e Matte-Blanco.

Pensamos hoje no inconsciente menos como algo a ser revelado e mais como algo a ser utilizado. O inconsciente deixa de ser algo que explica para ser algo que demanda explicação.

Vida é complexidade crescente. Fazendo curto um longo caminho, chegamos ao homem e sua vida mental, sistema complexo, em que corpo, mente e ambiente formam uma rede inseparável que a psicanálise segue procurando compreender em seus paradoxos.

"Inconsciente" parece uma destas concepções que ainda mantém seu mistério, do qual nos aproximamos sabendo que, talvez, busquemos certezas impossíveis de serem alcançadas.

Referências

ABRAMS, I. e SARDAR, Z. (1998). Introducing Chaos. Totem Books, USA: Icon Books.
EIZIRIK, M.F. (1997). Dialogar com o mistério do mundo: a aventura da complexidade em Edgar Morin. Estudos Leopoldenses, v.1, p.49-54.
GERBER, I. (1999). Atonal, aracional, aconsciente. Trabalho apresentado no Congresso da FEPAL, Gramado, 2000.
______. (2003). E depois de Bion. Revista Panorama. Edição da Sociedade Psicanalítica de São Paulo, S. Paulo.
MATTE BLANCO, I. (1975). The Unconscious as Infinite Sets. Londres:Duckworth,1975.
MORIN, E. (1991). Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget.
PANIAGUA, C.(2001). The attraction of topographical technique. IJPA, 2001, p.671-684.
PRIGOGINE, I. (1996). O fim das certezas - tempo, caos e leis da natureza. São Paulo: Unesp.
PROCCI, W. (2002). Panel report: Chaos theory as a new paradigm in psychoanalysis. IJPA. v.83, p.487-490.
QUINODOZ, J.M. (1997). Transitions in psychic structures in the light of deterministic chaos theory. IJPA. v.78, p.699-718.
SANDLER, P.C. (1997). A Apreensão da Realidade Psíquica. Rio de Janeiro: Imago, v.1 e v.7, 1997.
SANTOS, B.S. (1993). Um discurso sobre as ciências. Porto: Afrontamento, 1993.

Recebido em 01/12/2003
Aceito em 03/12/2003

Viviane Mondrzak
Av. Taquara, 198/201
90460-210 - Porto Alegre - RS - Brasil
E-mail: mondrzak@terra.com.br

Fonte: © Revista de Psicanálise - SPPA
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"Vida é complexidade crescente. Fazendo curto um longo caminho, chegamos ao homem e sua vida mental, sistema complexo, em que corpo, mente e ambiente formam uma rede inseparável que a psicanálise segue procurando compreender em seus paradoxos".

"Inconsciente" parece uma destas concepções que ainda mantém seu mistério, do qual nos aproximamos sabendo que, talvez, busquemos certezas impossíveis de serem alcançadas".


Uma alegoria para compreensão Teoria do Caos, diz que uma borboleta ao bater suas asas na floresta amazônica poderia desencadear uma série de eventos que culminariam com um furacão no oceano Pacífico.

A Teoria da Complexidade, quando aplicada nas ciências sociais , afirma que uma grande perturbação ( por exemplo o golpe de estado que destituiu Dilma Roussef) em um sistema organizado ( por exemplo a democracia e voto universal), pode desencadear um descontrole total no sistema. Um outro exemplo foi a dissolução dos regimes comunistas do leste europeu, que quando existiam contribuíam para o equilíbrio do sistema com o capitalismo. Com a dissolução, em 1990, os teóricos da complexidade previram uma grande perturbação no mundo, diferente do que afirmavam correntes políticas e econômicas do pensamento ocidental que tornava-se-se hegemônico ao afirmarem que o mundo entrava em uma era de equilíbrio e prosperidade.

Na Física Quântica, um observador ao observar os fenômenos subatômicos, contribui para que tais fenômenos aconteçam. Ou seja, a independência entre observador - objeto observado, predominante no paradigma cartesiano, deixa de existir e em seu lugar observador e observado são considerados como um sistema único, interdependentes. Ainda, segundo a Física Quântica, a expectativa, pensamento,ou o desejo do observador em observar uma determinada partícula, contribui para que tal partícula apareça, e mais, em dois lugares ao mesmo tempo.

Assim sendo, corpo, mente e ambiente formam uma rede, uma teia, inseparável e interdependente, e que, no conjunto da humanidade determina como o mundo se apresenta, se comporta, ou seja, como os valores, percepções, práticas, ações e pensamentos, produzem a realidade.

Isto posto, do ponto de vista de uma pessoa o pensamento produz a realidade dessa pessoa, assim sendo, todo o cuidado é pouco no momento de uma oração, por exemplo, pois corre-se o risco de se conseguir aquilo que se deseja, por caminhos imprevisíveis, inimagináveis, de muito ou pouco sofrimento, de longa ou curta duração.

Do ponto de vista do conjunto da humanidade, o controle sobre as idéias que devem prevalecer entre as pessoas e sobre a narrativa a ser aplicada é de extrema importância, e molda o mundo tal qual vemos , vivenciamos e percebemos, de maneira que através de um padrão, o homem reproduz os outros padrões sociais, tal qual Teoria dos Fractais.

Do ponto de vista do conhecimento, a fragmentação perde espaço, pois só se consegue uma compreensão, ainda que incerta, sobre os diferentes fenômenos através da interdisciplinaridade das diferentes formas do saber.

Assim sendo, a Psicanálise, a Física, as Ciências Sociais, a Biologia, a Ciência da Cognição, a Química, a Matemática devem caminhar de mãos dadas.

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