quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Resistência

Sopro de inspiração

6 DE OUTUBRO DE 2016

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Fonte: Blog da Luciana Oliveira
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Pedra do Sal, no Rio, é palco de uma roda de samba marcada pela resistência
06/10/2016 13h34
Anderson Baltar
do BOL, no Rio de Janeir

 Imagem: Diego Mendes/BOL

Roda de samba da Pedra do Sal reúne todas as tribos em local histórico

O grupo busca valorizar a essência do samba, por isso, as vozes não são microfonadas, apenas os instrumentos de cordas. "A intenção é trazer os cantos guturais dos tempos da escravidão. O samba sai puro, sem qualquer tipo de maquiagem", conta Pimentel.

Em meio à revitalizada região portuária do Rio de Janeiro, a poucos passos da Praça Mauá e do Boulevard Olímpico – menina dos olhos da cidade em tempos olímpicos, encontra-se uma verdadeira joia da cultura popular carioca: a Pedra do Sal. Local simbólico para a comunidade afro-brasileira que ocupou o Rio de Janeiro desde o século 17, a pedra tem esse nome por conta de ter sido um atracadouro para o comércio de sal nos tempos coloniais. Muitos anos depois, o espaço é o porto seguro para um intenso trabalho de preservação do samba e sua ancestralidade.

"Estamos aqui para lutar pela essência do samba. É uma luta política, ideológica e pedagógica, no sentido de que marcamos terreno e procuramos difundir essa tradição para as novas gerações", explica o percussionista Walmir Pimentel, um dos líderes do movimento e porta-voz da Roda de Samba da Pedra do Sal, que há dez anos ocupa o histórico endereço todas as segundas-feiras a partir das 19h. Montada em meio ao larguinho ao final da rua Argemiro Bulcão, a roda tem uma característica que a distingue de todas as outras: as vozes não são microfonadas, apenas os instrumentos de cordas. "A intenção é trazer os cantos guturais dos tempos da escravidão. O samba sai puro, sem qualquer tipo de maquiagem", afirma Pimentel.

A data da roda não foi escolhida por acaso. Segunda-feira é um dia com uma simbologia muito forte para os cultos de matrizes africanas. Na umbanda, é dia de Preto Velho. No candomblé, saúdam-se Omolu e Exu. Através dos batuques mais ancestrais, as entidades são louvadas e o local serve de ponto de encontro de sambistas, que geralmente nesse dia folgam de seus compromissos nas casas de show. O grupo, atualmente, é formado por Walmir Pimentel (percussão), Wando Azevedo (surdo), Paulo Cesar Correia (percussão), Peterson Vieira (percussão), Rogério Família (cavaco), Juninho Travassos (cavaco) e Juninho Silva (violão).

Samba para todos

Num cenário informal, os músicos se posicionam no meio do largo, em frente à Bodega do Sal, bar que teve a iniciativa de organizar o evento e até hoje fornece toda a logística. André Peterson, proprietário da Bodega, é testemunha ocular do crescimento da importância cultural da Pedra do Sal. Morador do local desde a infância, ajudava a mãe, Irene, a administrar o Alho Poró, um pequeno restaurante vizinho. Com a compra do bar, a roda, que já acontecia, ganhou mais destaque – muito antes do surgimento do projeto Porto Maravilha, que revitalizou toda a região portuária carioca. "O sucesso daqui foi imenso e começou a atrair muita gente. Tanto que, há sete anos, criamos outra roda, que acontece às sextas", conta Peterson.

Diego Mendes/BOL

Sentadas na Pedra do Sal, a paranaense Amanda (esq.) e a norte-americana Loren se divertem no intervalo da roda

Os dois eventos têm públicos diferentes. A roda de sexta-feira é mais frequentada pelo pessoal que sai do trabalho no Centro da Cidade e procura dar uma relaxada.

É o Samba de Lei, comandado pelo músico Wagninho e que já gerou importantes frutos para a nova geração de bambas cariocas. Todas as segundas-feiras, em paralelo à roda, ele oferece oficinas de percussão para mulheres no andar superior da Bodega. Desse trabalho surgiu o grupo Moça Prosa, que começa a conquistar uma legião de adeptos no circuito do samba carioca.

Já a roda de segunda-feira tem um perfil bastante eclético. Pela Pedra do Sal circula desde uma quantidade expressiva de universitários a turistas de todas as partes do Brasil e do mundo. Várias barracas são montadas no entorno e vendem bebidas e iguarias típicas de quem está acostumado a seguir os batuques pela cidade. O povo da roda tem suas próprias barracas e o proprietário da Bodega não esconde sua preocupação com todo o comércio do entorno. "Prejudica um pouco nas vendas, não nego. Mas nem por isso vamos deixar de fazer o samba acontecer", assinala Peterson.

Sentadas na pedra durante o intervalo dos músicos, a paranaense Amanda Viegas e a norte-americana Loren Lorenzo diziam estar encantadas com o ambiente. A brasileira o conheceu no ano passado, quando fez um trabalho temporário no Rio de Janeiro. Ao receber a amiga californiana de férias na cidade, fez questão de levá-la à Pedra do Sal em sua primeira saída noturna. "Eu adoro samba e me apaixonei por aqui desde a primeira vez que vim. Aqui o samba flui com toda espontaneidade, bem diferente do que vemos nas casas de shows", explica Amanda, que é fã de Arlindo Cruz e Maria Rita. Sua amiga, que vivia a primeira experiência com o samba, declarou-se completamente emocionada com o que presenciava. "Nunca tinha ouvido samba nos Estados Unidos e estou enfeitiçada. Essa música fala direto com a nossa alma", derreteu-se Loren.

Símbolo de resistência

Emoção e ancestralidade. Essa é a marca da roda da Pedra do Sal, que, se depender de seus idealizadores, nunca irá se perder, apesar da Zona Portuária carioca estar na moda. Walmir se queixa do comportamento de muitos frequentadores eventuais, que insistem em conversar perto da roda e reclamar da falta de microfones. "A gente tenta conscientizar e explicar que esse é o conceito, que nós nos sentimos bem assim. Mas eu fico extremamente chateado com esse tipo de postura. Na Olimpíada, tivemos alguns problemas, mas nós não vamos deixar de ser um ponto de resistência", enfatiza.

Diego Mendes/BOL

Sem microfone e cercados pelo público, músicos fazem "samba puro"

A resistência se manifesta também no repertório. A intenção dos músicos é fugir completamente do chamado "Top 10" das paradas para tocar canções menos badaladas. "Gostamos de trazer para o público músicas pouco conhecidas, mas que são verdadeiras joias. Não tocamos só o lado B, C ou D de Cartola, mas também de compositores menos reconhecidos, como Baiaco, Brancura ou Wilson Batista", explica Walmir. O samba-enredo também não é esquecido, porém dentro dessa mesma dinâmica. Quando a reportagem do BOL esteve no local, o grupo tocou, dentre outros, sambas pouco lembrados de escolas que estão nos grupos de Acesso, como Caprichosos de Pilares e Tupy de Braz de Pina.

Mesmo sendo diferente do habitual na maioria das rodas, a qualidade do repertório sobrepõe-se e conquista quem está em volta da roda. Os movimentos, que eram tímidos no começo, se intensificam. Por volta das 22h, o local está completamente tomado de gente, que se une em torno dos músicos e não esmorece nem com a chuva fina que insiste em cair. Bem colado à roda, o autônomo Vinicius Quintella canta todas as músicas e bate na palma da mão no ritmo da canção.

"Estou aqui todas as segundas-feiras, não perco por nada. E não é só o samba que me traz aqui. O lugar é fantástico, exala ancestralidade. A energia é única. Além do mais, vemos gente de todos os tipos por aqui. É uma mistura que demonstra exatamente o que é o Rio de Janeiro, onde todo mundo pode curtir junto, sem discriminação", afirma Vinicius, fã de Candeia, João Nogueira e Roberto Ribeiro.

É nesse ambiente, onde, no passado, as baianas faziam seus rituais religiosos e Hilário Jovino Ferreira fundou o rancho Reis de Ouro – o primeiro a sair no Carnaval, revolucionando a folia carioca -, que o samba resiste avesso aos modismos e sem fazer concessões. "O importante aqui é marcar posição. Quanto mais simples, mais nobre é o samba. Esperamos que as novas gerações sigam essas pegadas", finaliza Walmir Pimentel.

Roda de Samba da Pedra do Sal
Endereço: Rua Argemiro Bulcão - 1, Saúde (zona portuária), Rio de Janeiro (RJ)
Dia e horário: segundas-feiras, 19h
Entrada: gratuita

Fonte: BOL


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