segunda-feira, 3 de outubro de 2016

A vocação do Rio de Janeiro

Marcelo Freixo e a utopia da esquerda

Postado em 03 Oct 2016
por : Leonardo Mendes



Marcelo Freixo, o candidato do PSOL

A chegada do candidato do PSOL Marcelo Freixo ao segundo turno no Rio de Janeiro já pode ser considerada uma grande vitória.

Freixo tinha 11 segundos de propaganda na TV, contra 3 minutos e 30 segundos do candidato do PMDB Pedro Paulo, terceiro colocado na disputa e a campanha mais cara do país.

Freixo é também criminosamente perseguido já há muitos anos pela Globo, grupo empresarial que sempre guardou um carinho materno pelo atual prefeito do Rio Eduardo Paes, padrinho político de Pedro Paulo.

A Globo chegou no mês passado a oferecer uma medalha de ouro a Paes, na coluna de Noblat, um dos principais porta-vozes da família Marinho. Não se sabe se o mimo era pelas Olimpíadas ou pelos fartos anúncios que Paes sempre monopolizou no jornal em que Noblat escreve.

Já contra Freixo, a Globo chegou a produzir manchetes históricas, exemplares perfeitos do jornalismo marrom que praticam, como a do “estagiário do advogado diz que ativista vândalo afirmou ter ligação com Marcelo Freixo”, dias depois da morte do cinegrafista Santiago.

Freixo só podia contar com o apoio de “burguês metido a pobre” e “vagabundos”, segundo a vice de Pedro Paulo, Cidinha Campos.

A neta de Cidinha respondeu então que achava “melhor burguês metido a pobre do que burguês que odeia pobre”, e confirmou o voto em Freixo. Estavam criados os melhores memes dessa eleição.

Foi uma vitória dos memes, do engajamento de jovens nas ruas e nas redes, uma vitória das mídias alternativas, do acesso à internet.

Uma vitória da militância, dos movimentos sociais, de defensores do estado laico, dos direitos humanos, da distribuição de renda…

Uma vitória contra a TV, contra o jornalão, contra Cidinha, Temer, Cunha, PMDB.

Contra o atraso, o conservadorismo, a extrema-direita, fascistas, tucanos, banqueiros, bolsonaros.

Uma vitória da utopia de todos aqueles que ainda acreditam ser possível. Que acreditam que o voto é sua arma, e que eleger um bom governante pode de fato melhorar o mundo.

Talvez isso também esteja perto de acabar, e já não possamos sequer sonhar com um governo digno.

Na maioria das cidades já é assim.

Com a disputa agora entre o coronel e o bispo. Ou com o lobista eleito em primeiro turno.

Fonte: DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO
_________________________________________________________________ 

Com a chegada da ditadura militar em 1964, o país passou a ter dois partidos políticos. A ARENA, dos milicos, e o MDB, daqueles contrários a ditadura. Naturalmente, pessoas contrárias a ditadura, mesmo de ideologia de direita, se alinharam com o MDB. Na outra extremidade do MDB estavam pessoas de ideologia de esquerda.

Assim foi criado, dentro do MDB, o grupo dos Autênticos, com políticos de ideologia mais a esquerda. Nas eleições parlamentares de 1970, o Rio de Janeiro, na época Estado da Guanabara, talvez tenha sido o estado que elegeu, proporcionalmente, o maior número de deputados ligados ao grupo Autênticos.

Em 1974, nas eleições parlamentares, a ARENA sofreu uma tremenda derrota, com o MDB vencendo na esmagadora maioria dos estados. A Guanabara, na época já se transformando em Estado do Rio de Janeiro, atropelou a ARENA no estado.

Em 1982, já com a existência de novos partidos políticos - quase todos criados em 1980 com o consentimento da ditadura decadente - aconteciam as primeiras eleições livres para governadores dos estados. A ARENA, reciclada como PDS ,e o MDB, transformado em PMDB - a legislação criada pelos milicos ( General Golbery) exigia que todos partidos políticos tivessem o P de partido no nome - surgiam, por força de suas bases, como principais favoritos nas eleições daquele ano na maioria dos estados. E de fato assim aconteceu, com exceção, claro, para o Rio de Janeiro, que desde 1970 não se contentava, apenas com o 'Sim' ( MDB) e o 'Sim Senhor' ( ARENA), e , com isso, para desespero dos milicos e da Globo, elegeu Leonel Brizola do PDT para o governo do estado. Era a chegada do socialismo democrático moreno nas terras fluminenses. Na ocasião, Moreira Franco, hoje ministro do governo do golpe, foi o candidato do PDS, dos milicos, derrotado por Brizola.

Em 1986, com a farsa do plano cruzado implementado pelo governo federal do PMDB de Sarney, a maioria da população brasileira acreditou que com o plano, a inflação - naquela época estratosférica - seria controlada. Qualquer semelhança com os que hoje vão para a Av.Paulista e Av.Atlântica acreditando no fim da corrupção não é mera coincidência. Uma parcela da população foi , é e ainda será bovina. Com a farsa do plano, lançado próximo das eleições de 1986, o PMDB elegeu a maioria dos governadores pelo país, inclusive no Rio de Janeiro, onde o mesmo Moreira Franco, na ocasião então no PMDB e hoje no golpe, derrotou Darcy Ribeiro, candidato de Brizola.

Chega o ano de 1989 e com ele as primeiras eleições livres para presidente da república desde 1960. Todo mundo se candidatou, mas, para o segundo turno passaram o João Dória da época ( Fernando Collor ) e Lula, que disputou voto a voto com Brizola o segundo lugar. Collor, apresentado como o caçador de marajás, o homem que iria acabar com a roubalheira no país, se elegeu por uma sigla nanica, de aluguel, o PRN - Partido da Reconstrução Nacional. Tão logo eleito, cabe o registro, o PRN se transformou na maior bancada da Câmara com uma corrida de parlamentares trocando de partido para se filiar ao novo que salvaria o país dos ladrões e oportunistas.

Naquela eleição um fato merece destaque. O Rio de Janeiro foi o estado que deu a maior votação para Lula, tanto no primeiro como no segundo turno. No segundo turno, Lula teve 75% dos votos do Estado, claro, com o apoio de Brizola que transferiu todos seus votos para o petista. São Paulo, como de costume, caiu mais uma vez no conto do vigário e apoiou em massa Collor.

O resultado da eleição, todo mundo sabe. Collor venceu Lula em uma disputa que teve até manipulação do debate , um apoio inestimável proporcionado pela TV Globo.

No ano seguinte, em 1990, aconteciam as eleições para governadores. Surgia, então, na disputa o PSDB, um partido criado em gabinetes do Congresso Nacional, que no Rio de Janeiro jamais seduziu o eleitor que o chamava de PMDB elegante, diferentemente do PT, partido criado nas lutas populares, nos sindicatos, nas ruas. Mais uma vez, o Rio elegeu Brizola. No Rio, o PSDB elegeu apenas Marcelo Alencar governador em 1994. Cabe lembrar que Marcelo Alencar foi , durante a ditadura, advogado de presos políticos e na redemocratização do país um quadro importante no PDT de Brizola, de onde saiu para o PSDB.

Nesse ano de 1994, o PRN, lembra dele?, que tinha a maior bancada da Câmara já definhava com o impeachment de Collor, acontecido em 1992.

No Rio de Janeiro, em 1992, o carioca colocava Cesar Maia - PMDB - na prefeitura da cidade e, no ano de 1998, Antony Garotinho - PSB -no governo do estado

Cabe ressaltar que Marcelo Alencar, Cesar Maia e Garotinho , como dizia Brizola. foram banhados em águas do PDT, de onde saíram para outros partidos e se elegeram.


Neste  século o Rio de Janeiro não se omitiu e fez valer sua vocação, elegendo Lula, duas vezes e Dilma, também duas vezes. 

Protagonizou uma das maiores manifestações espontâneas de rua, em 2013, quando a população foi às ruas exigir qualidade e preços justos nos serviços públicos.

Foi, e tem sido, um dos principais centros de resistência ao golpe jurídico-parlamentar -midiático  deste ano.

Agora, com a eleição municipal de segundo turno, o carioca , mais uma vez, fará a leitura sobre o futuro da cidade e, consequentemente, a mensagem que reverberará para o país.

O conservadorismo retrógrado e obscuro que apoiou o golpe ou o caminho libertário e democrático.

O Rio de janeiro deve seguir sua vocação de ousadia, e isso de fato acontecerá , para um lado ou para o  outro, uma vez que os dois projetos em disputa são diametralmente opostos.

Assim como em 1970, o Rio dirá se é Autêntico ou Sim Senhor:

Crivella  X  Freixo;
o passado X o futuro;
o fundamentalismo religioso  X  o estado laico;
a era medieval  X  o pós-modernismo;
a contenção da democracia  X  a expansão da democracia;
a aceitação do golpe  X  a resistência ao golpe;
o resgate de um projeto mundial decadente  X  a ousadia da criação de um novo modelo;
a bíblia  X  a internete;
a religião  X  a espiritualidade;
o humanismo esgotado  X  a criação de um novo humanismo;
a ecologia como ramificação  X  a ecologia no centro das decisões;
a visão de Claudius Ptolomeu  X  a visão de Werner Heisenberg;
binóculos  X  radar quântico;
o Poder centralizado  X  o Poder para o povo;
the family  X  all you need is love;
Grupo Record de mídia  X  todas as mídias;
milagre  X  ciência;
pastor do agronegócio  X  agricultor familiar;
homogeinização  X  diversificação

Nenhum comentário:

Postar um comentário