quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Mídia Livre

Grito dos Excluídos: Desmentir e transformar a mídia, porque comunicação é direito e direito se conquista

Diante desse cenário, é preciso afirmar a comunicação como um direito humano fundamental


Por Helena Martins e Iara Moura
Do Intervozes

No ano de 2015, o lema do Grito dos Excluídos trouxe à tona o debate sobre o direito à comunicação para o diálogo entre os movimentos sociais que se organizam para fazer frente ao avanço dos conservadorismos, das reformas neoliberais e das violações de direitos humanos, as quais se processam em diversos âmbitos da vida de homens, mulheres, indígenas, quilombolas, campesinos, jovens, crianças, adolescentes, população LGBT, negros e negras de todo o Brasil.

A partir do lema “Que país é esse que mata gente, que a mídia mente e nos consome?”, levamos para as ruas e rodas de conversas discussões sobre a importância da mídia na sociedade contemporânea. Falamos dos riscos que a concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos privados representa, dada a capacidade que eles têm de produzir um discurso hegemônico e, com isso, influenciar a sociedade.

Nos meses que se seguiram ao Grito dos Excluídos, esse potencial mostrou-se de forma nítida. A mídia foi usada largamente na disputa do imaginário social e dos rumos da crise política que o Brasil vivencia. Com horas de cobertura de determinados protestos, invisibilização de outros, apresentação de saídas conservadoras e muitas outras estratégias que beneficiaram os grupos afinados com a leitura política dos donos do poder e da comunicação, os meios conseguiram reduzir o debate sobre nossos problemas e conduziram a opinião pública contra o governo e contra aqueles/as que afirmavam que a saída para a crise não poderia ser fruto de um golpe, mas sim da ampliação da democracia e da garantia de direitos.

Se os exemplos do passado, como o golpe de 1964 e as Diretas Já, não deixavam esquecer a centralidade da mídia na política, o que vimos nos últimos meses e o que veremos nos próximos, no contexto da intensa polarização política que vivenciamos, devem ser lidos à luz de uma questão: qual o papel atual da mídia na democracia brasileira? Isso está em jogo e pode ser determinante. Seja para garantir a vitória de uma reação mais conservadora ou para alargar os horizontes da nossa pobre democracia, carente de participação direta, de controle popular sobre os mandatos, de transparência e de espaços para que as diversas opiniões sejam conhecidas e problematizadas de fato, formando e informando a todos/as sobre o mundo que nos cerca.

Diante desse cenário, é preciso afirmar a comunicação como um direito humano fundamental. Isso significa dizer que todas as pessoas devem ter condições para se expressar livremente, ser produtoras de conteúdo e fazer circular essas manifestações, sejam elas opiniões, informações ou produções culturais. Para tanto, é fundamental que o Estado adote medidas contra as diferenças que limitam a condição de produtor e difusor de informações a tão poucos grupos e garanta o exercício do direito à comunicação de forma plena e em linha com o direito à informação e à expressão, já que os direitos humanos são complementares e indivisíveis.

No Brasil, o direito à comunicação tem sido negado para a maior parte da população. A liberdade de expressão é tratada como liberdade de empresa. Essa situação está na raiz do nosso sistema de comunicação, quando se privilegiou a exploração desse bem pela iniciativa privada. Hoje, os meios de comunicação eletrônicos – rádio e televisão – embora sejam concessões públicas, têm um caráter eminentemente comercial, uma vez que estão em posse de grupos empresariais voltados à disputa de audiência e à conquista do lucro. Essa conformação foi viabilizada pela concentração da propriedade, pela presença dominante de grupos familiares, pela vinculação dos donos dos meios às elites políticas nos diferentes estados daqueles e, por outro lado, pela redução dos meios públicos e comunitários à periferia do sistema.

A Globo, pertencente à família Marinho, é um dos principais símbolos desta situação. Formado por revistas, jornais, rádios e TVs (somente ela possui 122 emissoras, sendo 117 afiliadas), o Grupo Globo garante a essa família o patamar de mais rica do país, com uma fortuna avaliada em US$ 28,9 bilhões. Violando o artigo 54 da nossa Constituição Federal, vários políticos, Senadores e Deputados são concessionários de rádio e TV, sendo muitos dessas emissoras afiliadas do sistema Globo. Os casos são bastante conhecidos: a família Sarney, no Maranhão; a família Magalhães (ACM), na Bahia; Collor, em Alagoas; Jader Barbalho, no Pará; e por aí vai.

Não por acaso, as redes de televisão e rádio estão nas mãos de grupos econômicos e políticos que lucram com as desigualdades sociais, com o agronegócio e com a falência da segurança pública. Esses grupos se utilizam dos meios para defender os seus interesses, por isso, diariamente, proliferam discursos de ódio contra movimentos sociais da cidade e do campo e defensores/as de direitos humanos, criminalizam jovens negros e reforçam estereótipos em relação a outros setores oprimidos da sociedade.

Os que são hoje donos da mídia querem que a sociedade não compreenda os meios de comunicação como bens públicos, desconheça seu direito a ter acesso a um conjunto diversificado de informações e opiniões e não possua espaços para fazer denúncias e cobrar reparação diante de notícias falsas, distorções, preconceitos ou do silêncio imposto aos movimentos sociais. Com isso, eles também limitam a discussão, a participação da sociedade e suas possíveis conquistas. Afinal, uma sociedade que não conhece seus direitos não pode reivindicá-los.

Recentemente, muitos dos países vizinhos ao nosso fizeram avançar, cada um a seu modo, a participação popular, a promoção da diversidade de opiniões e o combate às violações de direitos humanos na mídia. Uruguai, Argentina e Bolívia, por exemplo, estabeleceram regras que limitam a formação de monopólio e oligopólios no setor de radiodifusão (rádio e TV); fortalecem a comunicação pública e os meios comunitários; afirmam a necessidade de respeito e promoção da diversidade regional, cultural e ideológica nos veículos.

Inspirados por esses exemplos e pelas décadas de luta da sociedade brasileira pela democratização da comunicação, organizações da sociedade civil do nosso país elaboraram o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática que prevê, entre os seus artigos, o veto à propriedade de emissoras de rádio e TV por políticos e define regras para impedir a formação de monopólio. Além de defender essa mudança estrutural, também lutamos por medidas que podem ser tomadas, desde já, entre as quais: o fortalecimento da Comunicação Pública em sua sustentabilidade financeira e sua autonomia, com destaque para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC); a proibição dos arrendamentos de canais de rádio e TV, que ocorre quando um concessionário vende parte de sua programação a terceiros; e o respeito aos direitos humanos na mídia, com o fim das violações em programas que se utilizam de preconceitos, discursos de ódio e incitação à violência para obter audiência e lucro.

Se, no campo dos movimentos de esquerda, há muito se percebeu que direito não se negocia, não se compra, mas se conquista, e que não há outro mundo possível se não renovarmos e disputarmos também o campo das ideias, aproveitamos este espaço para fazer um chamamento: é chegada a hora de pressionar o Estado brasileiro a fazer avançar a democracia e, para isso, é necessário e urgente democratizar as comunicações.

Fonte: MST 
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A imprensa e o simulacro da realidade
09 de setembro de 2016 Redação

Foto: Reprodução/ O Globo

por Claudia Versiani, especial para O Cafezinho

O recém-eleito presidente da Associação Nacional de Jornais, Marcelo Rech, no discurso de posse semanas atrás, declarou que jornais são certificadores da realidade. Discursos pedem frases bombásticas, de alto efeito retórico, passíveis de serem publicadas na primeira página dos jornais - como efetivamente ocorreu.

Mas de qual realidade estaria falando Rech? Cláudio Abramo, um dos luminares do jornalismo brasileiro, formador de gerações de profissionais, escreveu que a grande imprensa é ligada aos interesses da classe que pode mantê-la. E completa: “(a grande imprensa) pertence a pessoas cujos interesses estão ligados a um complexo econômico, político e institucional”. Não se trata de simples opinião: a promiscuidade entre os barões da imprensa e os intestinos do poder é fartamente documentada, por exemplo, no livro “O quarto poder”, de Paulo Henrique Amorim.

Jânio de Freitas, em entrevista para o filme “Mercado de notícias”, de Jorge Furtado, disse que jornais são editados não para fazer jornalismo, mas para publicar publicidade. É a pura expressão da verdade. Nada mais pragmático: empresas de comunicação são negócios pra lá de promissores, pois publicidade rende muito dinheiro. Nesse cenário, notícias são subproduto, grande parte das vezes servindo a interesses outros que não o interesse público – entendendo-se por isso responsabilidade social, bem comum, direitos sociais.

No melhor dos mundos, o jornalismo serviria ao interesse público e os jornais talvez fossem certificadores ao menos de parte da realidade. Não estamos no melhor dos mundos: em 2010, Judith Brito, executiva da Folha de São Paulo, assumiu a presidência da ANJ, entidade hoje presidida por Marcelo Rech. No discurso de posse, ela declarou candidamente que os meios de comunicação estavam fazendo a posição oposicionista no país, já que a oposição estava profundamente fragilizada.

Destaque-se que essa posição oposicionista não foi propugnada por um ou outro jornal, o que poderia ser considerado legítimo, mas pela presidente de uma associação que congrega no país dezenas de publicações da grande mídia.

Em artigo para o Observatório da Imprensa, Washington Araújo, mestre em Comunicação pela UnB, contestou magistralmente a postura da executiva. Entre outras questões, indagou: é função da Associação Nacional dos Jornais, além de representar legalmente os veículos, fazer oposição política, ou se trata de usurpação e deformação do rito democrático? É possível fazer sistemático papel de oposição e ao mesmo tempo praticar bom jornalismo, sem afetar a credibilidade? O exercício de oposição não deveria ser democraticamente concedido pelo voto? E o mais importante: onde fica o direito do leitor, de ser livremente informado da forma mais imparcial possível?

No Brasil, seis ou sete famílias são proprietárias dos grandes meios de comunicação. Pior: a propriedade cruzada desses meios – quando um mesmo grupo detém jornais, revistas, televisões, rádios, plataformas na internet - leva ao incauto consumidor de notícias um pensamento unívoco. A propriedade cruzada é proibida na maioria dos países democráticos, e também pela Constituição Brasileira de 88 – embora essa norma constitucional não tenha sido regulamentada, e consequentemente não é cumprida, como se sabe.

Com as conhecidas e raras exceções, inexiste o contraditório na imprensa brasileira. O público tem percebido isso com progressiva intensidade. A tiragem dos jornais cai ano a ano, assim como a audiência das televisões. E a responsabilidade não é só da concorrência da internet. É também da crescente falta de credibilidade da imprensa, cada vez mais escancaradamente vulnerável a conveniências alheias ao interesse público. “Se os jornais prussianos são pouco interessantes para o povo prussiano, isso sucede porque o povo prussiano é pouco interessante para os jornais”, escreveu Karl Marx. Desinteresse gera desinteresse. Ótimo tema de meditação para os barões da imprensa preocupados com a fuga de leitores.

Caro senhor Marcelo Rech, sua frase é bonita, mas vazia de sentido. No Brasil, a grande imprensa funciona dissociada da realidade. Transmite ilusão do real, já que não exprime a pluralidade das vozes existentes na sociedade. A selva da internet, com todos os perigos de um território de ninguém, é preferível à da grande imprensa, onde as armadilhas são menos visíveis, e os engodos, maiores.

O resultado dessa distorção da realidade é o atual momento político brasileiro: ao restringirem o direito dos cidadãos à informação, os meios de comunicação promoveram e ajudaram a consumar o violento atentado à democracia que abala e polariza o país. É uma responsabilidade da qual jamais poderão se eximir.

Cláudia Versiani é jornalista, fotógrafa e professora do curso de Comunicação Social da PUC-Rio, além de autora dos livros “Os homens de nossas vidas” (crônicas) e “Bodas de Sangue: a construção e o espetáculo de Amir Haddad” (fotografias).
 Fonte: O CAFEZINHO
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