terça-feira, 30 de agosto de 2016

Eles moram longe


Latuff Dilma e congressistas


renato_aroeira-julgamento_impeachment



Cobras, ratos e abutres julgando uma presidenta.

Perfeito.

Certa ocasião, tempos atrás, embarquei em um ônibus no centro do Rio de Janeiro com destino a cidade de Maricá, localizada na região metropolitana de Niterói. Embarquei por volta das 18 horas, horário que muitas pessoas que moram em Maricá e trabalham no Rio também estão voltando para suas casas. O ônibus passa por alguns bairros da cidade de Niterói e também do município São Gonçalo. Nesse horário, o morador de Maricá fica por volta de uma hora e quarenta minutos dentro do coletivo, até chegar em seu destino. Muitos moradores de bairros de São Gonçalo também usam a linha Maricá - Centro do Rio. Para os moradores de São Gonçalo a viagem é mais curta algo em torno de 50, 60 minutos.

Sentado na fileira dos últimos bancos do coletivo, ao meu lado estava um casal bem vestido, voltando do trabalho e pelo que ouvi da conversa entre ambos eram moradores de São Gonçalo:

homem - até que hoje o trânsito está bom
mulher - ainda bem, assim vai rápido
homem - São Gonçalo não é tão longe.
mulher - é verdade. Olha só essa gentinha que mora em Maricá. Esses aí sofrem um bocado. Moram longe e moram mal.
homem -são pobres.

Quieto, no meu canto, mas super atento ao diálogo, registrei a pérola.

O diálogo reflete muito bem o que é a classe média brasileira e seus parâmetros de medição e comparação, isso em todos os níveis sociais.

Para aquele casal, os moradores de Maricá eram inferiores na escala social, Eram pobres, enquanto eles, o casal , era a classe média.

Esse comportamento da classe média vem de longa data e foi, e tem sido, incentivado pelas elites endinheiradas do país.

Dessa forma, e de alguma forma, todos são classe média aspirantes a elite, até mesmo o morador de rua que tem apenas um colchão e um cachorro e o outro ao seu lado tem apenas uns pedaços de papelão.

Esse comportamento criou uma obsessão em uma parcela da população em ser chamada de elite. Tanto é assim que essa classe média está sempre disponível - tal qual o antológico hímen complacente citado pelo Dr. Ulisses Guimarães no plenário da Câmara dos Deputados - para sugestões de ideias e comportamentos lançados pelas elites endinheiradas.

Essa parcela da classe média, que não é pequena, é estreita intelectualmente e com um alcance de visão quase nulo.

De uma maneira geral são analfabetos políticos e seguem as orientações das elites, que tanto veneram e imitam.

Uma parte dessa classe média esteve nas ruas defendendo o fora Dilma e principalmente o fora PT. Principalmente o fora PT, porque esse PT tem essa mania metida de valorizar a cultura nacional. Eu odeio isso. Se não foi dito pelo casal que não mora longe, foi dito , certamente por alguém nos dias atuais.

Uma outra parcela se omite, não se compromete, pois acredita que não é de sua conta, e ainda flerta, timidamente, com o afastamento da presidenta, já que suas referências de elite afirmam que a mudança promovida pelo impeachment lançará o Brasil na modernidade. A palavra modernidade proferida pelas elites, cria uma excitação incontrolável nessa parcela da população.

A tal modernidade tem sido exaltada, quase diariamente nesses dias que antecedem o julgamento, por diferentes pessoas da força tarefa golpista.

O ex-presidente Fernando Henrique, semana passada, disse que a modernidade é necessária, já que os governos Lula e Dilma estão implantando no país um Estado de Bem Estar Social, tardio. FHC, utiliza a palavra tardio no sentido de obsoleto, ultrapassado, em comparação com os estados europeus que implantaram essa políticas de segurança social nos anos das décadas de 50, 60 e 70 do século passado, e que, com "a modernidade ultraneoliberal " estão sendo desmantelados.

Mesmo em países europeus, com desigualdades sociais que nem de longe se assemelham ao Brasil, o desmantelamento do estado de bem estar social, tem gerado o aumento da pobreza e mesmo da miséria nesses países.

A "modernidade" que se desenha para o Brasil com o governo do golpe, é sinônimo de genocídio para um povo, algo que a classe média não alcança, não entende, não enxerga, mas que sentirá de forma dramática os efeitos.

Ao contrário da retórica manipuladora e oportunista de FHC, os governos Lula e Dilma agiram de forma correta com a implementação de políticas e programas de segurança social.

Arrisco a dizer que a promoção do equilíbrio social, do equilíbrio ambiental, formas de economia compartilhada e solidária, são , de fato, elementos de um modernidade emergente, que nada tem em comum com a "modernidade" dos mercados em transe, improdutivos, que se pretende, aí, sim, de forma tardia e obsoleta implantar no país através de um golpe de estado grosseiro, violento, produzido por pessoas e grupos sociais supostamente bem educados. Quando nas fronteiras do conhecimento científico os conceitos que emergem falam de equilíbrio, interdependência, sustentabilidade, cooperação, a "modernidade" do golpe ainda se apega a uma dependência estrutural, real, verdadeira, porém superada em todas as dimensões de uma concepção sócio ambiental.

Na era da disputa das narrativas, os golpes são linguísticos, sem tanques nem armas, Como disse um ministro do Supremo Tribunal Federal em uma palestra e amplamente divulgado na mídia:

- crimes a gente encontra, cria se necessário. A partir daí se constrói uma narrativa, julga-se e condena-se quem se deseja condenar.

Sacco e Vanzetti vivenciaram essa farsa. 


Eles moravam longe.

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