terça-feira, 2 de agosto de 2016

Freud explica

Agressão à Letícia Sabatella atinge a democracia pelas costas


Letícia Sabatella, seu nome é democracia. Caberá a todos que amam a democracia e que respeitam o Estado democrático de direito defendê-la.


Leonardo Isaac Yarochewsky

“Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria”

Na noite deste domingo, 31 de julho, a atriz curitibana Letícia Sabatella foi ofendida e agredida em Curitiba. Não, não é um capítulo de novela, também não é um filme ou uma peça de teatro. É a realidade nua e crua. É o autoritarismo e o fascismo assaltando a democracia. O ataque à Letícia é uma afronta a todos nós, nós que defendemos a democracia, a legalidade, os direitos fundamentais, as garantias constitucionais e o Estado democrático de direito. 


Com bem observou Nasser Allan, advogado da atriz, Letícia foi vítima da intolerância e do ódio. A atriz Letícia Sabatella, que se manifestou publicamente contra o impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff, foi ofendida com palavras de baixo calão, além de ser constrangida quando passava próximo aos manifestantes em favor do impedimento de Dilma e em apoio a Operação Lava Jato, conduzida pelo juiz Federal de Curitiba Sérgio Moro.

Lamentavelmente, não tem sido raro pessoas serem agredidas e ofendidas em nome do ódio e da intolerância que alimentam o fascismo. Políticos, artistas e todos que estão comprometidos com a defesa da legalidade democrática e contrários ao golpe parlamentar, independente de partidos políticos, estão sujeitos aos ataques daqueles que não sabem conviver com as diferenças e a democracia.

Como bem disse Rubens Casara - na apresentação do livro da filósofa Márcia Tiburi - “o fascismo possui inegavelmente uma ideologia de negação. Nega-se tudo (as diferenças, as qualidades dos opositores, as conquistas históricas, a luta de classe etc.), principalmente, o conhecimento e, em consequência, o diálogo capaz de superar a ausência do saber. O fascismo é cinza e monótono, enquanto a democracia é multicolorida e em constante movimento. A ideologia fascista, porém, deve ser levada a sério, pois, além de nublar a percepção da realidade, produz efeitos concretos contrários ao projeto constitucional de vida digna para todos”.

A sociedade precisa entender que o ataque do último domingo à cidadã Letícia Sabatella atinge a neófita democracia brasileira. Democracia que tem como objetivo a libertação dos indivíduos das coações do autoritarismo. Democracia material que busca excluir, eliminando definitivamente, as desigualdades econômicas e sociais. A democracia social – material e não apenas formal - que visa estabelecer entre os indivíduos uma igualdade de fato que sua liberdade teórica é importante para assegurar. “Democracia pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade”.

Não é de hoje que a sociedade brasileira está polarizada e dividida. Como bem observa Wilson Ramos Filho, “houve uma bruta, enorme, estupenda politização da sociedade brasileira que passou a discutir política o tempo todo, nos salões de beleza e nas barbearias, nos bares de esquina e nos restaurantes mais sofisticados, nas salas de aula nas escolas públicas e privadas, nas faculdades e em milhares de grupos de Telegram, de WhatsApp, no Facebook, nas listas de e-mail”.

Contudo, o problema não é discutir, quando a discussão é respeitosa, desprovida de ofensas e agressões não há problema. Quando o respeito ao direito do outro e as diferenças não são ameaças, o diálogo é saudável. O problema está no autoritarismo, no ódio, no radicalismo. Como oberva Márcia Tiburi, “o autoritarismo da vida cotidiana é o conjunto de gestos tão fáceis de realizar quanto difíceis de entender. E ainda mais difíceis de conter. Em nossa época, crescem manifestações de preconceito racial, étnico, religioso e sexual, que pensávamos superadas. À direita e à esquerda, a partir de todos os credos, de todas as defesas que deveriam ser as mais justas e generosas”.

Letícia Sabatella, seu nome é democracia. Caberá a todos que amam a democracia e que respeitam o Estado democrático de direito defendê-la, defendê-la como o poeta Vinícius de Moraes manda defender o grande amor – plagiando o poetinha - defendê-la se sagrando cavalheiro e sendo de sua dama (democracia) por inteiro — seja lá como for. Fazendo do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postando-se de fora com uma espada — para viver um grande amor e, para sempre, defender a democracia.

Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal da PUC-Minas


Fonte: CARTA MAIOR
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São chocantes as imagens em que manifestantes pró-golpe hostilizam a atriz.

Chamam a atenção o ódio, a negação, claramente presentes nas expressões dos manifestantes.

Um emaranhado de sentimentos - menores, a bem da verdade - reprimidos por décadas, que , agora, com a proximidade do golpe, explodem em uma irracionalidade animal que por poucas vezes se viu na história da república.

Qual o motivo, ou motivos, que detonam essa catarse irracional, muitos se perguntam e outros tantos tentam entender.

Imagine, caro leitor, se a maioria da população brasileira resolvesse atacar - ao final da ditadura -, de diferentes e agressivas maneiras, os apoiadores da ditadura militar que causaram tanto sofrimento à população brasileira por 21 anos. Certamente, caso acontecesse, não sobraria um só fio de cabelo dos ditadores para ser enterrado. Os ditadores teriam o destino semelhante ao de Jean Baptiste Grenouille, personagem principal de Patrick Suskind no romance O Perfume. Seriam trucidados vivos pelo ódio das pessoas, enquanto que Jean Baptiste teve o mesmo fim, mas pelo perfume de amor que exalava. Ódio e amor estão em um mesmo eixo, em extremidades opostas, e provocam reações por vezes semelhantes nas pessoas.

No entanto nada disso aconteceu. A ditadura militar de 21 anos, que teve amplo apoio das elites e de grande parcela da classe média brasileira, caiu, a maioria do povo festejou a queda e nenhum ditador ou apoiador do regime foi detido, julgado e muito menos preso. De alguma forma, a população pensou;

Amigos presos, amigos sumindo assim, pra nunca mais
Nas recordações retratos de um mal em sí
Melhor é deixar pra trás
Não, não chores mais... não, não chores mais (Bis)


Se agiu de forma certa ou errada ao não punir os criminosos, não é objetivo deste texto.

De certo, e real, é que o povo não teve um comportamento com as elites que apoiaram a ditadura, semelhante ao comportamento que essas mesmas elites tem hoje com um governo do povo e com pessoas que apoiam um projeto popular, nacionalista e democrático.

Chama ainda mais a atenção o fato de que nos governos populares e democráticos do PT todos os segmentos da sociedade brasileira foram beneficiados, assistidos e cresceram, uns mais , outros menos, mas todos cresceram. Foram governos para todos.

Como explicar, então, as manifestações de ódio, em forma de festejos carregados de ressentimentos, pela possível saída do PT do governo depois de pouco mais de 13 anos no governo?

Talvez, e certamente, não exista uma razão única que explique , no entanto alguns aspectos estarão sempre presentes em futuras análises profundas sobre o assunto, quando o tempo propiciar o distanciamento que elimina paixões e supérfluos.

Dentre esses aspectos pétreos estará a valorização da cultura e do conhecimento, marcas indeléveis dos governos populares e democráticos do PT, e que tanto incomodam as elites e parcela de uma classe média inculta, desinformada e, que mesmo com os generosos recursos que dispõem, não desfrutam a felicidade.

As expressões dos manifestantes atacando Letícia, escancaram o ódio pela cultura, pelo conhecimento, pelos saberes populares.

Para essas pessoas o que os governos do PT proporcionaram nos aspectos da cultura e do conhecimento os fere na alma, expõe suas fragilidades,e , assim sendo, a possível queda pelo golpe do governo Dilma detona uma avalanche de ódio, que nada mais é do que uma profunda frustração dessa gente em não ser aquilo que gostariam de ser.

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