segunda-feira, 25 de julho de 2016

Encontros Cariocas - 6 Domingo


Encontros Cariocas - 6   Domingo


Era Apenas mais um Domingo

Era um dia de domingo, como um domingo qualquer, repetitivo, sem novidade, com uma certa atmosfera melancólica comum aos domingos.

O silêncio no prédio onde morava, também indicava que era um dia de domingo. Um prédio de oito andares, um apartamento por andar, tranquilo, com moradores educados, cultos, que mantinham uma excelente convivência. Algo raro, mas real. Morava no primeiro andar.

Na sexta-feira que antecedeu o domingo comum, repetitivo, com atmosfera melancólica, aconteceu uma reunião de condomínio onde todos os moradores participaram. Como sempre acontece nas reuniões , o clima foi excelente, repetitivo, sem novidades, onde o respeito a opinião balizava o encontro. Nada de novo em um condomínio bem administrado, habitado por pessoas cultas, elegantes, e bem educadas. Também, como sempre acontecia ao final das reuniões de condomínio, um clima de descontração tomava conta do lugar, com conversas amenas, sem polêmicas, temas leves, lúdicos e que sempre, como em todas as vezes no repetitivo e previsível condomínio, terminava o encontro falando-se sobre comida, receitas, pratos especiais, onde era permitido um mínimo de indiscrição, como por exemplo referências ao aroma agradável que as cozinhas de alguns apartamentos exalavam por todo o condomínio. Em um momento máximo de indiscrição, que para aquelas pessoas seria uma deselegância impensável, foi dito por um dos presentes que os aromas das cozinhas eram um convite, mais do que um convite, uma sedução dos sentidos, para que pelo menos todos os moradores pudessem se dirigir ao local. Como todos os moradores eram pessoas finas e muito educadas, houve um consenso de que ninguém se importaria caso os demais desejassem conhecer as delícias forjadas em um processo que para todos flertava com a magia, a alquimia dos alimentos. Com esse consenso determinando o final da reunião, todos se retiraram para suas casas, e como sempre acontecia ao final, cumprimentos, sorrisos e votos de felicidade.

Ao chegar em casa, depois de mais uma reunião repetitiva, algo chamou pela minha atenção, já que por morar no primeiro andar e fazer minhas refeições em casa, diariamente, forjando meus alimentos ao fogo, a probabilidade de que meus alimentos fossem os responsáveis pelos comentários, era alta.

Foi então que naquele domingo, igual a todos os domingos, tive um ideia para atiçar os sentidos de meus educados e previsíveis vizinhos. Resolvi que faria, como de fato fiz, um prato que produzisse um forte e irresistível aroma.

Fui ao mercado e fiz as compras para, o que de fato foi, o grande prato do domingo. Uma bela peça de maminha de alcatra, batatas inglesas, sal grosso, brócolis e orégano.

Já em casa temperei lavando a maminha com sal grosso, deixando pedaços de sal envoltos na peça. Em seguida salpiquei bastante orégano, coloquei em bandeja e levei ao forno já aquecido. Em paralelo cozinhei as batatas e o brócolis.

A medida que a carne cozinhava, um aroma intenso de churrasco e orégano impregnava todo o condomínio. Nesse momento, ao me debruçar na área de serviço de minha casa, ouvi um chamado do vizinho do segundo andar, pedindo mil desculpas pela indiscrição e perguntando se aquele cheirinho fantástico e irresistível vinha de minha casa. Disse que sim e o vizinho logo lembrou do consenso da reunião de dois dias atrás, dizendo que convocaria todos os moradores para comparecer, em conjunto, em minha casa para conhecer o prato.

Respondi que ficassem a vontade, que viessem imediatamente e que até mesmo pudessem degustar .

Passados alguns minutos, estavam todos lá, na sala de minha casa.

Preparei o prato em uma grande baixela de porcelana, colocando a peça de maminha ao centro e o brócolis e as batatas em posições opostas, próximo das extremidades. Reguei as batatas e o brócolis com azeite extra virgem.

Levei a baixela para a mesa de jantar, bem próxima de um grande janela que dava vista para a rua. Pedi, educadamente, para que todos se aproximassem da mesa, enquanto fatiava a carne. Era apenas mais um domingo, igual a todos os monótonos domingos, no condomínio repetitivo e previsível da classe média burguesa.

Fatiei a carne e ofereci aos presentes. Como eram pessoas muito educadas, todos disseram que não iriam aceitar, pois estavam apenas ali para conhecer minha cozinha. Já sabia, de antemão, que meus educadíssimos e elegantes vizinhos não estavam ali para fazer uma boquinha, Insisti mais uma vez que aceitassem, mas como previsto e previsível, todos agradeceram e não provaram. Por outro lado, percebi que alguns estavam com suas bocas cheias d'água.

Foi então que comecei a arremessar a carne. as batatas e o brócolis pela janela, jogando na rua e, ao mesmo tempo dizendo para os meus previsíveis vizinhos que fazia aquilo já que ninguém queria comer.

Era apenas mais um domingo.

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