terça-feira, 7 de junho de 2016

Um erro histórico

O grande erro e a grande dor causada pelo neoliberalismo

A melhor maneira de estimular a economia é dar um giro de 180º, acabando com as reformas contraproducentes que foram impostas à população.

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Vicenç Navarro* - Público.es
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Se você lê a imprensa econômica ou as páginas econômicas da imprensa em geral, deve ter visto que em muitos países estão sendo introduzidas práticas bancárias através das quais as instituições financeiras, em vez de pagar juros pelo dinheiro que o cidadão deposita no banco, cobram do mesmo para guardar esse dinheiro. É o que chamam de juros negativos. Você se perguntará: por que o fazem? E a resposta a essa pergunta varia de acordo com o economista que responde. As chamadas “ciências econômicas” não são tão científicas como a maioria da população acredita.

Uma resposta muito frequente é a de que existe hoje no mundo muitíssimo dinheiro. Na verdade, há tanto dinheiro que não se sabe o que fazer com ele. E, para os ricos, é mais seguro ter o dinheiro depositado no banco que debaixo da almofada da sua casa. A resposta tem certa lógica. Mas o que você faria se tivesse muito dinheiro seria, em vez de colocar o dinheiro debaixo da almofada ou num banco? Tentaria utilizá-lo bem, investindo, comprando propriedades que gerassem renda agora ou num futuro a médio ou longo prazo, aumentando o consumo. Isso é precisamente o que a maioria dos economistas também dirá. Já que o maior problema das economias desenvolvidas é a escassa demanda, parece lógico que se tomem medidas para aumentar o consumo. As autoridades públicas tentam fazer com que, no lugar de guardar o dinheiro, as pessoas utilizem esses recursos comprando. É importante, portanto, que os bancos, em vez de forçar a barra com os juros sobre os depósitos, incrementando a poupança.

Essa explicação parece lógica, mas há um grande problema: assumir que não se está conseguindo aumentar o consumo no país – seja porque não há suficiente dinheiro em circulação, o que é não é verdade, mas é difícil de explicar. Em realidade, os bancos centrais, incluindo o BCE (Banco Central Europeu), vem imprimindo mais e mais dinheiro (bilhões de novos euros em circulação. No entanto, a economia permanece estancada. Para dizer a verdade, os bancos já chegaram a entregar empréstimos com juros negativos, durante muito tempo. Se os juros do dinheiro que você deposita no banco são mais baixos que a inflação (que é o que aconteceu durante bastante tempo), você está perdendo dinheiro no depósito bancário.

Por que a política monetária é dramaticamente insuficiente?
 

O grande erro dos talibãs neoliberais está aí. Acreditar que a economia pode se tornar a base da quantidade de dinheiro que há no mercado (que depende, entre outros fatores, da quantidade de dinheiro que o Banco Central imprime, que é o que se chama política monetária) é estar profundamente equivocado. Isso não quer dizer que seja completamente errôneo. Há um elemento de verdade, mas só um elemento, e agora é um elemento muito pouco importante. O que não quer dizer que os bancos não puderam ajudar no estímulo da economia. Mas, hoje, a banca privada não o faz. O Banco Central deveria dar (a juros muito baixos) dinheiro aos Estados (uma quantidade que possa ser regulada), para que os mesmos possam, com esses recursos, apoiar diretamente as famílias e as pequenas e médias empresas. Mas não o fazem, porque preferem fazer tudo através da banca privada, que utiliza a maior parte desse dinheiro para fins especulativos.

Não o fazem, e não é porque os banqueiros sejam pessoas ruins (embora muitos pensem que sim, porque são avarentos e não sempre honestos com seus clientes), mas sim porque a rentabilidade do investimento é muito maior na especulação que no que se chama investimentos produtivos (na produção de bens e serviços). Além disso, não confiam nas pequenas e médias empresas, pois as vê como pouco seguras. Em outras palavras, o problema não é a falta de dinheiro mas sim os canais pelos quais são distribuídos tal dinheiro. Na verdade, as grandes empresas nunca tiveram tanto dinheiro, mas também enfrentam um grande problema: não há onde depositá-lo. Por isso os bancos cobram para guardá-lo.

Qual é o problema, então?

Acreditem, embora você não veja isso na imprensa, o maior problema da economia hoje é a falta de demanda de bens e serviços, porque a população não tem dinheiro para comprá-los. E o fato de não ter dinheiro é porque a maioria consegue sua renda na base do trabalho, ou seja, salários ou outras formas de compensação relacionadas com o trabalho. Aí está o ponto decisivo. As rendas derivadas do trabalho (como porcentagem de todas as rendas) vêm caindo, enquanto as rendas do capital vão crescendo. Esse é um problema gravíssimo, mas silenciado e ocultado pelos meios de comunicação. Se você acha que essa teoria é paranoica, tente mostrar onde se lê sobre isso em artigos ou matérias na televisão. Pode haver uma ou outra exceção, mas elas só vão confirmar a regra.

Essa ausência não significa que os jornalistas sabem a verdade e a ocultam. Isso costuma acontecer, mas não é o mais frequente. Na verdade, o que predomina é mais a ignorância, não a manipulação, mesmo nos meios ditos especializados em economia – embora realmente exista os que funcionam pela regra contrária.

É muito fácil ver o que está ocorrendo. Os cortes nas políticas sociais diminuíram a demanda de uma forma substantiva. Hoje, a escassez de demanda é o maior problema na Zona Euro (especialmente no sul da Europa), e é responsável pelo estancamento econômico e o baixíssimo crescimento econômico. Esse estancamento foi causado, por sua vez, pela queda nos investimentos produtivo (na União Europeia, a baixa foi de 8,4% em investimentos no ano 2000 para 6,8% em 2014, enquanto na Espanha, ainda pior, de 7,5% a 5,7% durante o mesmo período). A diminuição do apoio em áreas como a investigação e o desenvolvimento também é bastante notável. Na verdade, as políticas de reformas trabalhistas impulsadas pelos diferentes governos – tanto o PP (Partido Popular, força de direita da qual faz parte o presidente Mariano Rajoy) quanto o PSOE )(Partidos Socialista Operário da Espanha, de centro-esquerda), e inclusive a nova frente de centro-direita chamada Cidadão aplaudiu essas medidas, que tiveram como consequência a queda no valor real dos salários e o aumento da precariedade, e das políticas de austeridade, com cortes realizados e aplaudidos por tais partidos, que tiveram um impacto muito negativo, causando primeiro a grande recessão, e logo atrasando a recuperação econômica.

A sabedoria convencional está mudando?

Os exemplos mais notáveis de atraso se dão devido ao enorme domínio dos meios de informação por parte de forças conservadoras e neoliberais. Tanto a direção do FMI quanto até mesmo o presidente do BCE indicaram que as políticas monetárias são insuficientes, e que o que parece ser a solução é um pacote de medidas fiscais para estimular a economia mediante medidas fiscais.

O que se entende por medidas fiscais é a redução dos impostos, com o que se consideram que estimulará a economia, o que é verdade, mas só até certo ponto, já que as diminuições de impostos, por regra geral, beneficiam mais as rendas superiores que a maioria da população, e os primeiros já têm tanto dinheiro que o que recebem como isenção ou rebaixa dos impostos se transforma em acúmulo, não em mais consumo, ao contrário do que a maioria da população, que não tem tantas posses e gasta quase toda a ajuda extra que recebe.

Logo, a melhor maneira de estimular a economia é dar um giro de 180º, acabando com as reformas contraproducentes que foram impostas à população. Na verdade, o presidente estadunidense Franklin Roosevelt tirou o seu país da Grande Depressão graças a um incremento enorme do gasto público, através de investimentos públicos bastante necessário ao país, o estabelecimento da Segurança Social e o estímulo à sindicalização, para que se aumentassem os salários. Hoje, isso é o que a Espanha necessita, por exemplo. Infelizmente, nem o PP, nem o PSOE, a frente de centro-direita Cidadãos propõem algo semelhante àquilo. As propostas do PSOE não se distanciam o suficientemente das políticas públicas seguidas por seus antecessores, e isso é parte do problema. Hoje, a principal necessidade é estimular a economia através de um aumento notável dos investimentos públicos nas áreas sociais, energéticas e industriais, criando empregos de qualidade. Um aumento importante dos salários, revertendo as reformas trabalhistas para reforçar os sindicatos, ao invés de debilitá-los. Se a Espanha não faz isso, seguirá o mesmo caminho enfrentado pela Grécia, que terminou aceitando a continuidade das reformas neoliberais. E tal mudança das políticas contra o que se indica nos círculos econômicos e políticos, onde se reproduz a sabedoria convencional. Portugal é um exemplo de onde a coalizão governante de esquerda tratou tais políticas. A Espanha poderia ser outro. Na realidade, os dias da austeridade estão contados, pois existe hoje uma rebelião dos países da Zona Euro (vejamos o que acontece na França). Diante de tais políticas, que prejudicam muito as classes populares. A vitória nas próximas eleições e nas internas pode fazer com que, no dia 26 de junho, uma coalizão de partidos progressistas anti-austeridade, seria um passo muito importante para reverter o austericídio presente. Pensem, portanto, que o seu voto pode determinar que se continue com essas políticas desastrosas ou que alguém seja capaz de confrontar tudo.

* Catedrático de Ciências Políticas e Políticas Públicas pela Universidade Pompeu Fabra, professor de Políticas Públicas da The Johns Hopkins University, ex-catedrático de Economia, da Universidade de Barcelona.
 Tradução: Victor Farinelli

FMI admite que o neoliberalismo é um fracasso

Muitas das descobertas do informe que atinge centro da ideologia neoliberal fazem eco ao que os seus críticos e vítimas vêm criticando há várias décadas.

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Benjamín Dangl* - Bitácora

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Na semana passada, um departamento de investigação do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um informe no qual admite que o neoliberalismo é um fracasso.
 
O informe, cujo título é Neoliberalism: Oversold? (neoliberalismo: méritos exagerados?), é um sinal para que se abra uma esperança sobre a possível morte dessa ideologia.
 
O FMI está atrasado em apenas uns 40 anos. A jornalista canadense Naomi Klein escreveu um irônico comentário sobre o informe em seu twitter: “Então, os multimilionários criados (pelo neoliberalismo) devolverão o dinheiro, não é assim?”.
 
Muitas das descobertas do informe que atinge centro da ideologia neoliberal fazem eco ao que os seus críticos e vítimas vêm criticando há várias décadas.
 
“No lugar de promover o crescimento”, segundo o informe, “as políticas de austeridade impulsadas a partir das ideias neoliberais acabaram somente reduzindo as regulações, para limitar o movimento de capitais, o que, de fato, fez com que e aumentasse a desigualdade”.
 
Essa desigualdade “poderia por si só debilitar o crescimento…”. Portanto, segundo o informe, “os responsáveis políticos deveriam estar muito mais abertos à redistribuição (da riqueza) do que de fato estão”.
 
Entretanto, o informe omite alguns aspectos notáveis da história e do impacto do neoliberalismo.
 
O FMI sugere que o neoliberalismo foi um fracasso, mas que funcionou muito bem para 1% da população mundial, algo que sempre foi o propósito do FMI e do Banco Mundial. Tal como informou a organização Oxfam, em relatório difundido nos primeiros meses deste ano, o 1% mais rico da população mundial possui uma quantidade de riqueza equivalente a de todo o resto da população do planeta (do mesmo modo, a jornalista investigativa Dawn Paley comprovou em seu livro Drug War Capitalism (“A Guerra Capitalista Contra as Drogas”) que a guerra contra as drogas, longe de ser um fracasso, foi um tremendo sucesso para Washington e para as corporações multinacionais).
 
O informe do FMI escolheu o Chile como caso de estudo do neoliberalismo, mas não menciona nem uma só vez o fato de que as políticas econômicas e toda a ideologia neoliberal foram impostas no país durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), respaldada pelos Estados Unidos, uma omissão muito importante dos investigadores, e que não é casual, pois a ligação entre o terrorismo d Estado e a implantação do neoliberalismo na América Latina é um tema bastante conhecido.
 
Em 1977, em sua “Carta Aberta à Junta Militar” da Argentina, o valente jornalista Rodolfo Walsh denunciou a repressão desse regime, uma ditadura que organizou o assassinato e a desaparição de mais de 30 mil pessoas.
 
“Não obstante, esses acontecimentos que comovem a consciência do mundo civilizado, não constituem o maior sofrimento infligido o povo argentino, tampouco a pior violação dos direitos humanos que vocês já cometeram”, escreveu Walsh a respeito da tortura e dos assassinatos. “É na política econômica deste governo onde se percebe não só a explicação dos crimes, mas também uma gigantesca atrocidade que castiga a milhões de seres humanos: a miséria planificada…  Basta dar uma volta de algumas horas pela Grande Buenos Aires para comprovar a rapidez com que essa política transformou a cidade numa favela de dez milhões de pessoas”.
 
Tal como demonstra vividamente a jornalista Noami Klein em sua obra prima Shock Doctrine (“A Doutrina do Choque”), essa “miséria planificada”, formava parte da agenda que o Fundo Monetário Internacional impulsou durante décadas.
 
Um dia depois de Walsh enviar a carta à Junta pelo correio, ele foi capturado pelo regime, assassinado, queimado e teve seu cadáver atirado num rio, tornando-se outra vítima mais entre as milhões que o neoliberalismo já produziu.
 
Benjamin Dangl trabalhou como correspondente na América Latina, cobrindo movimentos sociais no continente por mais de uma década. É autor de livros comoDancing with Dynamite: Social Movements and States in Latin America, e também The Price of Fire: Resource Wars and Social Movements in Bolivia. Atualmente é editor do site UpsideDownWorld.org, sobre ativismo e política na América Latina.
 
Tradução: Victor Farinelli


Fonte: CARTA MAIOR
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