quinta-feira, 23 de junho de 2016

A cultura da violência

Bolsonaro e o pânico nas redes sociais

Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:


Muita gente não se deu conta do impacto da decisão do Supremo Tribunal Federal queaceitou, nesta terça (21), denúncia de incitação ao crime de estupro e transformou o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) em réu em uma ação penal. Bolsonaro havia declarado, no Congresso Nacional, que não estupraria a deputada Maria do Rosário porque ela “não merece'', repetindo o conteúdo em uma entrevista.

Segundo os ministros que avaliaram a denúncia, apresentada pela Procuradoria Geral da República, Bolsonaro não estava respaldado por imunidade parlamentar porque o ocorrido não teve relação com o exercício de seu mandato. Segundo o relator Luiz Fux, a mensagem que ele proferiu significa que há mulheres em posição de merecimento de estupro. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.''

Independentemente do desfecho do caso, essa decisão é emblemática. Os ministros do STF deixaram claro que ninguém pode usar sua liberdade de expressão para atacar os direitos fundamentais de outros grupos e pessoas. Isso é óbvio, mas vinha sendo ignorado de forma sistemática neste clima de polarização política que vivemos.

Bolsonaro é considerado um exemplo por muita gente – incluindo parte significativa da elite brasileira que o prefere como presidente da República em comparação a outros candidatos de acordo com pesquisas eleitorais. E o seu comportamento – de rolo compressor verbal sobre a dignidade de minorias em direitos – tem certamente inspirado muitas pessoas a fazerem o mesmo com a certeza de que nada aconteceria com eles. Até porque nada acontecia com seu líder.

Agora, aterrorizados, muitos de seus seguidores passaram o dia protestando contra a decisão do STF nas redes sociais. Afinal de contas, se “bolsomito'' não é imortal, imbatível e invulnerável, podendo ser punido pela Justiça caso incite violência sem se preocupar com as consequências, o exército digital que o segue (e consegue ser mais violento que seu líder) também pode.

Muita gente na internet confunde opinião com discurso de ódio. É um erro bem comum quando não se está acostumado às regras do debate público de ideias. O anonimato traz aquela sensação quentinha de segurança e, por conta disso, não raro, as pessoas extrapolam. Sentem-se livres de punição pelos seus atos. Afinal de contas, na rede é menos simples (mas não impossível) identificar quem falou ou fez a abobrinha.

Vamos por partes: o direito ao livre exercício de pensamento e o direito à liberdade de expressão são garantidos pela Constituição e pelos tratados internacionais que o país assinou. Vale explicar, contudo, para quem não é familiarizado com leis e normas, que a liberdade de expressão não é um direito fundamental absoluto. Porque não há direitos fundamentais absolutos. Nem o direito à vida é. Prova disso é o direito à legítima defesa.

Pois a partir do momento em que alguém abusa de sua liberdade de expressão, indo além de expor a sua opinião, espalhando o ódio e incitando à violência, isso pode trazer consequências mais graves à vida de outras pessoas.

Pessoas como Bolsonaro dizem que não incitam a violência. Sabemos que não é a mão delas que segura a faca ou o revólver, mas é a sobreposição de seus discursos ao longo do tempo que distorce o mundo e torna banais o ato de esfaquear, atirar e atacar. Ou, melhor dizendo, “necessários'', quase um pedido do céu. São pessoas como ele que cozinham lentamente a intolerância, que depois será consumida pelos malucos que fazem o serviço sujo.

A liberdade de expressão, contudo, não admite censura prévia. Ou seja, apesar de alguns juízes não entenderem isso e darem sentenças aqui e ali para calar de antemão biografias, reportagens, propagandas, movimentos sociais, a lei garante que as pessoas não sejam proibidas de dizer o que pensam. E foi isso o que aconteceu. Bolsonaro quis falar, Bolsonaro falou.

Entretanto, as pessoas são sim responsáveis pelo impacto que a divulgação de suas opiniões causa. Como foi o caso de dirigir a um grupo específico (mulheres) um sentimento de ódio. E toda pessoa que emitir um discurso de ódio está sujeita a sofrer as consequências: pagar uma indenização, ir para a cadeia, perder o emprego, tornar-se inelegível na próxima eleição. Afinal, o exercício das liberdades pressupõe responsabilidade. Quem não consegue conviver com isso, não deveria nem fazer parte do debate público, recolhendo-se junto com sua raiva e ódio ao seu cantinho.

Por fim, a responsabilidade por uma declaração é diretamente proporcional ao poder de difusão dessa mensagem. Quanto mais pública a figura, mais responsável ela deve ser.

O problema, portanto, não é ter opinião. Muito menos declará-la. E sim como você faz isso. De forma respeitosa ou agressiva? Privilegiando o diálogo de diferentes e buscando uma convivência pacífica, ou conclamando as pessoas para desrespeitar ainda mais aqueles vistos como diferentes por medo ou desconhecimento? Como disse Paulo Freire, todos somos guiados por ideologias. A diferença é se sua ideologia é inclusiva ou excludente.

Vocês acham que as pessoas que ficam indignadas com as declarações de Bolsonaro são uma minúscula minoria da população? Desconfio que não. Uma grande parte acha graça no que ele fala ou mesmo concordou com ele, tal como a plateia riu quando Alexandre Frota contou uma narrativa de violência sexual em um programa de TV.

A decisão do Supremo, portanto, é civilizatória. Não apenas para Bolsonaro, mas para aquilo que encaramos no espelho diariamente.

Fonte: Blog do Miro
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De fato uma decisão importante do STF para preservar o caminho civilizatório.

Entretanto, coincidência significativa ou não, a decisão foi apresentada dias após o conhecimento público sobre o caso bárbaro de estupro coletivo no Rio de Janeiro, onde uma menor foi violentada por mais de trinta homens

A violência contra a mulher e a banalização da cultura do estupro estavam, e ainda estão, por conta do caso do estupro coletivo, em evidência na mídia por ocasião da decisão do STF. Naturalmente, em uma sociedade perplexa e revoltada com o crime contra a menor, uma decisão do STF condenando as declarações do deputado Jair Bolsonaro seria, como de fato aconteceu, bem recebida na sociedade, considerando-se , ainda, o histórico de declarações polêmicas do deputado.

Fica então a dúvida se o STF agiu de fato com a intenção de preservar o caminho civilizatório, ou, apenas, agiu em um momento favorável para colocar o deputado como réu em ação penal.

É sabido que decisões do Judiciário, em muitas ocasiões, seguem a sensibilidade da opinião pública.

De uma forma ou de outra, o STF acerta quando coloca o deputado como réu por crime de incitação a violência.

Disse o ministro relator:

Segundo o relator Luiz Fux, a mensagem que ele proferiu significa que há mulheres em posição de merecimento de estupro. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo.''

De acordo com a declaração do ministro, e analisando a cultura da violência existente e crescente no país, diferentes formas de violência também são atitudes conscientes de intimidação, em que as pessoas, independente de gênero, são mantidas em estado de medo sofrendo ameaças constantes.

Tudo isso se passa diariamente principalmente nas redes sociais, onde opiniões sobre política, por exemplo, são alvo de ataques e de ameaças por grupos que divergem das opiniões. Também é fato que a maioria das ameaças e intimidações acontecem com pessoas que não tem visibilidade midiática, pública, mas que nem por isso não deixam de merecer a proteção da Justiça contra as intimidações.

Também é sabido que as redes sociais abriram um canal para a expressão de ideias e opiniões, e que um suposto anonimato proporcionado pelas redes sociais potencializa todo tipo de comentário, campanha, sem qualquer tipo de filtro - normalmente presente nas relações interpessoais do mundo real, não virtual - e, desta forma, contribuindo, tijolo a tijolo, na construção de comportamentos que passam a acontecer, também, no mundo real, mundo onde os olhares se cruzam e onde existe o toque físico.

Considere ainda que o protagonismo da internete e de suas redes sociais atingiu uma dimensão tal, que os assuntos na rede, não apenas os virais , passam a ser noticiados pelos grandes meios de comunicação, principalmente as emissoras de tevê privadas, em um processo de retroalimentação de todas as formas de violência.

Assim sendo, uma declaração do ator Alexandre Frota em programa de emissora de tevê aberta, sobre uma violência sexual que teria praticado, passa a ser visto como algo banal, natural.

Na mesma linha de compreensão, certa ocasião o atual senador Romário, na época apenas jogador de futebol, foi abordado por um repórter de uma emissora de tevê aberta sobre seu conhecimento e relacionamento com um chefe do tráfico de drogas da comunidade da Rocinha no Rio de Janeiro, que atendia pelo pseudônimo de Bem te vi. Romário esboçou um sorriso diante da abordagem e disse que de fato conhecia o traficante. Na ocasião, e isso não tem muito tempo, o conhecimento e mesmo algum tipo de relacionamento com o "traficante da moda" garantia algum tipo de status para as pessoas no nosso belo quadro social.

A construção desses símbolos com consequente banalização, passa, necessariamente, pelos grandes meios de comunicação de massa, que alimenta e se alimenta das redes sociais, em um processo que precisa ser detido.

A decisão do ministro do STF, midiática ou não, não deixa de ser um passo para a retomada do processo civilizatório, processo este que terá um passo gigantesco com a domesticação dos meios de comunicação através de novas regras para o setor, conforme previsto na constituição cidadã de 1988.


P.S Explicada a asfixia financeira do golpe contra a mídia crítica:        51% se informam sobre política através dela.

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