terça-feira, 7 de junho de 2016

Brasil recatado

As “belas, recatadas e do lar” da história do cinema
2016-04-20 12:36:09


Sylvia Kristel. Maria Schneider. Marilyn Monroe. Victoria Abril. Dezenas de mulheres em filmes de Fellini, musas de Almodóvar. Uma história da tradicional família mundial

Por Alceu Luís Castilho (@alceucastilho)

Sou suspeito. Como fã de cinema italiano, diria que nenhum cineasta terá retratado tão bem as mulheres “belas, recatadas e do lar” como Federico Fellini. (A expressão foi consagrada pela revista Veja de uma forma que se propunha a ser séria, ao falar de Marcela Temer, mas foi ironicamente revertida em seu sentido original pelos internautas. A enumeração, por sinal, remete a um clássico do cinema italiano, os “Feios, Sujos e Malvados” de Ettore Scola.)
O vídeo acima exibe Saraghina, a personagem de Eddra Gale dançando rumba em um dos filmes mais importantes do cinema, o “Oito e Meio” de Fellini. Mas o cineasta – que se fartaria de fazer caricaturas no Congresso brasileiro – apresenta também Volpina (Josiane Tanzilli) e a a moça da tabacaria (Maria Antonietta Beluzzi) em “Amarcord”, ou um verdadeiro desfile de recatadas em “Cidade das Mulheres”. (Fellini estava à frente do seu tempo, ao eleger uma prostituta como protagonista nos anos 50, em “Noites de Cabíria”.)
O cinema italiano valeria uma coletânea específica. Por exemplo, com Ornella Muti em certos filmes de Marco Ferreri. Com Sophia Loren, talvez em “Um Dia Muito Especial”, de Scola. (Nesse caso, de fato recatadíssima. Ma non troppo.) Mais recentemente com a espanhola Penélope Cruz no “Não se Mova”, de Sergio Castellitto. Com Bernardo Bertolucci escandalizando em “Último Tango em Paris”. Ou, mais precisamente, a francesa Maria Schneider:
Mas vou me conter. E migrar para o cinema francês, ali do lado. Bom, quem seria mais bela (e recatada) que a holandesa Sylvia Kristel? Lembro-me da música de Pierre Bachelet para a série que marcou época, em um clima que só podia ser explicado pela revolução dos costumes do Maio de 1968: “Melodia de amor que cantava o coração de Emmanuelle…”
Mas antes de exemplos mais explícitos temos toda a tradição das femme fatale. (Presentes também nos quadrinhos. Valentina. Elektra. Mulher-Gato.) Da França aos Estados Unidos. Brigitte Bardot. Catherine Deneuve. Lana Turner. Bo Derek.
Cinema americano. Bom, são tantas. Quem melhor sintetizaria a condição de bela e recatada mulher do lar? Rita Hayworth? “Nunca houve uma mulher como Gilda”. Marilyn Monroe? Mas vou ser mais contemporâneo – ou quase – e homenagear Thelma e Louise (Susan Sarandon e Genna Davis). Pelo, digamos, puritanismo:
Ok, ok. Vocês venceram. Não dá para fazer uma coletânea como esta sem uma imagem de Norma Jeane Mortenson (1926-1962). Marilyn, Marilyn:
E como esquecer de Lena Olin em “Insustentável Leveza do Ser”? (Passa-se na Tchecolosváquia, mas o filme é americano, com Daniel Day-Lewis e a francesa Juliette Binoche. Uma mulher de sorte.)
Cinema espanhol. Pedro Almodóvar tinha características de extrema discrição, como sabemos. Com personagens particularmente contidos, prontos para algum cerimonial no Palácio do Planalto. Aqui, Victoria Abril em “Ata-me”:
victoriaabril
Finalmente, o cinema brasileiro. De Virgínia Lane a Sonia Braga, de Norma Bengell a Leila Diniz. Mas aqui não tem para ninguém, não é mesmo? Relembremos da dama das damas, a grande vedete Dolores Gonçalves Costa (1907-2008). Também conhecida como Dercy Gonçalves:
Observo que não coloquei datas nos filmes. Ah, mas quem precisa de datas? Essas mulheres serão sempre eternas, eternamente caseiras, belas e recatadas. Merecem capas toda semana nas revistas de todo o Brasil.
(Abaixo podemos ver Volpina, a discreta personagem de Fellini em “Amarcord”. No fim do vídeo podemos ver um poeta em ação. Como Michel Temer e a revista Veja, um poeta!)



Os nomes da rosa
2016-02-23 16:27:23

Por Camilo Vannuchi

Na primeira vez que tentei ler "O Nome da Rosa", desisti na primeira página. Bastaram seis ou sete palavras em latim para que eu deixasse o livro de lado. Devo ter lido umas três vezes o primeiro parágrafo, duas vezes o segundo, e mesmo assim nada fazia sentido. Eu tinha provavelmente 11 ou 12 anos na ocasião.

- É um livro sobre igreja - concluí.

Uma coisa me intrigava. Não havia fotos nem ilustrações. Mas uma página exibia um esquema da incorporação do mosteiro, uma espécie de planta baixa, com suas galerias, entradas e saídas, as torres e a biblioteca. Demorei-me um pouco mais naquele desenho. Alguém me explicou, não sei se meu pai ou minha mãe, que o livro narrava uma série de mortes de religiosos, e que a ilustração ajudava o leitor a localizar cada um dos crimes, acompanhando a investigação conduzida por um frade de fora, em visita ao local. Fã de Conan Doyle e Agatha Christie aos 12 anos, entusiasmado com os assassinatos em série narrados em "O Caso dos Dez Negrinhos", que mais tarde seria rebatizado no Brasil, entendi que "O Nome da Rosa" contaria a mais impressionante investigação da qual eu já tomara conhecimento.

- É um livro de detetive - percebi.

Nos anos que se seguiram, eu ainda não me sentia à vontade para enfrentar o latim e as digressões sobre filosofia e religião que suas centenas de páginas encerravam. Mas vi o filme. Mais de uma vez. Ali, o Poirot de Umberto Eco era interpretado por um Sean Connery de batina e cucuruto raspado, tão inteligente quanto o texto que o inspirara. A atmosfera noturna do longa, o clima de desconfiança, o risco iminente, tudo isso conduzia para uma aflição permanente: esse frade vai deixar que todos morram antes de solucionar o mistério?

Da primeira vez que vi o filme, iniciando o Ensino Médio, ficou a lembrança do sexo escondido, cheio de culpa, feito às pressas pelo jovem noviço com uma sedutora garota que, anônima, representava tudo aquilo que um aspirante deveria evitar: o desejo, a liberdade, os hábitos profanos, a hipótese de bruxaria. O rapaz, narrador do filme, lamentava, depois de velho, jamais ter conhecido seu nome.

- É um livro sobre a paixão - decidi.

Na segunda vez que vi o filme, pouco depois, talvez aos 17, foi o aspecto político que eclodiu. Inquisição, censura, intrigas, poder, disputas e, principalmente, hipocrisia. Religiosos anunciavam o Evangelho e, nos bastidores, abraçavam o capeta. Quem ardia na fogueira? O mais fraco, é óbvio. O feio, o tonto, o pobre, o grotesco, os desajustados. A puta. A bruxa. Ou seja: a mulher. Difícil a tarefa de investigar o que não deve nunca ser investigado, denunciar o que ninguém jamais deveria saber. Difícil a tarefa de cortar a própria carne, dar os anéis para preservar os dedos, punir os membros podres de uma igreja decrépita para preservar a instituição e ajudá-la a renascer melhor, mais limpa. Um enredo que diz muito sobre a política brasileira de 2016.
- É um livro sobre resistência.
Quando finalmente li "O Nome da Rosa", aos 20 e poucos anos, aflorou diante dos meus olhos o mais fascinante dos segredos sobre aquele livro tão comentado, algo que o filme jamais conseguiu mostrar de forma clara, e que tornava ainda mais mágica a obra daquele monstro sagrado da literatura e da semiologia chamado Umberto Eco. Tudo ali, as mortes, a investigação, a censura, as disputas, o sexo, girava em torno de um tesouro supremo, que a tudo une e a tudo atribui significado. O conhecimento. Precisamente, na alegoria de Eco, o conhecimento sobre a alegria, algo há muito sonegado das gentes, difamado como algo pequeno, menor, talvez como pecado. A alegria que em tudo deveria permanecer como regra e norte, costurando como laço o sagrado e o profano.

- "O Nome da Rosa" é um livro sobre o riso.

Fonte: NOVA ERA
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A beleza da "Juventude" e a corja do 17 de abril

"O futuro é uma grande oportunidade de liberdade e a liberdade é uma grande oportunidade da juventude"
publicado 07/06/2016
juventude
Caine rege uma orquestra imaginária de vacas!
Conversa Afiada reproduz do site "Uma coisa e outra" inspirada crítica de Léa Maria ao filme "Youth" de Sorrentino:


Beleza na tela e a imundície em Brasília

Filme A  Juventude

Léa Maria Aarão Reis*
Enganam-se os que pensam que, neste momento sombrio do Brasil, viver e respirar unicamente os desdobramentos da política doente de Brasília – e como corolário, a resistência ao golpe – é fato imperativo absoluto. Janelas de cultura e da arte, com ar fresco e saudável, podem fazer, mais do que nunca, a vida suportável para a nossa renitência.

Farta do deboche que os golpistas fizeram com o meu voto, e enojada com o que ocorre no congresso, nos tribunais, no MP e na velha mídia; cansada de ver o grotesco nos homens dos ternos com cheiro de mofo e nas mulheres  travestidas de peruas,  - “aquela corja que se exibiu para o Brasil e para o mundo no dia 17 de abril” como diz  Emir Sader. E também no Senado.

Farta de ver os esgares ensaiados, sorrisos irônicos debochados e cabelos pintados acintosos ou implantados em calvícies irreversíveis; cochichos protegidos pelas mãos que escondem de nós, cidadãos eleitores, a verdade do que realmente dizem e pensam (e não querem que saibamos).

Cansada da agressão das gravatas caras e horrendas; as roupas ensebadas retiradas dos armários onde aguardaram, com naftalina, um novo uso, desde 1964; e dos olhares fugidios de golpistas, das gomalinas dos “traidores e os desleais” denunciados pela presidente eleita Dilma Rousseff.

Farta das imagens da desavergonhada máfia nacional oligárquica - arrogante, pretensiosa e inculta -, que tomou de assalto o poder; e  intoxicada pela enxurrada diária do noticiário vendido que não cessa de surpreender e deprimir através de “artes e manhas” malévolas; por todo o lixo que estamos constrangidos a consumir no atual ambiente de cupidez e falta de vergonha, é com esforço libertarmo-nos do labirinto sinistro em que se transformou a vida política nacional e mergulhar na pura beleza da arte do cinema.

O filme do italiano Paolo Sorrentino, A Juventude (Youth), é um dos melhores que assistimos, no período de um ano. Uma reconciliação com a vida através da sua beleza.

Está há mais de um mês em cartaz nos cinemas do Rio e de São Paulo, e é outro sucesso do roteirista e diretor napolitano, autor de A grande beleza, com o qual ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2014, o Globo de Ouro de então, e o Bafta de melhor filme em língua estrangeira. Em ambos, o mesmo tema: a brevidade da vida e o exorcismo do medo da morte.

Sorrentino, 46 anos, é da nova geração européia que areja e renova o cinema. Há 20 anos abandonou seus estudos de Economia para fazer filmes. Dirigiu, aliás, um estranho e excelente filme, nos Estados Unidos, com Sean Penn como um roqueiro recluso que persegue um nazista depois da morte do pai, intitulado Aqui é o Meu Lugar, (2012), aqui exibido discretamente. David Byrne canta, nesse pequeno e belo filme com uma trilha musical impecável. Imperdível.

Discípulo de Fellini, com controle firme de uma linguagem extrovertida cinematográfica, e mestre da caricatura e da crítica, o italiano utiliza estruturas de narrativa semelhantes à do maior-de-todos, no seu La grande belezza e, agora, em A Juventude: diálogos curtos e ferinos –  no melhor estilo cortante da inteligência italiana - entrelaçados a clipes de imensa beleza plástica e povoados com personagens simbólicos na sua super- dimensão - tipos arrivistas, fúteis e ridículos da alta e média burguesia. A elegância das câmeras de Sorrentino continua suprema: elas vão e vêm em todas as direções.

Com este  Youth ele contrapõe à histeria das grandes festas e às manobras e intrigas da falsa beleza, do filme anterior, a placidez e despreocupação dos velhos ricos instalados na paz um pouco modorrenta dos privilegiados, mergulhados na água de piscinas medicinais e absolutamente silenciosas – e no esplendor da verdadeira beleza; a da natureza.

Fred Ballinger (o formidável ator britânico Michael Caine fazendo um personagem inspirado no célebre maestro Ricardo Muti, também napolitano como Sorrentino), Mick Boyle (grande ator americano Harvey Keitel, um pouco calcado nos cineastas Sidney Lumet e William Friedkin) e Brenda Morel (uma Jane Fonda irreconhecível, numa ponta forte, fazendo uma bruxa, uma ex-super estrela ressentida que vem atormentar o amigo), os três representam o mito dos artistas que passam. Em contraponto, a juventude de meia dúzia de personagens secundários se interpõe na reta final das existências desses ícones.

Fred, célebre diretor de orquestra e compositor aposentado não deseja voltar a pisar nos palcos após a morte da mulher. Mick, cineasta em crise criativa, tenta concluir um roteiro para o que seria seu último filme. E há Brenda (Fonda), que o abandona pelas séries de televisão que pagam mais que o cinema.

Além dos veteranos, aparecem Lena (Rachel Weisz), filha e ajudante de Fred, e Jimmy Tree (o brilhante ator Paul Dano), outro hóspede do hotel/spa, nos Alpes, no qual Fred e Mick passam as férias todos os anos. O cenário é idílico e, lá, o tempo parece congelado. No filme, ambientado no antigo sanatório para tuberculosos de Davos, na Suíça, no qual Thomas Mann escreveu sua obra-prima A Montanha Mágica, Sorrentino faz uma pequena menção a Maradona através de um personagem hospedado no mesmo local.

Uma das mais belas pequenas sequências do filme é a do velho maestro regendo, no silêncio profundo do ambiente, uma orquestra imaginária composta pelas vacas das imediações. Com sua particular visão estética do cinema, Sorrentino une, novamente, música e imagens, produz um magnífico balé visual e, a partir da velhice e da decadência, presta homenagem à juventude.

Para ele, o filme é "otimista e uma excelente oportunidade para exorcizar o medo da passagem do tempo, do envelhecimento, da morte física e mental.” Na entrevista coletiva após a exibição do filme para a imprensa ele comentou: "O futuro é uma grande oportunidade de liberdade e a liberdade é uma grande oportunidade da juventude.

Um dos recados do filme é este: a beleza da liberdade não é ser livre para fazer o que quiser, mas estar consciente reconhecendo a possibilidade de liberdade.

Lembra o que Flavio Dino, o governador do Maranhão disse, diante da violência do assalto ao poder político, no Brasil: a razão e a lucidez são instrumentos decisivos para derrotar o golpe parlamentar e recobrar a liberdade.

E, por que não?  A arte  e a beleza também, como estamos vendo nas ocupações dos jovens através de todo o país.

*Jornalista
Fonte: CONVERSA AFIADA
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