sábado, 7 de maio de 2016

Autores citados em relatório do impeachment afirmam que processo é inconstitucional


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(Foto: Jornalistas Livres).
Ai, essa doeu.
O golpe desceu mais um degrau da desmoralização.
Se houvesse imprensa no Brasil, a contestação dos juristas citados no relatório do impeachment constariam em manchetes garrafais.
Na atual conjuntura, porém, em que a própria imprensa é parte do golpe, apenas as opiniões de Janaína Paschoal, a satânica, valem a primeira página.
O UOL deu um resumo envergonhado, escondido em meio a outras notas.
A título da nota publicada pelo UOL, porém, é de uma suavidade à beira da mentira, porque os autores citados por Anastasia não apenas "criticam relatório pelo impeachment", eles afirmam, categoricamente, ao final do artigo, à guisa de conclusão, "que o impeachment está sendo usado de forma inconstitucional".
Em outras palavras, é golpe!
No mundinho encantado da mídia, porém, a denúncia de golpe é um delírio do governo, de petistas e de radicais da internet, não importa se milhões de brasileiros vão às ruas fazer a mesma denúncia, se milhares de juristas, intelectuais, acadêmicos, assinam manifestos, se ocorrem centenas de debates Brasil à fora para denunciar o golpe, se movimentos sociais vem se articulando com muita força para fazer frente ao fascismo político que espreita, animado, debaixo da saia do impeachment.
***
No UOL.
Autores citados por Anastasia criticam relatório pelo impeachment
Os três autores de um artigo citado pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) em seu parecer pela admissibilidade da denúncia de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff publicaram nota nesta sexta (6) para criticar a interpretação feita pelo tucano em seu relatório. Para Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Bahia, a citação feita por Anastasia de texto do trio publicado em "Comentários à Constituição do Brasil" sobre o artigo 85, que define crimes de responsabilidade, "não considera de modo adequado a integridade do texto, nem do trecho referido". Segundo os autores, Anastasia os cita "para tirar uma conclusão com a qual não concordamos, pois o fato de o elenco do art. 85 ser exemplificativo não significa que esteja afastada a exigência de previsão legal taxativa dos crimes de responsabilidade" -- no caso, a lei 1.079/50, que tipifica os crimes de responsabilidade. "A estratégia do Relatório Anastasia é a de se admitir que não há a tipificação taxativa dos crimes de responsabilidade, mas que isso 'não é um problema', pois que 'o tipo seria aberto' e, então, poder-se-ia a ele aderir legislações e capitulações que lhe são estranhas, como a responsabilidade fiscal ou qualquer outra. Ora, se há previsão de hipóteses de 'crime de responsabilidade' e 'crime comum' de Presidente da República, a serem apreciados em processos diferentes, é justamente porque há crimes, ainda que diferentes", criticam os acadêmicos. Streck, Oliveira e Bahia terminam a nota, divulgada no site Empório do Direito, dizendo que o impeachment está sendo usado de forma inconstitucional sob a "vontade de uma maioria tardiamente formada".
Abaixo, a íntegra do artigo.
Breve Nota Crítica ao Relatório Anastasia: contra a admissibilidade do processo de impeachment por crime de responsabilidade da Presidente da República
Por Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia – 06/05/2016
A citação feita no Relatório Anastasia[1] do texto dos comentários ao art. 85 da Constituição da República que escrevemos[2] não considera de modo adequado a integridade do texto, nem do trecho referido. Para nós, o fato do rol do art. 85 ser exemplificativo reforça ainda mais a exigência prevista no parágrafo único do mesmo artigo da Constituição de que a lei especial e regulamentar tipifique e defina os crimes de forma completa, afastando, portanto, “tipos abertos”, bem como a interpretação extensiva ou por analogia – o que não é possível por se tratar de crime. Indicamos, portanto, a leitura do trecho dos Comentários à Constituição do Brasil:
“Para os crimes de responsabilidade valem os dispositivos constitucionais e sua regulamentação através da Lei 1.079/50.” E, logo em seguida, “O rol previsto no art. 85 é meramente exemplificativo, constando sua definição completa naquela citada norma infraconstitucional”, ou seja, a Lei 1.079/50. Este é o último parágrafo do texto dos comentários ao artigo 85, in Comentários à Constituição do Brasil, p. 1287. Depois de ter explicado, portanto, que a Lei 1.079/50 tipifica os crimes.
O Senador Anastasia, assim, nos cita para tirar uma conclusão com a qual não concordamos, pois o fato de o elenco do art. 85 ser exemplificativo não significa que esteja afastada a exigência de previsão legal taxativa dos crimes de responsabilidade, conforme o parágrafo do mesmo artigo.
Como na Carta aberta a Anastasia que foi encaminhada por professores, estudantes e servidores da Faculdade de Direito da UFMG:
2) A CR/88 dispõe em seu art. 85, parágrafo único, que uma lei especial definirá os crimes de responsabilidade e estabelecerá as normas de processo e julgamento do impeachment. Esta lei, como já afirmado pelo STF no julgamento do caso Collor em sucessivos mandados de segurança (MS 21.564, MS 21.623 e MS 21.68) e agora na ADPF 378 é a Lei 1079/50. Entendemos que em consonância com o devido processo constitucional as hipóteses de crime elencadas pela lei do impeachment devem ser atendidas taxativamente, não cabendo, portanto, interpretações extensivas ou analógicas em respeito às garantias do próprio sistema presidencialista, e do ordenamento jurídico como um todo, em que restrições de direitos devem ser interpretadas de forma taxativa.”[3]
Para a Constituição da República, justamente porque o rol é exemplificativo que a lei especial regulamentará tipificando os crimes, por uma questão de segurança jurídica! Ou seja, cabe à lei especial definir por completo. Como diria Gomes Canotilho, estamos diante de uma vinculação expressa do legislador à Constituição. Sabemos, pois, quais são os crimes de responsabilidade e qual o procedimento de impeachment porque a Constituição estabeleceu os parâmetros no art. 85, incisos e parágrafo, e no art. 86 (também art. 51, I, e art. 52, I), e a Lei 1.079/50 os regulamentou, prevendo, taxativamente e definindo de forma completa, os tipos penais.
Não cabe assim interpretação extensiva e analógica dos crimes completamente definidos pela lei especial prevista no parágrafo do art. 85. O preceito fundamental em questão é mesmo o princípio da reserva legal. Somos, pois, daqueles que concordam com Marcelo Neves[4] e Alexandre Morais da Rosa[5] no sentido de que crime de responsabilidade é crime e se submete à reserva legal, em lei específica, no caso, a lei 1.079/50, no que foi recepcionada[6]. O fato de o rol do art. 85 não ser numerus clausus não afasta, muito antes pelo contrário, a exigência constitucional, prevista no parágrafo único do art. 85, de que a lei especial taxativamente o faça. Ou, como dissemos no texto dos Comentários, defina completamente os crimes. Questão mesmo de segurança jurídica, não há como se falar em “tipos abertos”. Ou seja, o Senador Anastasia termina por tirar conclusões com as que jamais concordaremos.
A estratégia do Relatório Anastasia é a de se admitir que não há a tipificação taxativa dos crimes de responsabilidade, mas que isso “não é um problema”, pois que “o tipo seria aberto” e, então, poder-se-ia a ele aderir legislações e capitulações que lhe são estranhas, como a responsabilidade fiscal ou qualquer outra. Ora, se há previsão de hipóteses de “crime de responsabilidade” e “crime comum” de Presidente da República, a serem apreciados em processos diferentes, é justamente porque há crimes, ainda que diferentes.
Cabe lembrar, ademais, que, embora estejamos numa República democrática em que, com certeza, o Presidente é responsável, o sistema de governo constitucionalmente adotado é o presidencialismo e não o parlamentarismo. Logo, no Brasil, o Presidente da República só pode ser impedido quando estiver configurado crime, segundo a Constituição e nos estritos termos da legislação a que a própria Constituição se refere.
Nesse sentido, cabe dizer que é perceptível desde o início qual seria a estratégia do relatório. A estratégia de pretender descaracterizar o caráter de crime do crime de responsabilidade para defender a possibilidade de afastar a exigência jurídica de taxatividade dos crimes previstos em lei especial, abrindo espaço para a interpretação extensiva e por analogia, defender uma responsabilidade objetiva, sem dolo, e por atos que a Presidente não cometeu, como bem mostrou Alexandre Morais da Rosa[7], mesmo no caso das chamadas “pedaladas fiscais” (sic) referentes ao Plano Safra, fato atípico posto que não há de se confundir o atraso no repasse dos valores referentes a subvenções sociais com operações de crédito e onde sequer há atos cometidos pela Presidente da República, como bem mostrou, mais uma vez, Ricardo Lodi[8].
O que se faz, ao fim e ao cabo, revela, justamente o que nós, e os demais autores aqui citados, temos dito desde o início: trata-se de uma flagrante inconstitucionalidade que sacrifica o caráter jurídico-político, portanto, constitucional, do instituto do impeachment para reduzi-lo apenas à vontade de uma maioria tardiamente formada.
Notas e Referências:
[1] Ver Relatório, p. 53. Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2016/05/04/veja-aqui-a-integra-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia. “No mesmo sentido, encontramos fartos ensinamentos na doutrina, podendo ser citados, como exemplos, as posições de Lenio Luiz Streck, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Alexandre Bahia (in: Leo Ferreira Leoncy et al., Comentários à Constituição do Brasil, p. 1287); Bernardo Gonçalves Fernandes (Curso de Direito Constitucional, p. 900), Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (Curso de Direito Constitucional, p. 956) e Alexandre de Moraes (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, p. 1263). Como se vê, a doutrina praticamente unânime reafirma que a lista de bens jurídicos protegida pelos tipos do art. 85 da CF é meramente exemplificativa. Nada há de ilícito, portanto, na especificação de um novo tipo pelo legislador ordinário, como ocorreu com o art. 11. Aliás, esse argumento levaria a conclusões absurdas: o legislador, a quem cabe exclusivamente tipificar os crimes, pois se trata de hipótese de reserva legal, não teria o poder de tipificar nenhuma conduta, a não ser as expressamente previstas na Constituição?”
[2] STRECK, Lenio Luiz; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; BAHIA, Alexandre. Comentário ao artigo 85 In: CANOTILHO, JJ Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 1285 a 1287.
[3] Disponível em http://emporiododireito.com.br/professores-estudantes-e-servidores-da-faculdade-de-direito-da-ufmg-escrevem-carta-aberta-ao-senador-anastasia/
[4] Parecer disponível em https://cloudup.com/ig-cUkufb7N
[5] Ver o artigo disponível em http://emporiododireito.com.br/o-erro-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia-pode-anular-o-impeachment-por-alexandre-morais-da-rosa/
[6] Sobre o tema, afirma Lenio Streck: “As regras de interpretação – sobre as quais não existe uma taxonomia – apontam para algumas questões básicas: quando se trata de Direito Penal, não pode haver analogia in malam partem. E quando está em jogo a coisa mais sagrada da democracia – que é a vontade do povo — também não se podem fazer pan-hermeneutismos, a partir de analogias e/ou interpretações extensivas. Parece-me que qualquer interpretação sempre deverá ser indubio pro populo. In dubio pro vontade popular.” (Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-24/lenio-streck-constituicao-impeachment-mandato-anterior). Ver também os diversos artigos publicados em http://emporiododireito.com.br/category/constituicao-e-democracia/ sobre o tema do impeachment, especialmente, o artigo “Golpe Vergonhoso passa na Câmara”, disponível em http://emporiododireito.com.br/golpe-vergonhoso-passa/, bem como a obra BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes; BACHA E SILVA, Diogo; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. O Impeachment e o Supremo Tribunal Federal: História e Teoria Constitucional Brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2016.
[7] Ver o artigo disponível em http://emporiododireito.com.br/o-erro-do-parecer-do-senador-antonio-anastasia-pode-anular-o-impeachment-por-alexandre-morais-da-rosa/.
[8] Ver a manifestação de Ricardo Lodi, assim como a de Geraldo Prado e Marcello Lavenère, disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/videos/2016/05/juristas-dizem-que-dilma-nao-cometeu-crime-de-responsabilidade. Também http://www.conjur.com.br/2015-dez-04/ricardo-lodi-pedaladas-hermeneuticas-pedido-impeachment.
Autores:
Alexandre Gustavo Melo Franco Bahia é Doutor e Mestre em Direito pela UFMG, Professor da UFOP e da IBMEC.
Lenio Luiz Streck é Professor da Unisinos e Unesa, Doutor e Pós-Doutor em Direito, Ex-Procurador de Justiça e Advogado..
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira é Doutor em Direito e Professor associado da Faculdade de Direito da UFMG.
Fonte: O CAFEZINHO
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Por coerência, STF deve anular impeachment

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Ao afirmar que Eduardo Cunha não possui as "condições mínimas" para assumir as responsabilidades como presidente da Câmara de Deputados, o ministro Teori Zavascki reafirmou o óbvio mas ficou devendo a explicação essencial. Entre os mais de 200 milhões de brasileiros, Zavascki era o único legalmente capacitado para impedir que um personagem definido como "delinquente" pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot pudesse seguir no exercício de suas atividades.

Se não pode permanecer a frente da instituição depois de 5 de maio de 2016, um dia igual a tantos outros nestas jornadas estranhas e turbulentas que estamos vivendo depois que a oposição sofreu sua quarta derrota consecutiva em eleições presidenciais, é preciso esclarecer por que Eduardo Cunha teve o direito de permanecer em seu posto até aqui. Foi isso, e apenas isso, que lhe permitiu exercer seus poderes em plenitude em 17 de abril, data em que orquestrou, detalhe por detalhe, minuto a minuto, os passos que conduziram a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Não se tratava, como sabemos todos, de um movimento banal, mas de um passo gravíssimo, capaz de jogar o país numa crise institucional, abrindo um período de retrocesso político e ameaça as liberdades e direitos conquistados após a democratização.

Cunha era réu na Lava Jato, naquele momento. Nessas condições, não tinha isenção nem imparcialidade para seguir em sua atividade. Autoridades sob suspeita, aprende-se nos cursos de Direito, devem ser impedidas de apurar crimes e investigar denúncias. Isso porque lhes falta imparcialidade para dar conta do trabalho. Caso as denuncias sejam confirmadas, seu trabalho deve ser revisto e suas conclusões, anuladas. Se, manda a jurisprudência, a simples acusação de um co-réu deve ser colocada em dúvida e examinada sob cuidados redobrados, imagine-se o tratamento que deve ser dispensado a uma autoridade nesta situação, com plenos poderes de comando e orientação dos trabalhos. Lembra o clássico "Investigação sobre o Cidadão Acima de Qualquer Suspeita."

Protagonista indispensável de um processo que, entre várias personalidades, o Premio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel define como golpe de Estado, cabe perguntar por que Eduardo Cunha foi deixado de mãos livres para agir. Desde 15 dezembro de 2015 ele já se tornara réu na Lava Jato, a partir de denúncia do PGR Rodrigo Janot apresentada ao Supremo Tribunal Federal, numa decisão que foi a evolução natural de uma investigação em profundidade. No processo, foi acusado até de usar os serviços de uma parlamentar amiga para chantagear -- em votação no legislativo -- empresa que não queria pagar propinas que julgava merecidas.

Cunha frequenta as listas de autoridades suspeitas de corrupção no país desde os tempos de PC Farias e Fernando Collor, na década de 1990, mas as principais descobertas de natureza criminal ligadas a Lava Jato foram reveladas há pelo menos um ano. Em abril de 2015, as contas secretas de Cunha e seus familiares no banco Julius Baer, na Suiça, eram bloqueadas. Em julho, o lobista Julio Camargo reabriu a delação premiada apresentada meses antes, na qual Eduardo Cunha não era mencionado, para incluir a acusação de que o presidente da Câmara embolsara uma propina de US$ 5 milhões. Semanas depois, a advogada Beatriz Catta Preta, responsável pela delação de Camargo e de outros oito réus da Lava Jato, denunciou ameaças de violência e deixou o país, exilando-se com a família em Miami.

Em setembro, respondendo a um requerimento apresentado pelo PSOL, o Ministério Público confirmou que havia recebido de seu equivalente na Suiça um conjunto de informações comprometedoras contra Eduardo Cunha. Em 19 de novembro, o relator do caso na Comissão de Ética da Câmara, Fausto Pinato, antigo aliado de Cunha, renunciou a suas funções depois de denunciar que seus familiares haviam sido ameaçados. Em 2 de dezembro -- duas semanas antes da denúncia de Janot -- o Partido dos Trabalhadores decidiu afastar-se de Cunha e, com os votos de 3 deputados, apoiar continuidade das investigações na Comissão de Ética.

"No mesmo dia", lê-se numa reportagem do UOL em de 3 de dezembro, Cunha disse em entrevista que decidira aceitar a denuncia formulada "pelo doutor Helio Bicudo e outros advogados. "

A partir dessa cronologia cabe perguntar por que Teori Zavaski assistiu de camarote aos múltiplos exercícios de Eduardo Cunha para garantir a própria impunidade na Câmara, consumando uma aliança de sobrevivência que incluiu comprar o silêncio do PSDB em troca do impeachment de Dilma Rousseff, entregando a mercadoria 18 dias atrás.

Isso é que é obstrução de justiça, vamos combinar. Para não cair, Cunha tentou derrubou a própria presidente da República. Vai ter indício de "grupo criminoso", como disse Janot, lá na Suíça.

Em minha opinião, os festejos pelo afastamento de Eduardo Cunha podem estar sendo apressados. Ele foi afastado da presidência da Câmara mas conservou o mandato. A cassação deverá ser votada pelos próprios deputados, regra que respeita um mandamento constitucional, o que está correto. A verdade é que ninguém sabe quando isso vai ocorrer - e se vai ocorrer. O vice presidente Waldir Maranhão, subordinado de Cunha desde sempre, irá colocar a degola do padrinho em pauta?

Cunha possui uma máquina de 200 parlamentares, que não lhe devem fidelidade. A maioria deve servidão. A menos que faça um acordo para que possa deixar a cena em situação menos desconfortável do que se imagina, poderá assombrar aliados de hoje, ontem e anteontem, como o verdadeiro homem-bomba de 2016. Classificado como psicopata pela falta de limites na defesa de seus interesses, pode ser transformado na grande ameaça ao acordo que está sendo construído por Michel Temer na confecção do golpe.

É fácil compreender que o destino de Cunha, hoje, se cruza com o destino de Dilma. Ameaçar conduzir o deputado ao cadafalso da Lava Jato é uma forma de agradar uma massa de brasileiros que quer ver a punição da corrupção, mas anda cada vez mais desconfiada de um processo seletivo e dirigido para adversários da velha ordem. Resta saber se essa mesma disposição para punir Cunha irá permanecer após a decisão do Senado sobre Dilma. Ninguém tem o direito de imaginar que os adversários do governo não tem noção de prioridade e costumam perder tempo e energia com aquilo que seres humanos normais chamam de princípios.

O ponto central diz respeito a obra máxima de Cunha, que foi a aprovação do pedido de impeachment. Estamos falando de um delinquente que empregou seus poderes em escala máxima, sem ser atrapalhado por ninguém, para garantir a punição de uma presidente honesta, contra quem não pesa um fiapo de prova.

O placar de 11 a 0 foi a comprovação, por unanimidade, que Eduardo Cunha não tinha a menor condição de presidir a sessão que julgou a presidente. Não foi um debate fácil. Teori só resolveu debater o destino de Cunha depois que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, decidiu pautar o debate sobre uma ação da Rede que questionava se o presidente da Câmara deveria permanecer na linha de sucessão de Cunha, apesar de seu currículo tão carregado. O relator dessa questão seria Marco Aurélio Mello, que poderia ocupar, na tarde de ontem, os holofotes frequentemente monopolizados por Teori. O agravante é que Marco Aurélio tem sido um crítico frequente da Lava Jato, onde se destaca como um defensor permanente de garantias democráticas.

Vamos ler um trecho da sentença de Teori, conhecida de madrugada:

"Os elementos fáticos e jurídicos denunciam que a permanência do requerido, o deputado federal Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada. Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas".

Após quatro meses e meio de silêncio, essas palavras são definitivas. A única forma do STF mostrar-se coerente com elas é debater a anulação da sessão que abriu o processo de impeachment contra a presidente. Parece difícil e, com certeza, em muitos ambientes será considerado escandaloso. Pode dar trabalho e exigir muita discussão. As alternativas são piores, inaceitáveis e vergonhosas. Implicam em fingir que não há um cadáver na sala. Não faz bem a nenhum tribunal do mundo.

Na dúvida, bastar ler mais uma vez este simples parágrafo de Teori para compreender que, nas circunstâncias atuais, trata-se da única alternativa que preserva coerência e dignidade ao Supremo.

Fonte: Blog do Miro
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Se não anular o impeachment, o STF será cúmplice do Cunha
Uma vez que decidiu afastar Cunha, o STF tem agora o dever constitucional de julgar a legitimidade de todos os seus atos praticados enquanto parlamentar

Jeferson Miola


A decisão unânime dos 11 juízes da Suprema Corte pelo afastamento de Eduardo Cunha pôs a nu um fato político e jurídico de enorme transcendência:

“o Deputado Federal Eduardo Cunha, ..., além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada.Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas. Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição, sobretudo a que está manifestada nos princípios de probidade e moralidade que devem governar o comportamento dos agentes políticos” [Relatório do juiz Teori Zavascki].

O relatório aprovado por unanimidade no STF em 5 de maio de 2016 responde ao pedido protocolado pela Procuradoria da República ainda em 15 de dezembro de 2016, e a respeito do qual o juiz Teori Zavascki, mesmo com a consciência de que “Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas” e de que “o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição”; incompreensivelmente demorou 140 dias para decidir pelo afastamento daquele que “conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”.

A contundência do relatório comprova que Cunha em nenhuma hipótese poderia ter continuado no comando da Câmara dos Deputados. Isso somente ocorreu porque o Brasil vive um período de exceção e de anormalidade institucional no qual se ambienta a perpetração de um golpe de Estado de tipo jurídico-midiático-parlamentar.

Cunha, mesmo sendo “um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”, foi preservado no cargo pelo STF e pela oposição ao governo na Câmara por ser peça essencial na viabilização da estratégia golpista. O impeachment foi a principal moeda de troca que Cunha usou para “obstruir a investigação, a colheita de provas, intimidar testemunhas e impedir o regular trâmite das diversas investigações”.

Com esta demora incompreensível, o STF concedeu a um réu de extensa ficha criminal que age como gângster psicopata, a liberdade de ação para promover a fraude doimpeachment sem crime de responsabilidade contra a Presidente Dilma.

A decisão tardia de afastar Cunha é o reconhecimento implícito, por outro lado, de que o próprio STF cometeu o erro gravíssimo de não tê-lo afastado antes e, com isso, tê-lo impedido de atentar contra a Constituição e a ordem jurídica e política.

Uma vez que decidiu afastar Cunha por unanimidade, a Suprema Corte tem agora o dever constitucional de julgar a legitimidade e pertinência de todos os atos praticados quando ele exerceu a função parlamentar sem legalidade, legitimidade, probidade e moralidade. A anulação doimpeachment, neste sentido, é uma conseqüência natural; será uma aberração jurídica, um verdadeiro atentado à Constituição o STF não anular este processo viciado.

O Supremo tem diante de si uma importante oportunidade para reverter a imagem de instituição implicada na engrenagem golpista. É obrigação da Suprema Corte interromper a marcha do golpe de Estado nesses dias que antecedem a consumação da farsa do impeachment no Senado.

Os juízes do STF que descumprirem os mandamentos constitucionais e compactuarem com o golpe, além de cúmplices do Cunha, serão como o próprio Cunha: “um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição” à qual pertencem

Fonte: CARTA MAIOR
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