quinta-feira, 31 de março de 2016

O Pato golpista

O Brasil no epicentro da Guerra Híbrida

160330-patopatinhas
Que são, nos manuais norte-americanos, as ações não-convencionais contra “forças hostis” a Washington. A centralidade do Pré-Sal no impeachment. Como os super-ricos cooptam a velha classe média
Por Pepe Escobar | Tradução: Vinícius Gomes Melo e Inês Castilho
A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, a essa altura, de domínio público. Nem tanto o conceito de Guerra Não-Convencional (UW, na sigla em inglês).
Esse conceito surgiu em 2010, derivado do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais. Eis a citação-chave: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos […] Num futuro próximo, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em inglês)”.
“Potências hostis” são entendidas aqui não apenas no sentido militar; qualquer país que ouse desafiar qualquer fundamento da “ordem” mundial centrada em Washington pode ser rotulado como “hostil” – do Sudão à Argentina.
As ligações perigosas entre as revoluções coloridas e a UW já se transformaram hoje, completamente, em Guerra Híbrida; uma variável deturpada de Flores do Mal. Rrevolução colorida nada mais é que o primeiro estágio daquilo que se tornará a Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada essencialmente como a Teoria do Caos armada – um conceito absoluto queridinho dos militares norte-americanos (“a política é a continuidade da guerra por meios linguísticos”). Meu livro Império do Caos, de 2014, trata essencialmente de rastrear uma miríade de suas ramificações.
Essa bem fundamentada tese tripartite esclarece o objetivo central por trás de uma Guerra Híbrida em larga escala: “destruir projetos conectados transnacionais multipolares por meio de conflitos provocados externamente (étnicos, religiosos, políticos etc.) dentro de um país alvo”.
Os países do BRICS (Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul) – uma sigla/conceito amaldiçoada no eixo Casa Branca-Wall Street – só tinham de ser os primeiros alvos da Guerra Híbrida. Por uma miríade de razões, entre ela: o plano de realizar comércio e negócios em suas próprias moedas, evitando o dólar norte-americano; a criação do banco de desenvolvimento dos BRICS; a declarada intenção de aumentar a integração na Eurásia, simbolizada pela hoje convergente “Rota da Seda”, liderada pela China – Um Cinturão, Uma Estrada (OBOR, na sigla em inglês), na terminologia oficial – e pela União Econômica da Eurásia, liderada pela Rússia (EEU, na sigla em inglês).
Isso implica em que, mais cedo do que tarde, a Guerra Híbrida atingirá a Ásia Central; o Quirguistão, primeiro laboratório para as experiências tipo revolução colorida dos Excepcionalistas, é o candidato ideal.
Tal como é definida, a Guerra Híbrida está muito ativa nas fronteiras ocidentais da Rússia (Ucrânia), mas ainda embrionária em Xinjiang, oeste longínquo da China, que Pequim microgerencia como um gavião. A Guerra Híbrida já está sendo aplicada para evitar o estratagema da construção de um oleoduto crucial, a construção da Fluxo da Turquia. E será também totalmente aplicada para interromper a Rota da Seda nos Bálcãs – vital para a integração comercial da China com a Europa Oriental.
Uma vez que os BRICS são a única e verdadeira força em contraposição ao Excepcionalista, foi necessário desenvolver uma estratégia para cada um de seus principais personagens. O jogo foi pesado contra a Rússia – de sanções à completa demonização, passando por um ataque frontal a sua moeda numa guerra de preços do petróleo e incluindo até mesmo uma (patética) tentativa de iniciar uma revolução colorida nas ruas de Moscou. Para um membro mais fraco dos BRICS, foi preciso utilizar uma estratégia mais sutil, o que nos traz para a complexidade da Guerra Híbrida aplicada para a atual, maciça desestabilização política e econômica do Brasil.
No manual da Guerra Híbrida, a percepção da influência de uma vasta “classe média descomprometida” é essencial para chegar ao sucesso, de forma que esses descomprometidos tornem-se, mais cedo ou mais tarde, contrários a seus líderes políticos. O processo inclui tudo, de “apoio à insurgência” (como na Síria) a “ampliação do descontentamento por meio de propaganda e esforços políticos e psicológicos para desacreditar o governo” (como no Brasil). E conforme cresce a insurreição, cresce também a “intensificação da propaganda; e a preparação psicológica da população para a rebelião.” Esse, em resumo, tem sido o caso brasileiro.
Precisamos do nosso próprio Saddam
Um dos maiores objetivos estratégicos dos Excepcionalistas é em geral ter uma mistura de revolução colorida e Guerra Híbrida. Mas a sociedade civil e vibrante democracia do Brasil era muito sofisticada para métodos pesados tais como sanções ou a “responsabilidade de proteger” (R2P, na sigla em inglês).
Não é à toa que São Paulo tenha se tornado o epicentro da Guerra Híbrida contra o Brasil. Capital do estado mais rico do Brasil e também capital econômico-financeira da América Latina, São Paulo é o nódulo central de uma estrutura de poder interconectada nacional e internacionalmente.
O sistema financeiro global centrado em Wall Street – que domina virtualmente o Ocidente inteiro – não podia simplesmente aceitar a soberania nacional, em sua completa expressão, num ator regional da importância do Brasil.
A “Primavera Brasileira” foi virtualmente invisível, no início, um fenômeno exclusivo das mídias sociais – tal qual a Síria, no começo de 2011.
Foi quando, em junho de 2013, Edward Snowden revelou as famosas práticas de espionagem da NSA. No Brasil, a questão era espionar a Petrobras. E então, num passe de mágica, um juiz regional de primeira instância, Sérgio Moro, com base numa única fonte – um doleiro, operador de câmbio no mercado negro – teve acesso a um grande volume de documentos sobre a Petrobras. Até o momento, a investigação de dois anos da Lava Jato não revelou como eles conseguiram saber tanto sobre o que chamaram de “célula criminosa” que agia dentro da Petrobras.
O importante é que o modus operandi da revolução colorida – a luta contra a corrupção e “em defesa da democracia” – já estava sendo colocada em prática. Aquele era o primeiro passo da Guerra Híbrida.
Como cunhado pelos Excepcionalistas, há “bons” e “maus” terroristas causando estragos em toda a “Siraq”; no Brasil há uma explosão das figuras do corrupto “bom” e do corrupto “ruim”.
O Wikileaks revelou também como os Excepcionalistas duvidaram da capacidade do Brasil de projetar um submarino nuclear – uma questão de segurança nacional. Como a construtora Odebrecht tornava-se global. Como a Petrobras desenvolveu, por conta própria, a tecnologia para explorar depósitos do pré sal – a maior descoberta de petróleo deste jovem século 21, da qual as Grandes Petrolíferas dos EUA foram excluidas por ninguém menos que Lula.
Então, como resultado das revelações de Snowden, a administração Roussef exigiu que todas as agências do governo usassem empresas estatais em seus serviços de tecnologia. Isso poderia significar que as companhias norte-americanas perderiam até US$ 35 bilhões de receita em dois anos, ao ser excluídos de negociar na 7ª maior economia do mundo – como descobriu o grupo de pesquisa Fundação para a Informação, Tecnologia & Inovação (Information Technology & Innovation Foundation).
O futuro acontece agora
A marcha em direção à Guerra Híbrida no Brasil teve pouco a ver com as tendências políticas de direita ou esquerda. Foi basicamente sobre a mobilização de algumas famílias ultra ricas que governam de fato o país; da compra de grandes parcelas do Congresso; do controle dos meios de comunicação; do comportamento de donos de escravos do século 19 (a escravidão ainda permeia todas as relações sociais no Brasil); e de legitimar tudo isso por meio de uma robusta, embora espúria tradição intelectual.
Eles dariam o sinal para a mobilização da classe média. O sociólogo Jesse de Souza identificou uma freudiana “gratificação substitutiva”, fenômeno pelo qual a classe média brasileira – grande parte da qual clama agora pela mudança do regime – imita os poucos ultra ricos, embora seja impiedosamente explorada por eles, através de um monte de impostos e altíssimas taxas de juros.
Os 0,0001% ultra ricos e as classes médias precisavam de um Outro para demonizar – no estilo Excepcionalista. E nada poderia ser mais perfeito para o velho complexo da elite judicial-policial-midiática do que a figura de um Saddam Hussein tropical: o ex-presidente Lula.
“Movimentos” de ultra direita financiados pelos nefastos Irmãos Kock pipocaram repentinamente nas redes sociais e nos protestos de rua. O procurador geral de justiça do Brasil visitou o Império do Caos chefiando uma equipe da Lava Jato para distribuir informações sobre a Petrobras que poderiam sustentar acusações do Ministério da Justiça. A Lava Jato e o – imensamente corrupto – Congresso brasileiro, que irá agora deliberar sobre o possível impeachment da presidente Roussef, revelaram-se uma coisa só.
Àquela altura, os roteiristas estavar seguros de que a infra-estrutura social para a mudança de regime já havia produzido uma massa crítica anti-governo, permitindo assim o pleno florescimento da revolução colorida. O caminho para um golpe soft estava pavimentado – sem ter sequer de recorrer ao mortal terrorismo urbano (como na Ucrânia). O problema era que, se o golpe soft falhasse – como parece ser pelo menos possível, agora – seria muito difícil desencadear um golpe duro, estilo Pinochet, através da UW, contra a administração sitiada de Roussef; ou seja, executando finalmente a Guerra Híbrida Total.
No nível socioeconômico, a Lava Jato seria um “sucesso” total somente se fosse espelhada por um abrandamento das leis brasileiras que regulam a exploração do petróleo, abrindo-a para as Grandes Petrolíferas dos EUA. Paralelamente, todos os investimentos em programas sociais teriam de ser esmagados.
Ao contrário, o que está acontecendo agora é a mobilização progressiva da sociedade civil brasileira contra o cenário de golpe branco/golpe soft/mudança de regime. Atores cruciais da sociedade brasileira estão se posicionando firmemente contra o impeachment da presidente Rousseff, da igreja católica aos evangélicos; professores universitários do primeiro escalão; ao menos 15 governadores estaduais; massas de trabalhadores sindicalizados e trabalhadores da “economia informal”; artistas; intelectuais de destaque; juristas; a grande maioria dos advogados; e por último, mas não menos importante, o “Brasil profundo” que elegeu Rousseff legalmente, com 54,5 milhões de votos.
A disputa não chegará ao fim até que se ouça o canto de algum homem gordo do Supremo Tribunal Federal. Certo é que os acadêmicos brasileiros independentes já estão lançando as bases para pesquisar a Lava Jato não como uma operação anti-corrupção simples e maciça; mas como estudo de caso final da estratégia geopolítica dos Exceptionalistas, aplicada a um ambiente globalizado sofisticado, dominado por tecnologia da informação e redes sociais. Todo o mundo em desenvolvimento deveria ficar inteiramente alerta – e aprender as relevantes lições, já que o Brasil está fadado a ser visto como último caso da Soft Guerra Híbrida
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
__________________________________________________________


Estados Unidos é cúmplice de plano golpista contra Dilma


latuff-obama-13
WhatsApcek
Para o alto representante do Mercosul, a política exterior atual, e toda a política exterior aplicada pelos governos do PT desde 2003, estão em risco
por Darío Pignotti, na Carta Maior
Para o alto representante do Mercosul e ex-deputado federal Doutor Rosinha já é hora de convocar o bloco como forma de frear o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, um processo que ele compara com o que derrubou Fernando Lugo no Paraguai há quatro anos. “A atual conjuntura brasileira deveria ser analisada pelos membros do Mercosul, para se verificar a aplicação das cláusulas democráticas previstas nos protocolos Ushuaia I e Ushuaia II, que garantem a manutenção da ordem democrática nos países”.
No Paraguai, o chefe da conspiração foi o vice-presidente Federico Franco, que após a queda de Lugo assumiu o governo, mas nunca foi membro do Mercosul, que suspendeu o país do bloco, em observância da cláusula democrática. Se a saga paraguaia se repetir no Brasil, quem vier a ocupar o cargo de Rousseff poderia, eventualmente, sofrer as mesmas sanções que foram aplicadas contra o golpista paraguaio Federico Franco, que nunca participou das cúpulas presidenciais do grupo.
Por enquanto, a deposição de Dilma é apenas uma possibilidade, ainda não concretizada. O fato é a crise política que o maior país latino-americano atravessa, e a hipótese de que o Mercosul estabeleça uma rede de sustentação democrática para abortar tentações golpistas. “Há uma data marcada para essa reunião do Mercosul?”, perguntou Carta Maior a Doutor Rosinha: “Isso está sendo conversado neste momento, e eu espero que avance rapidamente, não posso afirmar nada agora, só posso dizer que estamos trabalhando no tema”.
Nesta entrevista com Carta Maior, o ex-parlamentar do PT situa a crise brasileira dentro do quadro de regressão política que domina a região uma década depois do encontro histórico da Cúpula das Américas de Mar del Plata, que significou impedir a implementação da ALCA. O alto representante do Mercosul é cauteloso e diplomático na maioria de suas respostas, exceto quando se refere à “participação dos Estados Unidos nos eventos de desestabilização política contra o governo de Dilma”.

Que grupos de interesse norte-americanos estão envolvidos na desestabilização?
Um deles é o das petroleiras, eles nunca aceitaram que a Petrobras seja o eixo da exploração dos imensos poços da zona do Pré-sal, o que foi estabelecido no novo regime de partilha, sancionado em 2010. Não tenho dúvidas de que esses interesses estão atuando fortemente para tirar a Dilma do governo. Por isso concordo com a análise do professor Luiz Alberto Moniz Bandeira sobre a interferência estadunidense, que existe um plano desestabilizador onde estão envolvidas as grandes petroleiras e também o poder de Wall Street. Não me peça provas porque não as tenho, mas há muitos interesses norte-americanos que foram afetados pelos governos de Lula e de Dilma.

Washington pressiona para enterrar a atual política exterior?
A política exterior atual, e em geral toda a política exterior aplicada pelos governos do PT desde 2003, estão em risco. Por exemplo, os grupos conservadores que estão impulsando os ataques institucionais contra Dilma já avisaram que o Mercosul não está entre suas prioridades, e que retomarão o projeto de indiscriminada abertura neoliberal, nos moldes de velhos acordos, como a Alca (Área de Livre Comércio para as Américas), ainda que não seja mais possível recriar totalmente a Alca, que foi derrotada pelos presidentes Lula, Kirchner e Chávez, junto com outros aliados, em 2005.
Se a direita voltar ao poder, acabará com a politica solidária com Cuba, que sempre foi vista com maus olhos pelos Estados Unidos. Como disse o ex-presidente (uruguaio) José Mujica, em recente visita ao Brasil, os norte-americanos nunca perdoarão os governos do PT e sua aproximação com Cuba. Os Estados Unidos nunca aceitarão de bom grado a construção do Porto de Mariel, com apoio brasileiro. Washington pressiona para uma grande mudança de rumo, frear nossa inserção soberana no mundo. Se a direita chegar ao governo, será obediente nesse sentido, por isso espero que não chegue.


dr_rosinha_2
O ex-deputado federal Doutor Rosinha (PT-PR), no Congresso Nacional

Washington também pressiona por mudanças geopolíticas?
Uma coisa tem a ver com a outra. Se houvesse um novo governo conservador, haveria uma nova diplomacia e uma nova configuração geopolítica. Lembremos que em 2007, quando se anunciou que tínhamos reservas enormes em nosso mar territorial, os norte-americanos reativaram a IV Frota. Em 2013, a presidenta suspendeu uma visita oficial aos Estados Unidos, em repúdio ao fato de que a NSA (Agência Nacional de Segurança estadunidense) roubou documentos da Petrobras.
Para os Estados Unidos, e para os poderosíssimos grupos econômicos estadunidenses, é muito conveniente que a crise política siga crescendo. Para eles, o escândalo do “Petrolão”, é muito favorável, porque isso debilita mais a Petrobras. Eles não se importam com a corrupção ou se os corruptos serão condenados ou não, o que querem é manchar a imagem da Petrobras, prejudicando seu valor de mercado, obrigando-a a diminuir seu plano de investimentos. Não temos nada contra o combate à corrupção. Também se está atacando as empreiteiras brasileiras, que são muito fortes dentro de fora do país, porque há interesses de preparar o mercado brasileiro para em que desembarque das companhias construtoras de fora, permitindo que elas possam realizar obras de infraestrutura em nosso país.

O golpe é irreversível?
Não parece ser algo inevitável. Os movimentos populares, o PT, muitos grupos estão se mobilizando, porque não vão aceitar o rompimento da norma institucional, que se interrompa o governo de uma presidenta legitimamente eleita.

O que significa a presença de Lula no governo, como ministro ou como assessor?
A chegada de Lula ao gabinete é uma grande conquista. Quando falamos de Lula, estamos falando de um líder popular extraordinário, que se comunica melhor que ninguém com as bases, e ao mesmo tempo é alguém com capacidade de diálogo com os dirigentes de todos os partidos. Com Lula, renasce a esperança de que podemos construir novos consensos para superar a crise política. Seu retorno ao governo nos permite ter um gabinete hierarquizado, com uma figura de inquestionável projeção internacional, e isso é importante no atual momento.
E essa figura é Lula, alguém com poder de interlocução com as personalidades internacionais, que tem um grande reconhecimento na América do Sul, o que nos ajudará a trabalhar melhor em nossa região, para convocar as forças democráticas. Porque não tenho nenhuma dúvida de que, se no final deste processo, o golpe vencer, isso prejudicará toda a América Latina, porque o Brasil tem um tamanho e uma importância econômica que contagia os países irmãos. Corremos o risco de que o Brasil termine sendo governado por um salvador da pátria, um oportunista vestido de herói, aclamado por essa parte da sociedade que odeia a política, e que tem sede de vingança contra os governos de esquerda, populares e democráticos do PT.
* Tradução de Victor Farinelli.

Fonte: O CAFEZINHO
__________________________________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário