terça-feira, 15 de março de 2016

A Multidão de Domingos


No grande protesto de ontem, domingo, organizado pelas oposições e principalmente pela velha mídia algo não saiu como esperado.

Os manifestantes, nas diferentes regiões e cidades do país, ostentavam cartazes e entoavam palavras de ordem que rejeitavam todos os políticos, do PT, do PSDB, PMDB e outros. 
Políticos de oposição ao governo, como Aécio Neves, Geraldo Alckmin e Marta Suplicy, foram hostilizados nas ruas durante as manifestações, pois acreditavam que poderiam colher frutos políticos junto aos manifestantes
.
Algo não saiu de acordo com o enredo e o samba atravessou na avenida.

Estima-se que 3,5 milhões de pessoas estiveram nas ruas de cidades do país no domingo, sendo a metade no Estado de São Paulo, maior reduto eleitoral das oposições.

O perfil dos manifestantes era de classe média e alta, predominantemente branca.

Aquilo que a Folha não considerou nas garrafais de ontem: 77%da Paulista era de brancos; 77% com diploma universitário; 79% de eleitores de Aécio
Fonte: CARTA MAIOR

A velha mídia, que estava excitadíssima no domingo, amanheceu na segunda – feira sem o discurso homogêneo dos dias que antecederam as manifestações.

Os principais jornais de São Paulo, a Folha de SP e o Estado de SP, amanheceram com manchetes de fazer inveja aos mais rasteiros e populares tablóides. 
A Folha, com letras garrafais, de cinco litros, noticiava o povo pedindo o fim do governo. 
Já o Estadão, colocou sobre uma foto dos manifestantes na Av. Paulista, a data de ontem, 13/03/2016, também em letras garrafais.

Entende-se a excitação de ambos, são paulistas.

No Rio de Janeiro, o jornal O Globo, artesão principal das manifestações de ontem, trouxe como manchete o povo pedindo o fim de Dilma e Lula e o mesmo povo enaltecendo o juiz Sergio Moro. 

Globo, que não é paulista e não perde tempo, percebeu que os manifestantes, de uma maneira geral, rejeitavam todos os políticos, do governo e das oposições, e logo resolveu insuflar a imagem de Sergio Moro, do Poder Judiciário, o juiz que conduz a operação Lava jato, o novo caçador de marajás que irá acabar com a corrupção no país. Isso no discurso de Globo, claro, caro leitor.

Os demais jornais do Rio e de São Paulo, ficaram no lugar  comum ,destacando o número expressivo de pessoas nas ruas.

No entanto, um jornal do Rio de Janeiro, o Jornal do Brasil, lembrando os velhos tempos do bom JB, foi direto ao ponto e de forma cirúrgica, em artigo, assim se manifestou:

“ Afinal, o que querem os manifestantes rejeitando todos os políticos, enaltecendo o Juiz Moro, pedindo o fim da corrupção, o fim do governo e o fim  do comunismo?


menorideia
Fonte: TIJOLAÇO

E aí se encontra a questão principal para tentar se entender as manifestações de ontem.

De alguma forma, as manifestações de ontem podem ter uma razoável similaridade com as primeiras grandes manifestações de junho de 2013, quando a velha mídia ainda não tinha seqüestrado o movimento. Naquela ocasião as primeiras manifestações revelavam insatisfação com partidos políticos, com os políticos e com o sistema representativo político vigente no país.

O governo Dilma, de alguma, forma entendeu o recado das ruas e juntamente com alguns partidos da base aliada apresentou uma proposta de reforma política, proposta que foi mutilada no Congresso pelos partidos de oposição (mesmo por partidos e políticos da base aliada do governo) e que também foi rejeitada pela velha mídia. Acreditava o governo à época que somente uma profunda reforma política, com ampla participação popular, poderia colocar a corrupção em níveis civilizados. Isto significava, em parte, aprofundar o sistema democrático, propiciando uma maior participação da população nas decisões e na fiscalização da aplicação dos recursos públicos. 
Ainda em sintonia com o desejo das ruas, o Governo Dilma também propôs a criação de Comitês Populares, o que também foi rejeitado pelas oposições e pelo Congresso atual, que como sabe o caro leitor, tem aversão a transferência de poder ao povo e à Democracia com um mínimo viés participativo que seja. 
O tempo passou e não se avançou, em nada, em uma reforma política. Reforma essa que pessoas de notório saber; juristas, políticos, empresários e membros da sociedade, admitem de bom grado, ser necessária para combater a corrupção.

Em suma, das ruas de junho de 2013, pouco ou quase nada se avançou, já que as oposições acreditavam que após os protestos daquele ano, dificilmente Dilma conseguiria ser reeleita no final de 2014, uma vez que os índices de popularidade da presidenta estavam em níveis de governos de Fernando Henrique Cardoso, ou seja, baixíssimos. 
Assim sendo, as oposições barraram no Congresso Nacional as propostas do governo, com argumentos simplórios de que a criação dos Comitês Populares seria uma forma bolivariana de aparelhamento do governo e que a reforma política com participação popular seria um enfraquecimento dos parlamentares. 
O caro leitor entende porque os partidos de oposição e a maioria dos parlamentares não querem saber de ter o povo por perto, opinando, fiscalizando, participando.

Depois de junho de 2013, as manifestações de rua, já seqüestradas em grande parte pela velha mídia, descambaram para a violência e afastaram as pessoas das ruas, e assim perduraram até os primeiros meses de 2014.

As eleições de 2014, como são de conhecimento do leitor, confirmaram a vitória de Dilma, o quarto governo seguido do PT, para desespero das oposições que no segundo turno daquelas eleições tinham como certa a vitória de Aécio Neves, do PSDB.
A derrota de Aécio Neves, por uma margem percentual pequena de votos, até hoje, passados 17 meses do final daquele segundo turno e que teve a imagem do jornalista de O Globo, Merval Pereira, chorando, não foi digerida e muito menos aceita pelas oposições ao governo. 
Tanto é verdade que as oposições, primeiro pediram a recontagem dos votos, depois tentaram; com argumentos sempre frágeis e desejosos de tomar o poder de qualquer maneira, impedir que Dilma tomasse posse.
Dilma foi empossada em um clima de acusações e de tentativas de impedimento, que ocupou o noticiário, diário, nos dois últimos meses de 2014.
Desde então, o primeiro dia de governo em 1° de janeiro de 2015, as oposições usaram como estratégia paralisar o governo, usando e abusando da cumplicidade com a velha mídia, a produção de uma avalanche de crises institucionais, sempre levantando a possibilidade de um impeachment da presidenta.
 
A situação de crise da economia mundial chegou aos países emergentes, e o Brasil foi, e tem sido, duramente atingido, fato que apropriado pelas oposições e pela velha mídia imputou ao governo federal a responsabilidade por tudo de ruim que tem acontecido.

O governo Dilma tem grande parcela de culpa nas medidas tomadas, ou na ausência de tais medidas, para enfrentar a crise econômica, mas não na dimensão que em a velha mídia noticia, ou melhor, martela, diariamente na cabeça da população.

Assim sendo, e com a entrada em cena da Operação Lava jato da Polícia Federal, comandada pelo juiz Sergio Moro que no início da Operação foi agraciado com um prêmio do Grupo Globo como sendo uma pessoa que faz a diferença, criaram-se as condições para aquilo que as oposições chamam de tempestade perfeita. 
E a tempestade não parou desde então.

A medida que as etapas da Lava jato aconteciam com prisões de executivos e empresários de grandes empresas de engenharia, e também de funcionários do alto escalão da Petrobras, a velha mídia, cada vez mais, associava os casos de corrupção no governo com a situação econômica do país, enquanto as oposições manobravam no Congresso Nacional em busca de apoio para dar início a um processo de impeachment da presidenta.

Com altos e baixos para cada lado, essa conjuntura política inicia o ano parlamentar de 2016, aparentemente tranqüilo, mas com os protestos de ontem já agendados com razoável antecedência.
 
A medida que a data de ontem se aproximava, data tão enaltecida hoje nos jornais impressos da velha mídia (a manifestação da ansiedade vivida) casos e escândalos de corrupção possíveis no governo ganhavam mais centímetros, minutos e decibéis no espaço da velha mídia.

O ápice do processo de construção dos protestos de ontem, se deu na semana passada, quando inusitados promotores paulistas, pediram a prisão do ex-presidente Lula, fato que ocupou todo o noticiário. 
Antes, o leitor lembra-se, o juiz Moro movimentou 300 funcionários da polícia federal para conduzir, mesmo a força se necessário fosse, o ex-presidente Lula para depor na Polícia Federal.
Tanto a decisão de Moro, quanto a decisão dos promotores do Ministério Público de São Paulo, foram duramente criticadas por operadores do Direito, juízes, advogados,delegados e mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil, como decisões estapafúrdias que atropelam a Democracia e o Estado de Direito, já que não tinham lastros que as justificassem. 
Na velha mídia, nenhuma critica as decisões dos magistrados, ao contrário, o tom dos noticiários ou era de neutralidade ou de aprovação.

E assim, de forma criteriosa, cuidadosa e extremamente eficaz, oposições e velha mídia construíram os protestos de ontem, e, assim também, nesse clima, as pessoas foram às ruas.

No entanto, algo fugiu ao planejado, já que não se esperava que os políticos de oposição fossem hostilizados durante os protestos.

Assim sendo, voltamos ao questionamento do Jornal do Brasil: 

o que querem os manifestantes?

Talvez eles, os manifestantes, não saibam.

1 – pediram o impeachment de Dilma.
Dilma foi eleita em processo eleitoral democrático, escolhida pela maioria. Concordo que até mesmo muitos eleitores de Dilma não estejam satisfeitos com o segundo governo da presidenta, mas daí querer interromper o mandato de Dilma pode ser diagnosticado como imaturidade democrática, já que os mandatos presidenciais no Brasil são de apenas 4 anos , justamente para que a população possa avaliar o governo, e ao final do mandato confirmar mais quatro anos ou colocar outro grupo político na presidência. Dilma tem, apenas, 2 anos, 9 meses e 17 dias de governo para cumprir o segundo mandato escolhido pela maioria do povo brasileiro.
Não estou gostando e quero trocar é coisa de criança mimada.
Por outro lado o impeachment de um presidente da república, só se justifica em situações de crimes graves cometidos pelo presidente, algo que, até o dia de hoje, não foi apresentado como prova irrefutável contra Dilma. Cabe lembrar que os casos de corrupção no governo que vieram à tona nos governos do PT, só foram possíveis de terem sido descobertos porque o próprio governo viabilizou as investigações, algo que não ocorreu em nenhum outro governo desde 1985, por ocasião da redemocratização do país.
Assim sendo, pedir o impeachment de Dilma ou é coisa de gente mimada, gente desinformada, gente que não respeita o resultado das urnas, gente que não respeita a Democracia. 
Também pode ser um processo de golpe político no Congresso Nacional, ou ainda, setores da sociedade que não toleram a Democracia.

2 – fora Lula, fora PT
O leitor sabe que Lula encerrou seu segundo mandato e saiu do governo em 31 de dezembro de 2010 e que o PT tem sido governo, pois assim deseja a maioria do povo brasileiro.
Lula não pode sair de onde não está, não é, caro leitor ?

3 – rejeição à todos os políticos
Impossível viver sem política e sem políticos em um regime Democrático. Rejeitar a política e os políticos é querer um estado de exceção, uma ditadura. Alguns manifestantes pediam intervenção militar no país. Intervir para que se as instituições estão 
funcionando ?

4 – o fim do comunismo
A queda dos regimes comunistas já é um fato histórico, inclusive ensinado nas escolas. 
O leitor sabe que os regimes comunistas desapareceram, com raríssimas exceções, no final da década de 1980 e início da década de 1990. O Brasil vive em um regime capitalista com total liberdade para a iniciativa privada e com a participação do Estado em setores estratégicos para o país. O país está distante de quaisquer resquícios comunistas como também de um capitalismo de Estado. Cabe lembrar que a participação do Estado, foi fundamental para o desenvolvimento e crescimento dos países mais ricos, como EUA, Inglaterra, França e outros. Mesmo hoje a economia norte americana tem como motor o complexo industrial militar, do Estado. O discurso de Estado mínimo, enxuto, endereçado ao Brasil pelos países ricos não vale para esses países, assim como o mercado totalmente livre.
Os governos do PT optaram no regime capitalista vigente no país por uma social democracia, com um toque nacionalista e regional, com distribuição de renda, redução da pobreza, redução da miséria e construção de redes de segurança social para populações em situação de alto risco, como com a criação dos programas Bolsa Família e Mais Médicos, por exemplo. Também ampliaram oportunidades com os programas de cotas nas universidades. A social democracia dos governos do PT está bem distante do comunismo. 
Ocorre que os setores mais radicais e conservadores da direita capitalista, no Brasil e no mundo, advogam a tese de Estado mínimo, e salve-se quem puder, o darwinismo social. Qualquer país ou governo com um verniz social é taxado de comunista, com amplo apoio da velha mídia. 
Esse conceito, repetido com freqüência pelos grandes meios de comunicação e jornalismo, produz, em parcela da população, cenas de delírio explícito, como as observadas nos protestos de ontem pedindo o fim do comunismo no Brasil.

5 – fim da corrupção
A corrupção não acaba , ou diminui, através de decreto.
A corrupção não é exclusividade de governos ou de políticos do PT.
A corrupção não surgiu e também não cresceu no país durante os governos do PT.
A corrupção tem sido mais combatida, investigada, com punição de pessoas, justamente pelos governos do PT. As notícias freqüentes sobre casos de corrupção no governo tem dois lados; o lado negativo é que a corrupção existe, de várias maneiras, em todas as esferas do governo; o lado positivo é que o governo Dilma resolveu investigar e punir.
A velha mídia dá destaque, apenas, ao lado negativo.
Para acabar ou reduzir drasticamente a corrupção no governo, somente com uma reforma política, conforme citado e explicado anteriormente neste artigo. No entanto, as oposições não querem tal reforma e os manifestantes vão para as ruas pedindo o fim da corrupção. 
Haja incongruência.

6 – Sergio Moro como o novo herói nacional
O comportamento do juiz Sergio Moro na condução da operação Lava jato está em perfeita sintonia com percepções, valores e práticas de uma grande parcela da classe média e de toda a classe endinheirada do país.
As elites e grande parcela da classe média, ao longo de toda a história do Brasil, podem ser consideradas como democráticas, porém, uma Democracia com limites impostos ao povo.
Por possuírem mais recursos materiais, se acham, de alguma forma, melhores e superiores ao conjunto da população, fazendo disso, formas de expressão e de comportamento. 
Isso não é novidade, sempre foi assim na história do país, com mais ou menos autoritarismo em todas as dimensões das relações sociais com o povo.
Esse comportamento das elites e parcela da classe média pode ser evidenciado no triplex de Paraty, uma construção fora da lei mas que é usufruída normalmente e sem problemas por seus proprietários. Pode ser evidenciado nas disputas judiciais, nos delitos cometidos, quase sempre resolvidos de forma favorável aos mais ricos. Também se manifesta no Judiciário, na sonegação de impostos e nas relações interpessoais, onde o mais endinheirado tem mais poder e autoridade sobre os demais.
A parcela da classe média também se comporta dessa maneira, ou seja, tem mais direitos ou pensa que tem,que o grande conjunto da população.
Esses “direitos adicionais e específicos” das elites e parcela da classe média, se manifestam na forma de autoritarismo.
A partir de 1990 com a supremacia das Finanças no mundo, esses “direitos” ficaram mais fortes, e, conseqüentemente, a Democracia ficou mais fragilizada, isso em todo o mundo ocidental.
Assim sendo, o comportamento do juiz Sergio Moro, no âmbito do Poder Judiciário, é uma expressão desses “direitos” das elites e de parcela da classe média. 
Ao atropelar normas, códigos, leis e procedimentos jurídicos, o juiz Moro encontra perfeita sintonia na parcela mais rica da sociedade, tanto que nos protestos de ontem a maioria , nas ruas era de classe média, média e alta, e branca.
Assim sendo, o juiz  Moro é apresentado pela velha mídia como sendo a expressão da moralidade e da ordem, em um contraponto aos políticos e à política.
Nada mais irreal do que pensar assim.
O comportamento do juiz Moro na condução da Lava Jato, tem sido um atentado à Democracia e ao Estado de Direto, e isso juristas e intelectuais de notório saber admitem de bom grado. 
Admitem, ainda, um viés fascista em suas ações.
Já a classe média e as elites, enaltecem o juiz Moro, enaltecem o fascismo, e ainda saem às ruas com as cores verde e amarelo, em uma mensagem de defesa ao Brasil, quando na realidade, um impeachment de Dilma colocará no Poder um grupo político que irá acentuar a precarização dos direitos dos trabalhadores ,a privatização com entrega ao capital estrangeiro de recursos naturais estratégicos ao país, reduzirá os investimentos em políticas e programas sociais para grupos da população em situação de risco e, ainda , contribuirá para aumentar a tensão social nos grandes centros urbanos.
Um “novo” governo, como se refere e deseja o jornalista Merval Pereira em suas crônicas no jornal O Globo, não tem nada de novo e menos ainda de verde e amarelo.  
Mais uma incongruência da multidão de domingos.

Aliás quando povo se organiza e sai às ruas para se manifestar, isso é povo organizado. 
Quando o povo é conduzido às ruas para se manifestar, isso é multidão.
A multidão de domingos é um oceano de incongruências, sem rumo, daí a pergunta do Jornal do Brasil

“ O que querem os manifestantes “?

É provável que os manifestantes não saibam, mas os grupos políticos que organizam e, de alguma forma, colocam os manifestantes nas ruas, sabem perfeitamente o que esperam alcançar. 
Esses grupos desejam dar um golpe de estado, retirando do poder, com um véu de legalidade, um governo eleito de forma democrática pela maioria do povo brasileiro.
Para tanto, usando seus”direitos adicionais” ,interditam todo e qualquer debate civilizado, incitando na população um comportamento de bate boca, de negação prévia do outro, que tem por objetivo favorecer as práticas de atropelo da Democracia.

No entanto, em tempos de internete, os questionamentos acontecem, alguns com densidade e de forma cirúrgica, a ponto de os endinheirados partirem para ameaças da lei para sites e blogs.

Os estudantes não estão vestidos a caráter, mas são pessoas de caráter ( Hélio Pelegrino )

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