quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Terrorismo de Mercado

Existe diferença entre um terrorista e um criminoso comum?

Bush e Blair foram responsáveis por mais mortes do que o Estado Islâmico e o governo Assad juntos. Bush e Blair seriam classificados como mega terroristas?


Por Robert Fisk *
wikimedia commons
Investigadores policiais e jornalistas têm muito em comum. Ambos estudamos as fraquezas humanas. Temos uma relação parasitária. E suponho ser somente natural que caiamos no esquemático com respeito ao crime.

Nos últimos anos, eu descobri que existe o crime puro e simples (ou crime gangster, ou de estudantes com loucura de gatilho, ou antiabortista, ou de esquadrões da máfia), e o “crime terrorista”, para o qual as partes devem ser qualificadas por ter uma raiva política, por serem aderentes a uma corrente religiosa – inspirados em forma direta ou de algum outro modo – e serem membros regulares, malignos, messiânicos, sádicos, doentes, medievais, de uma “cultura da morte”. Entre estes últimos, é preciso dizer, estão os “radicais cultivados em sua pátria” que assassinam pessoas de qualquer religião devido às aventuras do Ocidente no Oriente Médio.

Na verdade, isso significa que o crime “ordinário” – o assassinato em massa de ocidentais cometido por outros ocidentais, por dinheiro, cobiça, vingança pessoal, desejo de matar pessoas ou algum motivo relacionado com as drogas – é tratado como algo normal. Mas o crime “relacionado com o terrorismo” quase sempre indica que se está responsabilizando os muçulmanos. Em outras palavras, os criminosos são amigos nossos, enquanto os terroristas são muçulmanos de pele escura, que odeiam nossos valores, querem cortar nossas cabeças e, obviamente, estão loucos.

Já vimos o quanto essa bobagem é insustentável depois da matança de 14 estadunidenses inocentes na Califórnia. No começo, os policiais do país disseram não saber se era um crime “relacionado com o terrorismo”, o chamaram de “tiroteio massivo”. Em vários canais, foi dito que os assassinatos foram o resultado de uma disputa, que o homem que apertou o gatilho estava furioso, supostamente devido aos insultos de uma das 14 vítimas. Mas logo se viu que ele tinha nome muçulmano, e que, junto com sua esposa, possuía um arsenal em casa, e ao que parece havia jurado “lealdade” ao Estado Islâmico. Então, o tiroteio massivo se transformou em “ato de terror”. Para maior confusão com a nova definição, os policiais disseram que não acreditavam que o casal teve contato direto com o Estado Islâmico, apesar do grupo ter atribuído a si a responsabilidade do ocorrido. Logo se soube que o casal havia sido “radicalizado” – algo que a máfia não pratica – anos antes da matança.

No crime das punhaladas, na estação do metrô de Londres, na semana passada, também se confundiu a semântica. No começo, a polícia “investigava uma facada em Leytonstone”, mas depois surgiu uma gravação em vídeo que registrou um homem que gritava “isto é pela Síria” e um civil que respondia “você não é muçulmano”, e a polícia o considerou um “incidente terrorista”. O primeiro-ministro David Cameron deu muito peso a essa frase: “você não é muçulmano”. Até agora, apenas um homem foi acusado por tentativa de homicídio.

Tudo isso é um tanto estranho. Nos Anos 80, quando o exército britânico e o IRA (sigla em inglês do Exército Republicano Irlandês), lutavam ferozmente na Irlanda do Norte, o governo britânico estava desesperado em busca de um meio de colocar no IRA a etiqueta de criminosos: criminosos impiedosos, desesperados, inclusive terroristas, mas sobretudo criminosos comuns, que deviam responder diante da lei e ser sentenciados a muitos anos de prisão, qualquer que fosse a razão de sua violenta campanha. Logo, os membros capturados do IRA decidiram que queriam ser chamados de “presos políticos” – a versão cortês de terroristas – porque queriam que seus assassinatos, roubos e intimidações fossem vistas como “crimes políticos”, separados da ralé de mafiosos, jagunços, estupradores e sádicos que habitam todas as sociedades, incluindo a da Irlanda do Norte.

Tão entusiasmados estavam em reclamar seu status “político” que fizeram uma greve de fome. Dez deles morreram sob a indiferença de Margaret Thatcher. Mas logo, o governo britânico cedeu a quase todas as demandas do IRA. Os membros da agrupação se tornaram “políticos” e foram libertados quando se declarou a “paz”, enquanto os rufiões e assassinos da Irlanda do Norte continuaram sob o arbítrio de sua majestade.

Então, a pergunta é: existe alguma vantagem entre ser “terrorista” e um criminoso ordinário? Suponho que depende de quanto vale a sua vida. Para os combatentes britânicos do Estado Islâmico, Reyaad Khan e Ruhul Amin, mortos em ataque de drones também britânicos, ser classificados como terroristas foi fatal. Suas mortes – leia-se execuções – foram, segundo Cameron “necessárias e proporcionadas pela autodefesa individual (sic) do Reino Unido”. Os ataques foram planejados na Grã-Bretanha.

Em outras palavras, o primeiro-ministro não mandaria um drone para aniquilar um assassino escolar de Leicester, ou a um jagunço do East End de Londres, ainda que ele estivesse planejando outra matança. Khan e Amin tiveram que estar longe e trabalhando em favor do Estado Islâmico para que se pudessem justificar um ataque com drones. Então, Cameron e nossos rapazes os sentenciaram à morte.

Entretanto, a dicotomia criminoso/terrorista se estende a outros âmbitos. A mais recente afirmação dos opositores sírios sobre Bashar Al Assad – que ele é um “terrorista” muito maior que o Estado Islâmico, porque matou mais gente que o grupo islâmico (seis vezes mais, segundo o Canal 4 britânico) – sugere que o mero número de homens, mulheres e crianças vítimas num determinado ataque é o fator que determina se os responsáveis por ele é um criminoso comum ou um terrorista. Ou talvez significa que um grupo “terrorista” com aspirações de matanças mais modestas –possivelmente o Estado Islâmico, neste caso – é menos horrível que um grupo terrorista ainda com mais munições em suas armas.

Mas esperem um minuto. Se levássemos o exemplo de Assad à sua conclusão lógica, teríamos que definir os senhores Bush e Blair – devido à invasão ilegal do Iraque, em 2003 – como responsáveis pela destruição de mais vidas inocentes que o Estado Islâmico e o governo de Assad juntos. E então, Bush e Blair seriam classificados como mega terroristas? Ou somente são criminosos – embora criminosos “de guerra”, o que, em teoria, os levaria à Corte Internacional de Haia – e portanto eles e seus países estão absolutamente a salvo de ataques de drones, e jamais serão chamados “terroristas”?

* Jornalista e escritor britânico que vive em Beirute, premiado várias vezes por seus trabalhos sobre o Oriente Médio. É um dos poucos jornalistas ocidentais que fala árabe fluentemente.

Tradução: Victor Farinelli

Fonte: CARTA MAIOR
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Ninguém mais se lembra dos 5 jovens fuzilados pela polícia do Rio.

Postado em 17 dez 2015
jovens fuzilados

Há pouco mais de duas semanas, cinco rapazes negros foram metralhados pela polícia no Rio de Janeiro. A despeito dos mais de 100 tiros disparados e de estarem desarmados, o crime sumiu do noticiário nacional. Nos dias seguintes ao homicídio houve comoção, luto nas redes sociais e manifestações na comunidade onde os jovens moravam, mas nada com a intensidade de recentes protestos ocorridos nos Estados Unidos por causa da morte de negros pelas mãos de policiais.

Um artigo publicado no Washington Post cita este crime para perguntar por que no Brasil não existe um movimento como o ““Black Lives Matter” (“Vidas Negras Importam”), criado nos EUA como reação à epidemia de assassinatos de jovens negros.

Não é possível ter uma resposta única e definitiva para este questionamento, mas a chave para entender o problema está na forma como as diferenças de privilégios entre brancos e negros foram abafadas sob o mito da democracia racial.

Se por um lado os negros foram deixados à própria sorte após a abolição da escravatura, por outro construiu-se uma oportuna exaltação do Brasil como um país mestiço.

Esta visão sobreviveu ao longo de décadas, com a falsa noção de que a inexistência de segregação institucional como nos Estados Unidos ou na África do Sul impediu que o racismo florescesse aqui.

Como “não somos racistas”, não há necessidade de implantar medidas que diminuam o abismo social entre negros e brancos. As diferenças, segundo os que recusam o racismo, são motivadas por causas socioeconômicas, nunca pelas diferenças raciais, não importa se estatísticas irrefutáveis mostrem que a maioria dos jovens vítimas de homicídios são negros.

Ao comentar a morte dos cinco jovens, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, foi enfático ao dizer que o crime não envolveu racismo. Pode ser que ele, como político, tenha defendido esta opinião para não precisar se comprometer em resolver o problema.

Mas a fala reverbera a opinião de muita gente, inclusive negra, que ainda está imbuída das consequências de interpretações levianas do livro “Casa Grande e Senzala”, de Gilberto Freyre.

“Hoje em dia tudo é racismo”, costumam dizer enquanto criticam o sistema de cotas raciais ou minimizam ataques contra negras famosas nas redes sociais.

O que parece um comentário raso baseado em senso comum na verdade é consequência de um processo histórico de negação do racismo, fazendo com que até negros estufem o peito para dizer que não existe preconceito de cor no Brasil.

Protestos contra o extermínio dos jovens negros existem, mas entre os participantes predominam militantes dos direitos humanos ou da causa negra. O cidadão médio fica fora dessa.

Pouquíssimos políticos adotaram o problema como frente de trabalho, sinal de que combater o racismo não rende tantos votos como declarar guerra às drogas ou fiscalizar a sexualidade alheia.

Para complicar, os elevados índices de assassinatos e mortes violentas no país criaram uma espécie de letargia na população. “Brasil perdeu a sensibilidade para o absurdo”, disse o cineasta José Padilha em entrevista para Trip TV, referindo-se, de modo geral, à criminalidade no país.

Uma coisa que Padilha não comenta é que esta sensibilidade depende da cor da pele dos envolvidos. Se os cinco rapazes fuzilados fossem brancos e estivessem na zona sul, estariam até hoje nos noticiários. Saberíamos dos seus planos, haveria entrevistas com namoradas, professores, vizinhos, com direito a música de fundo para arrancar lágrimas do expectadores mais sensíveis.
 
Fonte: DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO
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O textos são excelentes.

De fato, terrorista é aquele que se deseja matar, guerrear, justificar pilhagens, lançar planos governamentais contra o terrorismo que servem para outros fins, incitar conflitos religiosos, perseguir adversários políticos, roubar,  etc...

Em uma definição genérica de terrorismo consta um trecho de que trata-se de uma atividade difusa com atos praticados contra pessoas inocentes , sem aviso prévio.

E aí pergunto ao caro leitor, que se não foi assaltado pelo menos conhece alguém que já foi vítima de assalto, se o assaltante criminoso combinou previamente com a vítima o dia e hora do crime.

Se combinou não é terrorismo, é crime legal, dentro da lei, aprovado pelos governos desse mundo civilizado próspero.

Agora mesmo  para combater os terroristas do Estado Islâmico que mataram mais de 100 pessoas inocentes em Paris, a França, e a coalização internacional ,vão despejar bombas em locais onde supostamente estariam os membros do EI.

Certamente, como sempre acontece nesses casos, centenas ou  mesmo milhares de pessoas inocentes   morrerão e outras tantas serão atingidas pelos artefatos bélicos.

Seria o ato da coalização um ato terrorista ?

É sabido que lutas e conflitos  desse tipo , na maioria da vezes , não são resolvidos com guerras.

Foi o caso do IRA - Exército Republicano Irlandês - e agora o caso das FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

O luta das FARC com governos da Colômbia já dura quase meio século, com milhares de mortos dos dois lados, outros tantos que sobreviveram e ficaram mutilados e , ainda, uma legião de refugiados que fugiu do país por causa do conflito. 
Adicione-se a tudo isso, que já não é pouca coisa, as crises políticas e econômicas vividas pelo país em decorrência do conflito.

A solução  do  longo conflito está sendo conseguida não com a utilização marqueteira e comercial de artefatos e equipamentos de guerra de  última geração, mas sim através da negociação e do diálogo, caminhos naturalmente civilizados.

Alguns capins , ou mesmo aspirantes a capim, dirão que negociações desse tipo são difíceis e complexas, ainda mais se tratando de oriente médio.

De fato , como são bem difíceis todas as negociações envolvendo múltiplos interesses .

No entanto, para que negociações existam e avancem, se faz necessário que exista, de fato, interesse em solucionar os conflitos.

Quando os conflitos são apenas um pano de fundo para outros interesses geopolíticos, como no caso do oriente médio, tais conflitos não se solucionam, apesar da retórica de combate e de busca por soluções pacíficas.


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