segunda-feira, 11 de maio de 2015

Capitalismo e Primatas. Tudo a ver

INTERESSE PÚBLICO > DEMOCRATIZAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES

Uma conversa com Rousseau

Por Ana Paola Amorim em 05/05/2015 na edição 849
“O primeiro que, ao cercar um terreno, teve a audácia de dizer isto é meu e encontrou gente bastante simples para acreditar nele foi o verdadeiro fundador da sociedade civil.” Essa é a abertura da segunda parte do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, escrito em 1754 por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), indicando que a sociedade civil nasce sob o signo da desigualdade (e, portanto, da servidão), instituída e legitimada pela linguagem. É uma reflexão importante para compreender a relação entre comunicação e democracia, entre comunicação e política.
Seguindo o raciocínio do filósofo genebrino, a fundação da sociedade civil localiza-se, então, em um ato linguístico, evidenciando o campo político como o lugar da palavra que não se dissocia da ação. Na abertura da segunda parte do discurso, é a linguagem que reforça e incorpora a própria ação – no caso, de usurpação, que inaugura uma situação de desigualdade. Não basta o exercício do cercamento. É necessário legitimá-lo, reclamando para si, em público, a propriedade: “Isto é meu!”. Sem o necessário contradiscurso que denuncie a injustiça, o ato torna-se efetivo.
Segue Rousseau: “Quantos crimes, guerras e assassinatos […] teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas e cobrindo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Não escutem esse impostor! Estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e a terra é de ninguém”.
Mas como ele mesmo diz, as coisas talvez já tenham chegado a um ponto “de não poderem mais durar como eram”. O que se seguiu foi a palavra não dita, deixando o caminho livre para a palavra ardilosa carregada de violência dissimulada. Jean Starobinski, importante intérprete da obra de Rousseau, observa que esse trecho do Discurso mostra “a palavra empregada em sua função social, mas para instituir a má socialização, a sociedade da desigualdade”.
A desigualdade está diretamente associada a uma fala monológica, autoritária, que não encontra o contradiscurso no espaço público e, por consequência, incorpora a condenação da própria liberdade. Em um exercício de interpretação dessas observações, é possível extrair daqui um alerta ao risco de concentração da voz para fundação e para manutenção do corpo político. Se poucos têm voz, as condições são de desigualdade e servidão. Mas se todos e todas têm garantido o espaço para que sua fala seja ouvida, as condições são de igualdade e liberdade.
Não cabe cautela, mas rigor e atenção
Por isso, causa apreensão a declaração recente do ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, quando ele defende “cautela” em ações contra aluguel de programação por emissoras, que estão na Justiça Federal (ver aqui). No final de março, uma decisão inédita da Justiça Federal havia mandado suspender as transmissões da Rádio Vida, do interior de São Paulo, por alugar sua programação para uma igreja evangélica. A juíza federal Flávia Serizawa e Silva também determinou o bloqueio dos bens dono da emissora, e do pastor líder da Comunidade Cristã Paz e Vida, que arrendava a rádio. Ainda cabe recurso da decisão. Importante observar, como pontuou a reportagem da Folha de S.Paulo, que se trata da primeira decisão judicial em uma ofensiva movida pelo Ministério Público Federal contra o mercado de aluguel de emissoras, que sobrevive nas brechas e omissões da legislação. Mas o Ministério Público considera alienação de concessão pública.
As rádios e TVs abertas são operadas no Brasil como concessão pública, o que significa que pertencem ao conjunto da sociedade brasileira. Os donos das emissoras recebem direito de exploração, não são proprietários do canal outorgado. Na prática, esses empresários agem como se fossem proprietários do canal. Isso não seria usurpação? É fundamental que isso seja objeto de rigoroso debate público, que as ações que fogem ao que determina a lei sejam devidamente questionadas.
Os casos de aluguel – total ou parcial – da programação devem ser, então, tratados com critério e com o rigor que a coisa pública exige. Ao pedir cautela, o ministro Berzoini pede para enfraquecer o contradiscurso necessário para apontar as contradições que firmam o reino da desigualdade na sociedade civil e comprometem a liberdade. Afinal, é permitida a exploração de uma concessão por alguém que não se submeteu à licitação e às regras públicas? Pode a operação de uma concessão ser regulamentada por um contrato privado? São questionamentos que pedem respostas.
O Executivo já deu mostras de falta de força política e também de falta de empenho na condução do debate sobre a reformulação da legislação das comunicações. O ministro Berzoini disse, ao tomar posse, que há compromisso por parte do governo de instituir o debate, mas não indica a institucionalização do debate. A presidenta Dilma Rousseff já disse claramente, em entrevista a blogueiros, que não há condições políticas de tratar desse assunto. O pedido de cautela no caso de desrespeito aos princípios da lei soa muito mais do que falta de força política ou empenho. Soa a subserviência.
Essa postura é um tanto mais grave quando se considera o cenário (inconstitucional) de concentração da propriedade de mídia no Brasil, onde prevalece o oligopólio na exploração da TV e o sistema de oligopólio no rádio (sobre o assunto, ver, neste Observatório, “Monopólio ou oligopólio? Contribuição ao debate”, de Venício A. de Lima e Bráulio Santos Rabelo). Essa situação favorece a imposição dos interesses dos empresários de mídia sobre o interesse coletivo, impedindo a realização do debate. As vozes dos donos criam o paradoxal argumento de obstruir o debate em nome da “liberdade de expressão”, quando, na verdade, defendem o privilégio de continuar a disseminar a sua verdade, corromper a opinião pública e deixar os donos da voz a verem navios.
Proibido proibir
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já disse, mas repetiu durante sessão solene em homenagem do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa: “Nesta casa não admitiremos nenhuma forma de regulação da mídia, seja de conteúdo, seja econômica. Somos frontalmente contrários”.
Cunha é contrário ao debate. Presidente da casa onde deve prevalecer o livre debate de ideias decreta justamente o contrário: a ausência da fala democrática e a imposição de um discurso autoritário que impede qualquer manifestação da liberdade.
Ele está defendendo a cerca. A omissão do Executivo protege a cerca. O debate é a condição necessária para que todos e todas possam emitir sua opinião, arrancar a estaca e cobrir o fosso. Só assim será possível combater a desigualdade e construir a liberdade.
O Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações está em campanha para coletar assinaturas a um projeto de iniciativa popular que propõe nova legislação para a Comunicação Social Eletrônica (ver aqui). A entidade tem uma proposta para o debate. Precisa colher 1,3 milhão de assinaturas para que o projeto possa tramitar no Congresso Nacional, ampliando o debate. Quem assina o projeto concorda em discutir o assunto. Pode ser um bom caminho para principiar a conversa. Quem continuará defendendo a cerca?
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Ana Paola Amorim é professora do curso de Jornalismo da Universidade FUMEC, doutora em Ciência Política pela UFMG e pesquisadora do Grupo de Pesquisa CERBRAS (Centro de Estudos Republicanos Brasileiros), sediado no Departamento de Ciência Política da UFMG. É coautora, com Juarez Guimarães, de A corrupção da opinião pública – Uma defesa republicana da liberdade de expressão, Boitempo, 2013
Fonte: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
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Rubens Casara: 
Violação de direitos torna-se regra em desfavor de oprimidos e de quem incomoda as elites
publicado em 11 de maio de 2015 às 01:08
Estado-de-exceção-ou-regra-
Exceção ou regra?
O lugar que uma época ocupa no processo histórico, como percebeu Kracauer em O ornamento da massa, pode ser identificado a partir daquilo que foi desprezado (“O conteúdo fundamental de uma época e seus impulsos desprezados se iluminam reciprocamente”[1]). A verdade de uma época está inscrita em seus conteúdos rejeitados, naquilo que é desprezado ou se quer ocultar, nos efeitos dessa rejeição na realidade, nunca no dever-ser ou no discurso oficial.
Hoje, é a Constituição da República e, em especial, os direitos e garantias fundamentais que aparecem como o principal conteúdo rejeitado pelo sistema de justiça de nossa época. Os direitos fundamentais não são percebidos como trunfos contra a maioria ou como garantias contra a opressão do Estado. Ao contrário, de norte a sul do país, com amplo apoio dos meios de comunicação de massa, os direitos e garantias previstos no ordenamento jurídico integram o imaginário dos atores jurídicos como obstáculos à eficiência repressiva do Estado ou ao mercado.
A verdade de nossa época está inscrita no desrespeito à Constituição da República, no fato do discurso oficial reservar o afastamento de direitos e garantias para situações excepcionais enquanto a funcionalidade real do sistema de justiça revela que o que era para ser exceção transformou-se em regra, pelo menos para determinada parcela da sociedade. O sistema de justiça penal construído no plano discursivo a partir do mito da igualdade revela-se no dia-a-dia seletivo, voltado para os indesejáveis (e, aqui, as exceções servem apenas para confirmar essa regra), aqueles que, ao longo da história, forjaram o que Benjamin chamou de “tradição dos oprimidos”; mais do que proteger bens jurídicos, o sistema de justiça serve ao controle social e à manutenção das estruturas sociais (manutenção da forma Estado Capitalista).
A violação de direitos torna-se a regra em desfavor de determinadas pessoas. É assim para quem não interessa à sociedade de consumo (por não ser necessário ao processo de produção ou não dispor de capacidade econômica para consumir), para quem incomoda as elites (aqui entendidas como a parcela da sociedade que detém o poder político e/ou econômico) e para quem desequilibra em favor do oprimido a relação historicamente marcada pela vitória do opressor. Em todos esses casos, pode-se, com Benjamin, em sua tese VIII “Sobre o conceito de história”, afirmar que: o “estado de exceção” em que se vive é a regra; a violação da normatividade constitucional se torna a regra.
Em recente artigo, Tarso Genro revela preocupação com um “estado de exceção não declarado”, capaz de bloquear o direito de defesa, potencializar a corrupção sistêmica e comprometer a democracia. Nesse texto, o jurista gaúcho abandona concepção anterior, marcada por uma perspectiva otimista de evolução da sociedade em direção aos avanços civilizatórios e à democracia, para realçar os crescentes riscos de um grave retrocesso que pode resultar no fim da própria democracia brasileira.
A democracia, em sua concepção material, para além da participação popular na tomada das decisões políticas, exige limites ao exercício do poder e a concretização dos direitos fundamentais. Assentada essa premissa, o quadro e as perspectivas descritos por Tarso Genro são desoladores (por evidente, para aqueles que defendem o projeto constitucional de vida digna para todos).
Ganha corpo na sociedade brasileira, com grande força entre os atores jurídicos, uma concepção de atuação no mundo-da-vida avessa a limites (sempre em nome dos “interesses da nação”, do “combate à corrupção”, da “segurança pública”, dentre outros significantes que gozam de “anemia semântica”, para utilizar a expressão de Alexandre Morais da Rosa, mas são instrumentais aos novos “guardiães do direito”[2]) e que naturaliza a violação de direitos fundamentais.
Vários atores jurídicos passaram a defender abertamente (provavelmente, Gilberto Felisberto Vasconcellos está correto ao afirmar que, em breve, o golpe de 64 vai ser perdoado e aplaudido) a manutenção de prisões ilegais e desproporcionais, a produção e aceitação de provas ilícitas, a utilização da prisão cautelar como instrumento de coação à obtenção de confissões e/ou delações, a violação da dimensão probatória do princípio da presunção de inocência (contra a ordem constitucional, o imaginário autoritário atribui ao acusado o dever de provar sua inocência), dentre outras violações da dimensão de garantia que se extrai do texto constitucional.
Em que pese o acerto da análise em relação ao risco existente, Tarso Genro insiste em uma concepção otimista de que essas distorções apontam para um “Estado de Exceção”, na medida em que antes existia um quadro de normalidade democrática na seara do sistema de justiça criminal. Não há Estado de Exceção, ou em termo benjaminiamos, na tradição dos oprimidos, o Estado de Exceção é a regra.
Há uma tradição autoritária, uma historicidade, uma pré-compreensão que condiciona a atuação dos atores jurídicos e leva à naturalização do que deveria ser exceção, que não foi rompida com a Constituição da República de 1988 (um texto, um evento fundamental, que precisa ser levado em consideração, mas que, por si só, se revela incapaz de produzir normas adequadas ao projeto constitucional, isso porque a norma é sempre produto do intérprete, que, no caso brasileiro, está inserido em uma tradição incapaz de “compreender” – aqui compreender é aplicar, nos termos da lição gadameriana – o texto tendencialmente democrático).
Somada a essa tradição autoritária (que programas de redistribuição de renda são incapazes de romper), um complexo de fatores, com especial destaque para o empobrecimento do imaginário, com a consequente redução do pensamento ao modelo binário-bélico de ver o mundo (amigo versus inimigo, bem versus mal, etc.), e a transformação do simbólico (o enfraquecimento da função do limite), o sistema de justiça criminal, essa trama simbólico-imaginária, passou a se caracterizar, no campo do direito material, pela prevalência, ainda que inconsciente, de uma visão empobrecida da teoria do direito penal do inimigo (com uma ampliação – inimaginável para o neocontratualista Jacobs – do âmbito das pessoas etiquetadas de inimigo) e, no processo penal, pela espetacularização, na qual se dá o primado do enredo (dirigido pelo juiz e que, não raro, visa agradar a opinião pública ou o desejo das corporações midiáticas, as mesmas que constroem versões e fabricam heróis para a massa) sobre o fato, com a simplificação do caso penal posto à apreciação do Poder Judiciário, instituição que na busca de legitimidade democrática cede à tentação populista.
Enfim: a) saúdo o retorno do jurista Tarso Genro à produção crítica sobre o direito; b) registro posição no sentido de que a categoria Estado de Exceção se mostra insuficiente para dar conta das distorções hermenêuticas que ameaçam fazer da democracia brasileira um mero simulacro; e c) convido a todos para o debate.
Rubens Casara é Doutor em Direito, mestre em Ciência Penais, professor do IBMEC/RJ e membro da Associação Juízes para a Democracia e do Corpo Freudiano
Fonte: VIOMUNDO
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O Homem evoluiu muito através dos tempos,no entanto,em alguns aspectos o Homem moderno em nada difere do homem das cavernas , ou mesmo de seus ancestrais, como os primatas, por exemplo.

Muros e cercas estão associados ao conceito de território, prática comum na maioria dos animais que sempre entram em conflito quando um grupo invade o território do outro.  Em algumas espécies, além de preservar o território, os machos matam - ou tentam matar - alguns  filhotes com o intuito de impedir a competição.

No capitalismo atual, empresas tentam eliminar seus concorrentes.

Em algumas sociedades antigas, mesmo evoluídas , o conceito de território sempre existiu, sem necessariamente estar associado ao conceito de posse, prevalecendo  o conceito de usufruir de forma equilibrada e sustentável.

No mundo atual, a posse é a regra dominante, que delimita o tamanho do território, que deve estar sempre em expansão, mesmo que para isso a violência comande as ocupações.

Paradoxalmente, o que vivenciamos no mundo atual acontece justo com o chamado triunfo da democracia e da liberdade, quando o mundo vivencia mais uma etapa da globalização.

Era de se esperar, ou no mínimo imaginar, que os diferentes quintais flexibilizassem suas cercas, seus muros e suas bandeiras, em nome de um suposto processo evolutivo e civilizatório.

No entanto, o que se vê é o contrário, como o surgimento de mais muros e cercas, físicos e ideológicos. 

Nunca na história da humanidade se fez tanto xixi para demarcar novos territórios.

Neste aspecto, a mídia do capital tem um papel fundamental quando interdita todo tipo de debate  que proponha algo para além dos estreitos e limitados  territórios da ideologia dominante no mundo.

Emerge, desta forma, o estado de exceção como regra, paradoxalmente em nome da democracia e do estado de direito com o intuito de proteger o mundo civilizado de ideias ameaçadoras, como tem sido recorrente nos discursos das elites políticas econômicas ao longo do planeta.

A linguagem passa a ser uma arma poderosa com o Não como regra e o Não Sim  como ausência de negativa. 

Em meio a esses artifícios se constroem condenações de críticos indesejáveis , se forjam provas e incentiva-se todo tipo de comportamento binário na sociedade, onde o Não e o Não Sim prevalecem.

Por outro lado, essa corrida pelo binário, esse retrocesso civilizatório, pode indicar que as elites e seus centuriões do modelo político e econômico mundial reconhecem suas fragilidades e , assim sendo sendo, tentam interditar o debate de ideías, campo onde naturalmente o capitalismo em sua expressão atual não se sustentaria.

Isto posto, incomodar as elites políticas e econômicas através das ideías é um dever de todos os defensores da Democracia , da liberdade de expressão, e do estado de Direito e, para isso deve-se  sempre ocupar  os lugares onde as elites não estão, principalmente nos territórios  das idéias.
 

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