sexta-feira, 29 de maio de 2015

Algo se move

Embaixador equatoriano: América Latina é contraponto a 'desencanto do capitalismo'

28 maio, 2015
Para Ramón Torres Galarza, diplomata Itinerante para Assuntos Estratégicos, integração terá continuidade 'porque hoje povos são protagonistas da história'.
28/05/2015
Por Vanessa Martina Silva
“São as democracias [latino-americanas] em revolução que podem mudar o mundo frente ao silêncio, frente ao desencanto, ao cinza que o capital e o capitalismo em sua crise planetária estão gerando. Que podem fazer frente a esse individualismo selvagem, esse consumismo predador, essa solidão. Que podem se contrapor ao ‘consumo, logo existo’, que parece ser o que marca o destino dos seres”. A opinião é do Embaixador Itinerante do Equador para Assuntos Estratégicos, Ramón Torres Galarza. Na entrevista exclusiva a Opera Mundi, falou sobre os desafios da integração e os objetivos do projeto impulsionado pelo governo equatoriano.
Também poeta, Galarza — que esteve no Brasil, na última semana, para firmar uma série de convênios com universidades brasileiras pelo Programa Regional Latino-americano de Docência e Investigação: Democracias na Revolução e Revoluções na Democracia — é otimista diante dos desafios que a integração latino-americana enfrenta. Para ele, é preciso que desenvolvamos um processo que “dignifique os seres humanos, que reconheça que somos parte da natureza e por isso proclamemos que os seres humanos temos mais direitos que o capital, que os seres humanos temos mais direitos que as empresas e que a natureza tem mais direito que o capital. Estamos ressignificando o conceito da velha democracia excludente, elitista que reconhecia somente direitos civis ou políticos. Precisamos reconhecer uma democracia que inclua economicamente os cidadãos. Não podemos falar de cidadãos de direitos na América Latina se somente somos democráticos porque vamos votar nas eleições”.

Ele também não considera que o processo integracionista liderado por governos de esquerda na região esteja perdendo o ritmo após a saída do poder dos ex-presidentes da Venezuela, Hugo Chávez (1999-2013); da Argentina, Néstor Kirchner (2003-2007); e do Brasilb Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011): “Estas lideranças têm continuidade na história porque os povos são seus mandantes. Esses que pela primeira vez foram incluídos, porque pela primeira vez na história foram transformados em sujeitos da história tiveram maiores investimentos para educação, saúde e moradia”.
Em meio a isso, considera que os setores acadêmico e intelectual têm um papel fundamental. Por essa razão, está percorrendo diversos países da América do Sul para integrar o pensamento regional, via universidades, em uma tentativa que, confessa, pode responder à demanda pleiteada pelo ex-presidente Lula de que a América Latina precisa de uma doutrina da integração.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Opera Mundi - O Equador tem o programa “Democracias em Revolução e Revolução em Democracias” destinado à produção do pensamento acadêmico e que agora terá um eixo brasileiro. Qual é o objetivo desse programa?

Ramón Torres Galarza - É um programa regional latino-americano sobre docência e investigação com membros regionais, que são parte dos mais importantes centros de pesquisa da América Latina. Adicionalmente, queremos constituir uma rede com as melhores universidades que temos no Brasil, Argentina Uruguai, Equador, Bolívia e Venezuela e tem como objetivo principal pensar a América Latina desde ela própria e assim construir uma rede de produção de pensamento, de publicações e troca de estudantes, professores e pesquisadores para caracterizar as tendências de transformação, de mudança, reforma, transição e revoluções que estão se dando nesses processos latino-americanos.

Mas em que consiste esse conceito de revoluções em democracia e democracia em revoluções?

Estamos ressignificando o conceito da velha democracia excludente, elitista, que reconhecia somente direitos civis ou políticos. Precisamos  reconhecer uma democracia que inclua economicamente os cidadãos. Não podemos falar de cidadãos na América Latina se somente somos democráticos porque vamos votar nas eleições. Se não incluirmos os seres humanos na economia e no mercado, não poderemos falar de democracia e essa inclusão democrática está acontecendo em nossos países.
Agora também devemos ressignificar o conceito de revolução, porque a transformação rápida, radical e profunda que está ocorrendo na América Latina é um processo de transição, mudança, reforma que não necessariamente são convocações para o socialismo, mas transformações políticas, sociais de distintos tipos, de distintas naturezas em um marco de complexidade, impacto e profundidade. E aí está a nossa riqueza porque estamos sendo capazes de construir uma unidade dentro dessa diversidade.
USP, UFABC, Unila e UFRJ são parte do convênio firmado pelo embaixador no Brasil
E nós devemos enfrentar as matrizes ideológicas, políticas e midiáticas que desqualificam esses processos e são especializadas em identificar nossos limites, nossos erros, nossos equívocos, que só apontam os processos de corrupção, não apontam nossos avanços, os avanços que estamos fazendo na democracia e que estamos mostrando para o mundo.
Nunca fomos voz, somente eco. Hoje a América Latina está recuperando sua capacidade de dizer, de fazer, de pensar. Sua capacidade de questionar sua ação na história e há uma insurgência de processos que estão marcados também por sua diversidade. Para nós, essa diversidade ideológica e política é muito importante, por isso ‘democracias em revolução’. Por isso ‘revoluções em democracias’.

Em termos acadêmicos e políticos, o pensamento da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) foi muito importante no continente, mas hoje alguns especialistas apontam que esse processo perdeu um pouco a importância.  Esse projeto é de alguma forma uma intenção de preencher este “vazio” deixado por esses pensadores?

 Eu penso que a contribuição do pensamento cepalino e em particular a contribuição do pensamento do Brasil na doutrina da Cepal foi muito importante para a América Latina. A substituição de importações, a capacidade de pensar a região, de estruturar mecanismos de integração regional — que na economia constitui a identidade de ser latino-americano — faz parte dessa experiência e desse processo que devemos valorizar e reconhecer como um momento histórico da América Latina, em um momento em que o neoliberalismo e o capitalismo agiram na região. O programa [Democracias em Revolução e Revolução em Democracias] quer recuperar e valorizar na contemporaneidade esse passado e fundamentalmente aponta para o futuro da região.
Por isso pensamos que a integração  já não é um ideal, ou uma utopia, mas uma necessidade, um imperativo categórico para que possamos nos inserir inteligentemente, com perspectiva de futuro, em relação ao processo de globalização e mundialização porque se não nos integrarmos econômica, politica e culturalmente, se não gerarmos condição de cadeias de valor produtivas, se não desenvolvermos ciência e tecnologia, os processos de dependência terão continuidade, como a Cepal anunciou há muitos anos. Então, a América Latina, que vive um momento excepcional, precisa olhar para si, para nos confrontarmos com nós mesmos. Olhar abertamente, com firmeza com relação ao que representa uma nova economia mundial e o que significa uma capacidade de exportação de solução do problema alimentar, por exemplo, e solução dos problemas e tecnologia que marcaram a dependência colonial e neocolonial do pensamento das matrizes civilizatórias.
Hoje, a América Latina optou pelos mais pobres e essa opção fez com que o retorno do Estado em suas funções de planificação e regulação nos permita ter uma opção de inclusão frente aos historicamente excluídos e essa é uma transformação, uma mudança, uma reforma e uma revolução que acontece com diferenças no Brasil, na Argentina, no Uruguai, Equador, Bolívia e Venezuela. Mas o estranho, o assombroso, é que não tenhamos espaços para reconhecer, entre nós mesmos, essas diferenças, o positivo de ser latino-americano e talvez este programa o que busque é que a América Latina descubra e comparta esse ‘ser do sul’ em seus melhores momentos.

O ex-presidente Lula falou sobre a necessidade de termos uma 'doutrina da integração' porque tudo isso que está sendo feito precisa de uma formulação teórica. Considera que este programa pode se tornar isto de que fala Lula e que sirva para embasar nossas políticas em relações exteriores e de defesa, por exemplo?

Reconheço que [o processo desenvolvido] por Lula constitui uma das experiências mais interessantes da história latino-americana no que se refere à liderança integradora dele que junto com [o ex-presidente venezuelano Hugo] Chávez, o [ex-presidente argentino Néstor] Kirchner e o [atual presidente Rafael] Correa constituem um momento distinto e novo da liderança integradora.
Essas lideranças sem dúvida precisam de uma doutrina, mas uma doutrina sem liderança não pode chegar a realizar mudanças profundas como ocorreram no Brasil de Lula e Dilma. Essa nova doutrina, este pensamento da integração deve ser absolutamente pragmático, como é a liderança integradora de Lula. Então devemos reconhecer que na América Latina podem coexistir em disputa respeitosa processos de integração como o da Aliança do Pacífico, a Alba [Aliança Bolivariana Para os Povos de Nossa América] que têm projetos e ideologias distintas, mas que têm, ou devem ter, denominadores comuns, ou como no caso da Unasul [União das Nações Sul Americanas] e da Celac [Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos], que fazem com que os latino-americanos nos encontremos em objetivos e visões compartilhadas.
Chávez, Kirchner e Lula, considerados impulsionadores do projeto de integração | Foto: Wikicommons
Então que nos foquemos mais em nossas igualdades do que diferenças e que construamos um poderio político, social, ambiental e cultural para configurar nossa região como uma região do [buen vivir] bom viver como é a vida em plenitude. Que nos permita aos latino-americanos ter uma nova visão frente à crise do capital e do capitalismo, frente à crise civilizatória e nesse sentido, sim, gostaria de contribuir de uma maneira honesta, muito útil com um tipo de pensamento para a possibilidade de ser parte desta torrente de reconstruir um pensamento novo da doutrina da integração latino-americana, essa doutrina que necessita de liderança e essas lideranças são coletivas, complementares.  Não precisamos somente olhar para o Brasil como um irmão grande e rico, precisamos que o Brasil olhe para o irmão pequeno, como uma família que tem suas relações, suas fortalezas e suas debilidades e possa incidir em todo o mundo, mas reconhecendo que somos parte de uma mesma totalidade.

No Brasil, em nossas universidades, não se estuda o contexto ou os pensadores latino-americanos. Os centros de ensino estão muito focados na Europa e nos Estados Unidos. Como, então, confrontar nas universidades o pensamento desses dois enfoques muito distintos?

 Sem dúvida vivemos na América Latina demasiados anos de uma dependência e colonização do pensamento. Essa descolonização do pensamento, essa epistemologia do sul está surgindo com muita força porque todos os conceitos estrangeiros não permitiram que esse ser latino-americano se desenvolvesse. Então, quando olhamos os conceitos, eles já não nos servem.
Então voltamos o olhar nós mesmos e voltamos a considerar o pensamento da origem do nosso continente, recuperamos saberes e costumes e pensamentos que fazem parte de nossos processos de independência, dos nossos processos de revoluções, parte do que constitui a luta anti-imperialista, do processo de libertação nacional, mas tudo isso devemos conjugar contemporaneamente para ser capaz de produzir um pensamento próprio e ter também um diálogo com o pensamento estrangeiro porque não podemos nos fechar em nós mesmos ou criar muros de pensamento.
Se nós somente promovêssemos a consolidação do ensino do castelhano no Brasil e o ensino de português na América Latina, avançaremos muito de maneira prática, concreta em nossa integração cultural e sem integração cultural bem possível que não exista a integração econômica, comercial, política. Então está chegando o momento em que esta sede, essa necessidade já não é mais uma utopia, mas o imperativo para existir como cultura, como formas de vida distintas.
Sede da Unasul, em Quito | Foto: Cancillería del Ecuador
São essas democracias em revolução  que podem mudar o mundo frente ao silêncio, frente ao desencanto, frente ao cinza que o capital e o capitalismo em sua crise planetária está gerando. Esse individualismo selvagem, frente a esse consumismo predador, frente a essa solidão. Frente ao ‘consumo, logo existo’, que parece ser o que marca o destino dos seres.
Estamos aqui para dizer 'não'. Temos que construir uma alternativa civilizatória, tecnológica, de pensamento sobre qualidade de vida, mas que dignifique os seres humanos, que reconheça que somos parte da natureza e por isso proclamamos que os seres humanos temos mais direitos que o capital, que os seres humanos temos mais direito que as empresas, que a natureza tem mais direito que o capital. Exigir dos acadêmicos, dos meios de comunicação, dos cidadãos, uma atitude distinta que rompa a passividade, o conformismo que nos converte em somente consumidores.

Esse é um programa que está intrinsicamente ligado ao projeto das esquerdas no poder. Há quem considere, no entanto, que há um esgotamento deste modelo, principalmente diante do que se viu nas eleições da Venezuela e do Brasil, onde os resultados foram muito apertados. Teremos chegado ao ápice desse processo, sobretudo pela falta de Chávez, Lula e Kirchner à frente desse processo integracionista e daqui não há mais para onde avançar?

Penso que tem razão em parte. Certas lideranças históricas são insubstituíveis e essas lideranças devem nos fazer olhar para a necessidade urgente de que não podemos depender das virtudes e limites de lideranças, mas devemos dar condições de organização social, de correlação de forças, para novos sujeitos na história. Mas uma coisa muito importante é que [esse processo] transformou os povos, pela primeira vez, em sujeitos históricos da política, da economia. Essas lideranças têm uma continuidade na história porque os povos são seus mandantes. Esses que pela primeira vez foram incluídos porque pela primeira vez na história tiveram maiores investimentos para educação saúde e moradia.
Então as conquistas históricas que constituem esses novos sujeitos, articulando, multiplicando e ressignificando a existência de um sujeito plural, 'policlassista'. Sujeito que já não é mais somente o proletariado, são as mulheres, os índios, os jovens, os povos que surgem com uma força maravilhosa na América Latina.
E essa lideranças, que as matrizes de opinião classificam como populistas, são os que recuperaram o caráter nacional e popular de nossas democracias em revolução.
Outra razão é que nossos processos de mudança e transformação, processos revolucionários surgem do voto majoritário do nosso povo, expresso nas urnas. Porque já não é possível pensar em uma solução armada para a revolução. Devemos pensar que a democracia não começa, nem termina nas eleições e que os processos de transformações podem se subordinar a coisas terríveis, como foi o neoliberalismo que degradou, prostituiu, malogrou a democracia para favorecer o interesse de poucos.
Nesse sentido, as novas democracias que surgiram na região são profundamente transformadoras, pois surgem de um novo momento, de sujeitos que serão capazes de reinventar a democracia no século 21 e as revoluções no século 21 porque o ethos revolucionário na América Latina não tem a ver somente a vocação de organizar a transição ao socialismo. Na verdade, as revoluções políticas na região nada têm a ver com o socialismo. São um conjunto de atores que hoje estão ressignificando as palavras democracia e revolução.

Fonte: BRASIL DE FATO
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Espanha: 

O que nos aguarda depois do 24M??

Estamos em tempo de fazer história e temos a fórmula pelo próprio movimento: 

a unidade popular para arrasar com a política de cortes de gastos sociais



Vicente José Nadal AsensioMiguel Urbán e Brais Fernández



Fazer um balanço pós-eleitoral deste 24M é um exercício agridoce. Estamos avançando, e de forma decisiva em alguns lugares, mas ainda não o suficiente para desalojar a máfia política e suas maquinárias desapropriadoras da riqueza coletiva. Essa contradição atravessará toda a nossa análise e também a pergunta fundamental: E agora?

Resumiremos os resultados, para estabelecer o panorama que eles deixaram, da seguinte forma: a direita pós-franquista, representada pelo Partido Popular, sofre uma derrota contundente, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), não consegue se recuperar, o Podemos se consolida como ator político mas ainda não consegue ser a força hegemônica das classes populares, Ciudadanos não cumpre com as expectativas que alguns grupos financeiros haviam depositado neles, principalmente em cidades importantes, as Candidaturas de Unidade Popular (CUP) conseguem resultados históricos.

Várias constatações merecem ser desatacadas, porque formam parte de uma análise que supera o meramente conjuntural. A primeira é o fato objetivo de que o 15M (15 de maio de 2011) foi um acontecimento histórico, tal qual o definiu filósofo e dramaturgo francês Alain Badiou: um acontecimento que deixou um novo panorama político, com o qual os velhos protagonistas se relacionam de forma tensa com os novos atores. Uma parte significativa da população aposta pela mudança e está expressando essa vontade de diferentes formas (fazendo manifestações e greves, apoiando os movimentos contra os despejos por dívidas hipotecárias ou votando no Podemos), todas vinculadas a um anseio comum de mais democracia, recuperação de direitos e uma mudança radical nas prioridades políticas: as pessoas e o bem estar público antes dos benefícios e os interesses privados. A luta de classes, a luta entre a ruptura e a continuidade, a luta entre os que, desde variadas posturas e composições ideológicas, aspiram conquistar essas demandas e os que se pretendem impedir que elas se tornem realidade, também será travada nestas eleições. Nesse sentido, existe uma situação de “empate”: a mudança chegou mas ainda não se impôs no quadro eleitoral multiforme, onde a elite, infelizmente, mantém em seu poder as instituições mais importantes, o que lhe dá a capacidade de continuar aplicando suas políticas.

A segunda constatação é que, pela primeira vez em muito tempo, o “movimento real” na direção da transformação social conta com ferramentas fortes o suficiente para enfrentar os partidos das classes dominantes. Não é pouca coisa: surgiu a partir disso a oportunidade de um novo ciclo, mas nos levou a uma situação volátil, onde o forte antagonismo das posições apresentadas, e a chamada “guerra de manobras” eleitorais (que se traduz em construir pacientemente, e de baixo para cima, uma luta social que se mantenha dentro e fora do âmbito institucional, e em chegar com audácia ao terreno eleitoral) e enfrentamos esse ciclo em circunstâncias melhores que as que tínhamos no ano passado. Não esqueçamos que essas ferramentas (CUP's e Podemos) não são só as que nos permitem encarar esse desafio, mas são também as que permitem que exista ciclo, porque nas batalhas sempre existem diferentes bandos e o dos de baixo também necessita que seus grupos estejam organizados. Ressaltamos isso para mostrar a necessidade de cuidar nossas ferramentas políticas, para que não se infectem com os vícios do sectarismo, da moderação ou da burocracia. Evitar que as instituições nos absorvam, que os milhares de ativistas que entram nas instituições se transformem em políticos profissionais. Para isso precisamos de muita rua, estar sempre presentes nos conflitos, com nossa gente, muita assembleia e muita decisão e controle coletivo.

O desafio para nós tem duas partes. Uma delas começa na ação através das instituições (“instituições deles”, não esqueçamos que eles ainda são os que impõem as regras) e a outra é a preparação da caminhada até as eleições presidenciais. No primeiro caso, o mandato popular parece claro: tirar o Partido Popular sem permitir que o PSOE assuma e recomponha o regime bipartidário. Para isso, é necessário manter a cabeça fria e evitar cair no erro que cometeu a IU (sigla em espanhol da Esquerda Unida, legenda alternativa de esquerda da Espanha) quando aceitou governar com o PSOE na Andaluzia. Não podemos aspirar uma política na que ficamos subalternos aos que representam as medidas que combatemos, portanto temos que buscar a hegemonias, através da pluralidade e da transparência. Conceder um cheque em branco ao PSOE, corresponsável pelo projeto neoliberal espanhol seria assinar nossa sentença de morte. Os apoios só devem ser contra o PP (explicar pacientemente que votamos contra o PP, nunca a favor do PSOE), em alguns cenários eleitorais, sempre que isso for em troca de melhoras concretas para a classe trabalhadora, sem aceitar jamais governar junto com o PSOE em posição de minoria. Esta é uma decisão estratégica da qual depende o futuro do movimento: se queremos acabar como a IU, sendo a pata esquerda do regime, acabaremos tragados pelo mesmo processo de decomposição que já consome o bipartidarismo, mas se quisermos ser como o Syriza, devemos mostrar que podemos substituir o modelo liberal atual e ser uma ferramenta para as classes populares, planteando as alternativas conjuntas às políticas de cortes de gastos sociais e austeridade econômica.

Em algumas cidades, as Candidaturas de Unidade Popular conseguiram resultados espetaculares e têm opções de encabeçar os próximos governos regionais: Barcelona, Madrid, Compostela, La Coruña, Zaragoza e Cádiz. Não será fácil. Os aparatos do Estado não são neutros, e impulsionar a mudança a favor das classes populares não consiste em simplesmente ser governo e apertar um botão de “gestão eficiente e honesta”. Precisamos superar a ingenuidade e nos preparar para as novas batalhas que só poderemos ganhar se envolvemos as pessoas, se transformamos as administrações municipais e regionais em instrumentos para que as classes populares organizem a gestão política, econômica e cultural a seu favor. Os privilegiados resistirão, não querem perder seus privilégios, as grandes empresas não querem deixar de viver dos impostos dos cidadãos e, por quê não dizer, os tecnocratas que acham que sabem mais que as pessoas tentarão impor seus conceito à figura da democracia real e do mandato popular. Por isso, as lições fundamentais são as de assumir com valentia as medidas que só requerem vontade política, como parar os despejos, auditar a dívida e estabelecer planos de emergência social para os desempregados e os setores mais pobres, assim como estabelecer mecanismos de controle público do Estado, assembleias de bairro para controlar os municípios. Assim poderemos nos sobrepor à força de aparatos políticos como o PSOE, com o apoio de vizinhos e vizinhas de pequenas e grandes regiões, acumulando força social para governar com e para as pessoas.

Toda essa força deve se colocada a serviço de impulsar uma grande corrente que, nas próximas eleições presidenciais arrase com a política de cortes de gastos sociais e com a corrupção. Uma corrente rupturista, que supere o regime imposto em 1978 pelos que desenharam o país para o pós-franquismo, criando o sistema de consensos sustentados pelo PP e pelo PSOE. Ainda estamos em tempo de fazer história e temos a fórmula pelo próprio movimento: a unidade popular. Uma fórmula que tem uma orientação de classe determinada. Porque estas eleições também deixaram claro, principalmente para os que professavam uma adoração quase fetichista às classes médias como impulsor de mudanças, que são as classes populares e trabalhadoras as que fazem a história. Para isso, é preciso incorporar ainda mais os que estão embaixo da pirâmide à luta por essa nova política, não somente como eleitores, mas também como participantes, ativistas: queremos uma candidatura presidencial que incorpore os trabalhadores em condições precárias, os sindicalistas, os operários, os desempregados, as garçonetes, as empregadas, etc. Todas essas pessoas que fazem o país funcionar, e que agora devem ser os protagonistas da mudança.

Uma unidade popular que não deve excluir ninguém, que tem que ser pluralista, porque os de baixo são plurais, necessitam tanto da força das CUP's quanto da do Podemos. Temos que construir a organização local a partir da autonomia, mas sem deixar de contribuir para que o horizonte seja conquistar o poder. O Podemos tampouco pode se considerar o “partido dos partidos”, sua tarefa mais útil para avançar, portanto, tem que ser a de impulsor, animador de uma candidatura-movimento mais ampla que supere o limite de suas fronteiras como partido, que recolha a força municipalista, mas também a de muitos setores sociais organizados, que ainda não entraram em cena ativamente. Essa unidade popular não pode ser apenas um nome, nem ser baseada em pactos entre aparatos políticos ou famílias, e sim deve estar construída ativamente de baixo para cima, alimentando os processos de auto-organização que, como vimos, foram determinantes na campanha Ahora Madrid (candidatura apoiada por Podemos na capital espanhola). Desde os desenhos de Manuela, o canto em flamenco, os cartazes anônimos ou a iniciativa dos taxistas, são expressões de organização popular que supera qualquer aparato ou maquinária eleitoral partidária.

Como fazer isso? A prática e o futuro das CUP´s, e a estrutura do Podemos, devem se colocar a serviço da construção dessa força popular, em torno a um programa centrado na democratização da economia, reverter os cortes sociais e as medidas impulsadas por PP e PSOE nestes últimos anos (e que foram impugnadas nestas eleições) deixar sob controle social os recursos fundamentais que geram riqueza e garantem uma vida digna a todas as pessoas, e que isso seja mais importante que o lucro dos bancos e das grandes empresas.

Agora é hora de desenvolver as hipóteses verificadas nestas eleições (unidade popular, pluralismo, conquistas territoriais e o crescimento de uma proposta abertamente rupturistas) enquanto, nas ruas e instituições, lutamos para conquistar não os discursos, mas sim as melhorias reais para a vida das pessoas. Quase nada, mas a perspectiva está aberta e implica em seguir construindo, sem deixar de refletir sobre os erros cometidos e as insuficiências detectadas. Sem medo, olhando sempre para frente, nos preparando para a próxima batalha insistindo numa estrutura de baixo para cima.


Miguel Urbán é eurodeputado e cofundador do Podemos.
Brais Fernández é redator da Viento Sur.

Fonte: CARTA MAIOR
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...Outra razão é que nossos processos de mudança e transformação, processos revolucionários surgem do voto majoritário do nosso povo, expresso nas urnas. Porque já não é possível pensar em uma solução armada para a revolução. Devemos pensar que a democracia não começa, nem termina nas eleições e que os processos de transformações podem se subordinar a coisas terríveis, como foi o neoliberalismo que degradou, prostituiu, malogrou a democracia para favorecer o interesse de poucos.
Nesse sentido, as novas democracias que surgiram na região são profundamente transformadoras, pois surgem de um novo momento, de sujeitos que serão capazes de reinventar a democracia no século 21 e as revoluções no século 21 porque o ethos revolucionário na América Latina não tem a ver somente a vocação de organizar a transição ao socialismo. Na verdade, as revoluções políticas na região nada têm a ver com o socialismo. São um conjunto de atores que hoje estão ressignificando as palavras democracia e revolução...

...Toda essa força deve se colocada a serviço de impulsar uma grande corrente que, nas próximas eleições presidenciais arrase com a política de cortes de gastos sociais e com a corrupção. Uma corrente rupturista, que supere o regime imposto em 1978 pelos que desenharam o país para o pós-franquismo, criando o sistema de consensos sustentados pelo PP e pelo PSOE. Ainda estamos em tempo de fazer história e temos a fórmula pelo próprio movimento: a unidade popular. Uma fórmula que tem uma orientação de classe determinada. Porque estas eleições também deixaram claro, principalmente para os que professavam uma adoração quase fetichista às classes médias como impulsor de mudanças, que são as classes populares e trabalhadoras as que fazem a história. Para isso, é preciso incorporar ainda mais os que estão embaixo da pirâmide à luta por essa nova política, não somente como eleitores, mas também como participantes, ativistas: queremos uma candidatura presidencial que incorpore os trabalhadores em condições precárias, os sindicalistas, os operários, os desempregados, as garçonetes, as empregadas, etc. Todas essas pessoas que fazem o país funcionar, e que agora devem ser os protagonistas da mudança...

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