quinta-feira, 2 de abril de 2015

Depressão neoliberal

quinta-feira, 2 de abril de 2015



Germanwings e a depressão neoliberal

Por Franco Berardi, no site Outras Palavras:

Dizem que o jovem piloto Andreas Lubitz sofria de crise depressiva e mantinha escondidas da Lufthansa as suas condições psíquicas. Os médicos tinham aconselhado um período de licença do trabalho. Mas isso não é de fato surpreendente: o turbocapitalismo contemporâneo detesta aqueles que pedem para usufruir licenças médicas, e detesta à enésima potência qualquer referência à depressão. Deprimido, eu? Não se fala nunca disso. Eu estou bem, perfeitamente bem, eficiente, alegre, dinâmico, enérgico e acima de tudo competitivo. Faço jogging toda manhã, estou sempre disponível e preparado para coisas extraordinárias. Não seria talvez esta a filosofia do “baixo custo”? Não seríamos talvez rodeados ininterruptamente pelo discurso da eficiência competitiva? Não estaríamos talvez constrangidos no cotidiano a comparar o nosso estado de ânimo com aquela alegria agressiva dos rostos bem sucedidos que aparecem nos anúncios publicitários? Não correríamos talvez o risco de demissão se faltarmos demais ao trabalho por estarmos doentes?

Agora os jornais (os mesmos jornais que há anos vêm nos chamando de pouco esforçados e elogiam a exclusão dos ineficientes) aconselham-nos a prestar mais atenção nos processos seletivos. Teremos controles extraordinários para verificar se os pilotos de avião não sejam desequilibrados, loucos, depressivos, maníacos, melancólicos tristes e abatidos. De verdade? E os médicos? E os coronéis do exército? E os motoristas de ônibus? E os condutores de trem? E os professores de matemática? E os agentes da polícia rodoviária?

Depuremos os deprimidos. Depurêmo-los. Pena que sejam a maioria absoluta da população contemporânea. Não estou falando dos deprimidos declarados, que aliás estão crescendo em proporção, mas daqueles que sofrem de infelicidade, tristeza, desespero, aqueles que raramente informam da situação e o fazem com certa prudência. A incidência de doenças psíquicas tem crescido enormemente nas últimas décadas. A taxa de suicídio, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde, subiu 60% (!) nos últimos quarenta anos.

Quarenta anos? O que isso poderá significar? O que aconteceu nos últimos quarenta anos para que tanta gente se apresse em vestir paletó de madeira? Existirá talvez uma relação entre esse incrível aumento da propensão a abreviar a vida e o triunfo do neoliberalismo, que implica precariedade e competição obrigatória? E existirá talvez uma relação com a solidão de uma geração inteira que cresceu diante da tela, sendo submetida a contínuos estímulos psico-informativos e tocando sempre menos o corpo do outro? Não se esqueçam que, para cada suicídio realizado, existem cerca de vinte tentados sem sucesso. E não se esqueçam que, em muitos países do mundo, os médicos são convidados a ter cautela na hora de atribuir a morte ao suicídio, se não existirem provas evidentes da intenção do falecido. E quantos acidentes de carro ocultam uma intenção suicida mais ou menos consciente?

Não apenas as autoridades de investigação e a companhia aérea revelaram que a causa do desastre aéreo foi o suicídio de um trabalhador que sofria de crise depressiva e que a mantinha escondida, eis que na internet se coloca em marcha o costumeiro exército de teóricos da conspiração. “Até parece que vou acreditar”, dizem aqueles que suspeitam de um complô. Deve ter a mão da CIA, ou talvez Putin, ou quem sabe foi simplesmente um gravíssimo erro da Lufthansa que agora querem esconder do público. Um chargista que se chama Sartori e acredita ser muito espirituoso mostra um cara lendo um jornal com a manchete “Tragédia Airbus: responsável o copiloto deprimido” e fala: “daqui a pouco vão dizer que o ISIS também é feito por deprimidos”.

Olha aí, parabéns. Acertou o ponto em cheio: o terrorismo contemporâneo pode ter mil causas políticas, mas a única causa verdadeira é a epidemia de sofrimento psíquico (e social, mas as duas coisas são uma só) que se está difundindo pelo mundo. É possível explicar o comportamento de um terrorista, de um jovem que se explode para matar uma dezena de outros seres humanos, apenas em termos políticos, ideológicos, religiosos? Certo que se pode, mas vai ser conversa fiada. A verdade é que quem se mata considera a vida um peso intolerável, e vê na morte a única salvação, na tragédia a única vingança. Uma epidemia de suicídio se abateu sobre o planeta Terra, porque por décadas se pôs pra rodar uma gigantesca fábrica de infelicidade de onde parece cada vez mais impossível escapar.

Aqueles que em todo lugar veem um complô deveriam parar de buscar uma verdade escondida, deveriam em vez disso interpretar diversamente a verdade evidente. Andreas Lubitz se trancou naquela maldita cabine porque a dor que sentia dentro de si era de fato insuportável, e porque acusava daquela dor os 150 passageiros e colegas que voavam com ele, e todos os outros seres humanos que como ele são incapazes de libertar-se da infelicidade que devora a humanidade contemporânea, desde que a publicidade nos submeteu a um bombardeio de felicidade obrigatória, desde que a solidão digital multiplicou os estímulos e isolou cada um dos corpos, desde quando o capitalismo financeiro nos constrangeu a trabalhar o dobro para ganhar a metade.

* Tradução de Bruno Cava.
 
Fonte: Blog do Miro
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Passados alguns dias do acidente nos Alpes franceses, começam a surgir, felizmente, análises equilibradas no universo midiático.
E obviamente, tais análises são exceção em uma mídia mundial sempre disposta a jogar tudo de encontro as rochas.
Assim como Alberto Dines, em seu excelente texto acima, fiquei perplexo com esse episódio e , no momento em que escrevo esse texto , em que faço com que as pontas de meus dedos se choquem com as teclas de um teclado frio e distante, mesmo estando tão próximo,  não encontrei nenhuma explicação para a tragédia, assim como tenho rejeitado todas as narrativas oriundas de  uma imprensa apressada em tudo justificar.
Como sempre tem acontecido desde o 11 de setembro, o terrorismo é sempre a primeira hipótese para acidentes com mortes e, uma vez descartada a hipótese matter, distúrbios mentais dos autores sempre surgem em segundo lugar.
Como se atos de terrorismo não fossem um distúrbio dos autores, uma irracionalidade em nome da razão.

Como se o reducionismo simplista , limitado e apressado também não fosse um distúrbio.
No mundo dos distúrbios, estados nacionais em nome da segurança agem da mesma maneira que os terroristas, de forma racional, em nome da segurança e em defesa da civilização próspera , civilizada, saudável.
O jovem alemão , bem sucedido profissionalmente, não foi o primeiro  a assombrar o mundo e certamente não será o último.
Centenas ou milhares de casos de atiradores  que resolvem sair por aí atirando e matando qualquer pessoa que encontram pela frente, tem sido lugar comum no noticiário, que , como de costume, tentar encerrar o assunto atribuindo problemas mentais aos criminosos.
Que uma pessoa que resolve  matar outros , conhecidos ou não, sem nenhum motivo aparente, certamente tem algum distúrbio, ou , quem sabe um mix de fast distúrbios, isso me parece óbvio.

No entanto, a velha mídia apressada, mesmo diante de tantas evidências que se repetem e não mais podem ser apenas justificadas como problemas pontuais, sempre volta aos distúrbios psicológicos do agressor como sendo a causa última .
Seria tal forma de relatar a realidade também um distúrbio ?
Um mundo de desequilibrados, onde a suposta alegria das pessoas  nada mais seria do que uma representação para atender códigos sociais.
Sorria, afinal, você está sendo filmado e deve ficar feliz também por esse fato.
Abra e beba a felicidade, diz o comercial do símbolo maior de todos os distúrbios.
Trabalhe muito, seja competitivo, desconfie de tudo e de todos, vigie seu vizinho, afinal, viver é uma guerra e somente os mais fortes irão sobreviver.
Caso se sinta triste, vá a um shopping center, compre uma roupa nova, o tênis da moda, ou quem sabe, até mesmo troque de carro,  a sensação de felicidade será instantânea, e você poderá mostrar para seus "amigos" como você é feliz e bem sucedido, afinal viver é ganhar e acumular, sempre o máximo.
As praças de alimentação de um shopping center são o divã da pós modernidade , que pode resolver todo tipo de angústia e de sofrimento, essa é a mensagem explícita e implícita de um mundo de distúrbios, ancorado em coisas, onde qualquer coisa passa a ter um valor , um preço.
Ao sucesso, mesmo que seja lembrado somente após a morte, como tem sido uma constante nos filmes de Hollywood:
"certamente se assim agirmos iremos morrer, no entanto eles também morrerão e nossos nomes serão nomes de escolas públicas, para eternidade"

A passagem acima é comum nos filmes atuais.

Sucesso, competição e coisas.

Tudo e todos são coisas, que se pode atribuir um valor, construindo, dessa forma, um fundamentalismo materialista, não muito diferente de outras expressões de fundamentalismos.

No mundo dos fundamentalismos, o distúrbio reina, naturalmente, socialmente aceito, no entanto sempre que atos extremos acontecem a causa apresentada pela mídia sempre diz respeito a um distúrbio, individual, pontual, algo fora da curva e que não merece grande destaque.

O estresse é a doença da pós modernidade, sendo que na mesma França que agora sente-se perplexa com o acidente, recentemente um estudo revelou o crescente número de suicídios de empregados em determinadas empresas.

Na Alemanha, os índices de absenteísmo e de alcoolismo no trabalho não devem ser desprezados.

No mundo das coisas , do quantitativo, a felicidade pode ser encontrada ao se abrir uma garrafa de refrigerante, pelo menos é o que diz a mensagem publicitaria.

Os momentos de  tristeza, como manifestações normais da natureza humana, são vistos como sérios problemas psicológicos e socialmente não são aceitos , já que no mundo civilizado e próspero seria inconcebível não ser  feliz, alegre, risonho.

Momentos de tristeza , assim como momentos de felicidade, são normais e fazem parte da natureza humana.

O excesso e a persistência de um ou outro em prevalecer, merece atenção.

Rir de tudo pode indicar sinais de desespero.

Uma tristeza crônica , também merece cuidados.

No entanto, qualquer tristeza no mundo civilizado atual, é imediatamente rotulado como um problema grave, que requer cuidados médicos e remédios pesados.

No mundo dos distúrbios, a doença é um grande negócio, talvez mais um distúrbio da natureza nada humana dos negócios da medicina humana.

Suicídios tem crescido em todo o mundo, talvez como uma forma de libertação por parte de seus praticantes e as razões , certamente são os tais distúrbios, e eles são muitos em um mundo de distúrbios, de desequilibrados - inclusive, você, caro leitor - de midiotas.

A partir de agora, pilotos não ficarão mais sozinhos no bunker que se tornou a cabine de comando de um avião pós 11 de setembro.

Serão vigiados em suas vidas particulares, assim como seus familiares, e devem sorrir o dia inteiro.

Essa , certamente, será a resposta para evitar que distúrbios não acabem com todos nas rochas.

Afinal foram 150 vidas, algo insiginificante para as centenas de vidas que desaparecem diariamente vítimas da fome, um distúrbio socialmente aceitável, já que os famintos são seres incapazes , fracos, inaptos, para um mundo alegre, civilizado , próspero e evoluído.

Talvez o jovem alemão tenha sofrido uma desilusão amorosa, algo normal na vida de qualquer pessoa.

Há mais ou menos 40 anos , Aldir Blanc escreveu a canção abaixo, que em uma passagem , o personagem triste e deprimido vê a morte como uma solução, no entanto teve um amigo para conversar.

No mundo atual, onde todos estão sitiados e paradoxalmente conectados, tem crescido o número de pessoas que encontram no suicídio a saída.

Afinal, para todo suicida, o suicídio é uma decisão racional e libertadora.

Mundo esquisito e doentio esse em que vivemos.

                                  Amigo é Para Essas Coisas
Autores: Aldir Blanc e Silvo da Silva

           
- Salve!
- Como é que vai?
- Amigo, há quanto tempo!
- Um ano ou mais
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor
- A vida é um dilema
- Nem sempre vale a pena
- Pô...
- O que é que há?
- Rosa acabou comigo
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus sabe o motivo
- Deus é bom
- Mas não foi bom pra mim
- Todo amor um dia chega ao fim
- Triste
- É sempre assim
- Eu desejava um trago
- Garçom, mais dois
- Não sei quando eu lhe pago
- Se vê depois
- Estou desempregado
- Você está mais velho
- É
- Vida ruim
- Você está bem disposto
- Também sofri
- Mas não se vê no rosto
- Pode ser
- Você foi mais feliz
- Dei mais sorte com a Beatriz
- Pois é
- Vivo bem
- Pra frente é que se anda
- Você se lembra dela?
- Não
- Lhe apresentei
- Minha memória é fogo!
- E o l´argent?
- Defendo algum no jogo
- E amanhã?
- Que bom se eu morresse!
- Pra quê, rapaz?
- Talvez Rosa sofresse
- Vá atrás!
- Na morte a gente esquece
- Mas no amor a gente fica em paz
- Adeus
- Toma mais um
- Já amolei bastante
- De jeito algum!
- Muito obrigado, amigo
- Não tem de quê
- Por você ter me ouvido
- Amigo é pra essas coisas
- Tá
- Tome um Cabral
- Sua amizade basta
- Pode faltar
- O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará

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