quinta-feira, 19 de março de 2015

Picaretas e achacadores

Cid Gomes chama Eduardo Cunha de “achacador”, perde o cargo, e leva Congresso para o centro da crise

Reprodução
O ministro Cid Gomes foi ao Congresso preparado para o confronto. Preparado, talvez, para sair do governo “por cima”. Dias antes, disse que o Congresso estava cheio de “achacadores”. Foi chamado para dar explicações, num clima de intimidação institucional comandado por Cunha
19/03/2015
Por Rodrigo Vianna
Dilma escolheu hoje o seu Ulysses Guimarães. Ele se chama Eduardo Cunha.
Para os mais novos: no governo Sarney, um presidente fraco virou refém das artimanhas e manobras do político mais habilidoso do Congresso, não à toa chamado de “Dr” Ulysses.
Dilma, hoje, deixou às claras quem manda no governo.
O ministro Cid Gomes foi ao Congresso preparado para o confronto. Preparado, talvez, para sair do governo “por cima”. Dias antes, disse que o Congresso estava cheio de “achacadores”. Foi chamado para dar explicações, num clima de intimidação institucional comandado por Cunha.
Cid disse o óbvio aos parlamentares:  “partidos de oposição têm o dever de fazer oposição. Partidos de situação têm o dever de ser situação ou então larguem o osso, saiam do governo”.
A frase alterou ainda mais os ânimos. Cid foi chamado de mal-educado. E devolveu, apontando para Cunha: “prefiro ser acusado por ele de mal-educado do que ser acusado como ele de achaque”.
Ok. O gesto de Cid pode ter carregado algo de oportunismo, num momento tão duro para o governo. Mas ao menos deixa tudo às claras. Ele botou o guizo no gato. Qual a causa da corrupção na política?  Dilma e o PT ou os “achacadores”?
Cid cumpriu um papel didático, e Cunha “Underwood” Cunha usou o Plenário como se fosse sua casa cercada de seguranças no Alto da Gávea (pelo menos era lá que ele morava em 2001, quando fui recepcionado por um capanga de revólver na cintura, ao tentar entregar um envelope para a mulher dele, Claudia Cruz – colega jornalista).
Eduardo Cunha não é Ulysses. É doutor só na truculência.
Cid saiu de plenário com dignidade. Ao cravar o “achacador” na cara de Cunha, levou o Congresso para o centro da crise. O DataFolha, que mostrou a queda de popularidade de Dilma, indicou também que só 9% aprovam a atuação dos parlamentares.
Contestada nas ruas por setores golpistas, Dilma entrega seu governo ao PMDB de Cunha. O presidente da Câmara, sentado em sua cadeira, foi quem anunciou a demissão de Cid Gomes.
A pancadaria verbal de hoje pode arrastar não só Dilma, mas o Parlamento e as instituições políticas para o contro da crise.
Parece não haver volta no caminho escolhido por Dilma. O programa do segundo turno não será retomado. O PMDB, chefiado por um deputado chamado de “achacador” na tribuna, é quem garante “governabilidade”.
Isso não vai dar certo.
A esquerda e os movimentos sociais, parece-me, devem seguir enfrentando os golpistas e rechaçando qualquer tentativa de mudar – na marra e no grito – o resultado eleitoral de 2014. Além do mais, devem enfrentar a horrorosa pauta que brotou do asfalto de Copacabana e da avenida Paulista nesse dia 15.
Mas, ao mesmo tempo, está claro que é cada vez mais improvável se construir uma saída sob comando desse governo – sequestrado por Cunha e tomado pela letargia.
A saída não é, nem de longe, trabalhar contra o governo Dilma. Mas para além do governo.
Uma Reforma Política que brote da força das ruas é a única saída pela esquerda. Há força pra isso?
Fonte: BRASIL DE FATO
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Na década de 1980, o então deputado federal Luís Inácio Lula da Silva disse que na câmara existiam uns trezentos picaretas.
A declaração de Lula repercutiu e por pouco o deputado não foi processado.
No entanto, os 300 picaretas foram bem entendidos pela população e a expressão se fez presente em uma canção da banda Paralamas do Sucesso.
Lula  na época falou a verdade, o que seguramente incomodou a maioria, ou seja, os 3o0 picaretas.
Passados quase trinta anos, sempre os trinta anos, agora é a vez de Cid Gomes dizer em alto e bom som que na câmara existem  uns 400 achacadores.
De 300 para 400, foi a inflação.
A reação da Câmara, ou seja da maioria dos deputados, foi de uma profunda indignação por terem sidos acusados, injustamente segundo os 400, de achacadores.
Seguramente a maioria da  população concordará com Cid Gomes.
Adicione-se ainda a nova crise a Lista de Janot, que apontou um número expressivo de deputados federais  supostamente envolvidos em esquemas de corrupção.
Se a declaração de Cid Gomes vai gerar mais uma crise no governo, isso é irrelevante no momento atual.
Por outro lado, Cid Gomes , que falou a verdade, colocou o foco na discussão de uma profunda reforma política, que dentre outras coisas, venha a acabar com o financiamento privado de campanhas.
Cabe lembrar ao caro e atento leitor, que o PMDB , as oposições, a velha mídia e aqueles partidos fisiológicos, não querem de maneira nenhuma uma reforma política profunda que venha a sanear as campanhas eleitorais e os partidos políticos existentes. E ainda, a proposta de reforma política que está tramitando atualmente na Câmara dos Deputados, é uma reforma picareta, que muda para não mudar nada, e tem o apoio do PMDB, velha mídia , oposições e , provavelmente, dos paneleiros chiques  e raivosos que saíram às ruas no último domingo.
Na política da chantagem, ou do achaque , o deputado pelo PMDB do clã Picciani, gritou que se Cid Gomes não deixasse o ministério do governo Dilma após a  declaração , o PMDB deixaria a aliança que sustenta o governo.
Que aliados, hein, caro leitor ?
No meio dessa confusão de crises, o governo acena com uma reforma ministerial, que se bem conduzida pode melhorar o quadro .
Quanto a base de partidos aliados, o governo bem que poderia costurar alianças com outros partidos na Câmara, para minimizar o peso do PMDB. Isso é possível.
Deve também, o governo, não abrir mão da reforma política profunda, do imposto sobre fortunas e da proposta de regulação dos meios de comunicação.
É dever das esquerdas, no momento, trabalhar em apoio ao governo Dilma e para além dele.

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