sábado, 28 de março de 2015

Amigo é pra essas coisas

TRAGÉDIA DA GERMANWINGS

Reflexos alpinos

Por Alberto Dines em 28/03/2015 na edição 843
Reproduzido da Gazeta do Povo (Curitiba, PR) e Correio Popular (Campinas, SP), 28/3/2015; intertítulo do OI
              
A nova tragédia aérea, desta vez nos Alpes franceses, espalhou pelo mundo uma sensação de assombro e desconforto, perplexidade imprecisa, terrivelmente incômoda.

As insondáveis razões que levaram o copiloto alemão – 28 anos, desde os 14 no ar, maratonista, boa pinta, sem problemas financeiros – a deixar o comandante fora da cabine enquanto jogava a aeronave contra a montanha, colocam uma humanidade já desnorteada por tantos pavores diante de nova e surpreendente impotência.

O que fazer? Que providências tomar se Andreas Lubitz era deprimido, saturnino ou atrabiliário? Demitir imediatamente todos os tristes? Ou apenas os misantropos? Sem eles, porém, o mundo não teria avançado nem produzido tanta beleza. O “fígado negro” (schwarzer Leber, em alemão) é indispensável à introspecção. Ensimesmados sempre foram considerados os mais conscientes, sensíveis, por que são considerados como perigo?

Desta vez não houve um culpado em quem descarregar a revolta. Não apareceu até agora um vilão para ser demonizado e aliviar a imperiosa necessidade de punir este extermínio. Nenhum ismo está sendo empurrado para o banco dos réus, facção alguma está sendo incriminada como responsável.

Sem estúpidos para punir, a estupidez que resta avaliar é a própria condição humana. Complicado. Qual a mensagem que Andreas Lubitzer pretendia nos enviar ao estraçalhar tantos inocentes? Nossa fabulosa racionalidade e a inesgotável capacidade de interpretar estão sem elementos para armar teorias, explicar, justificar. Nem mesmo relativizar.



Dez minutos


Hobbes mais uma vez comparece à cena para sugerir que o homem é o lobo do homem. Antes sugerira o Estado como salvador – forte ou fraco, aberto ou fechado, ativo ou passivo, laico ou religioso, progressista ou conservador – o Estado seria o único ente capaz de oferecer saídas.

O Estado, porém, é integrado por seres humanos. E seres humanos encarregados de zelar pelo bem-estar dos concidadãos não podem alhear-se da tragédia alpina. Desafiar o mundo, dominá-lo e impor suas loucuras era coisa dos Neros, Hitlers, coisa de tiranos caducos. A nova onipotência parece consistir em trancar-se numa cabine inacessível, acionar as teclas e despedaçar a aeronave contra a muralha de pedras.

Com os dados de que dispomos até o momento, Andreas Lubitz nada inovou, teve inúmeros antecessores e neste exato momento há milhares de candidatos à imolação que se encarceram em cápsulas indevassáveis e diante do painel de comando estão prestes a clicar o fim do espetáculo.

Andreas Lubitz agiu sozinho. Este é o perigo. Prioritário salvar os que se sentem sozinhos, resgatá-los da solidão, derrubar portas trancadas, forçar a passagem de sons, luz, ar, palavras – nada pior do que o isolamento para toldar ainda mais o espírito daqueles que se imaginam enredados em impasses. Num mundo enganosamente franqueado, vigoram dispositivos aptos apenas a fabricar estados de sítio. Aos sitiados e sitiadores – igualmente estressados – devemos oferecer saídas, soluções, algum alívio. Talvez uma réstia de confiança de que não estão sozinhos.

A agonia de Andreas Lubitz e dos seus 149 parceiros demorou quase dez minutos. Neste imenso lapso de tempo é possível desfazer rancores, insinuar pactos, instilar alguma esperança e com o mindinho levantar o nariz do avião. Se todos parecem inimigos, dez minutos serão suficientes para estabelecer diferenças.

Diante da medonha façanha de Andreas Lubitz o mundo deveria parar e pensar.

Talvez esta tenha sido sua verdadeira intenção.



Fonte: OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA
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A depressão é a culpada pela tragédia do vôo da Germanwings?

Andreas
Andreas Lubitz, o copiloto
Publicado na BBC Brasil.

Nas manchetes de jornais em todo o mundo aparece a afirmação de que o copiloto do avião da Germanwings, Andreas Lubitz, sofria de depressão.
O tablóide britânico Daily Mail, no entanto, foi mais além: “Piloto suicida tinha longo histórico de depressão – por que o deixaram voar?”
Ainda não se sabe exatamente o que aconteceu nos momentos finais do voo 4U 9525. O que sabemos é que na terça-feira, o avião foi deliberadamente pilotado para uma colisão nos alpes franceses, matando 150 pessoas.
Na sexta-feira, os investigadores revelaram que atestados médicos rasgados foram encontrados na casa de Lubitz, inclusive um para o dia do acidente, que a Germanwings diz não ter recebido.
Um hospital alemão confirmou que ele havia recebido tratamento médico em março e no mês passado, mas negou que o problema em questão fosse depressão.
A teoria de que uma doença mental teria afetado o copiloto ganhou espaço na mídia alemã, que cita documentos da autoridade nacional de aviação. Os documentos teriam dito que Lubitz sofreu um sério episódio depressivo durante seu treinamento para ser piloto em 2009.
No entanto, jornais britânicos que ligaram os problemas mentais de Lubitz a suas ações estão sendo acusados por especialistas e leitores de serem “simplistas demais”.

‘Tenho depressão e não quero matar pessoas’

Três dos principais grupos ativistas de saúde mental da Inglaterra – Mind, Time to Change e Rethink Mental Illness – divulgaram um comunicado em conjunto condenando a “especulação difundida” a respeito da condição do copiloto, dizendo que as manchetes contribuem “para o estigma que já existe ao redor dos problemas de saúde mental”.
“Todo mundo está tentando entender o que aconteceu neste acidente terrível com o avião, mas há um perigo real de que a correlação que está sendo feita entre depressão e este ato seja muito simplista e não tenha provas suficientes”, disse Paul Farmer, diretor executivo do Mind, à BBC.
“A impressão que se dá é a de que as pessoas com depressão podem ser perigosas, e não há nenhuma prova disso. Há milhares de pessoas que trabalham em cargos estressantes e importantes que lutam contra a depressão e fazem seus trabalhos muito bem.”
A hashtag #Timetochange (Tempo de mudar, em português), que critica a cobertura da imprensa, está entre os assuntos mais comentados do Twitter britânico. Personalidades pedem que o acidente não confunda pessoas deprimidas com “assassinos”.
O escritor Matt Haig disse no Twitter que “A depressão pode fazer com que a pessoa machuque a si mesma. Mas nunca fez – em 15 anos intensos – com que eu ou qualquer pessoa que eu conheço quisesse machucar outras pessoas”.
No Brasil, já começam a repercutir nas redes sociais as manchetes de portais de notícias afirmando que o copiloto “tinha depressão”

Especulação

Promotores alemães afirmam que Lubitz escondeu detalhes de uma doença da empresa onde trabalhava, mas o tablóide alemão Bild diz que sua pesquisa sobre o passado de Andreas Lubitz sugere um histórico de depressão.
A Lufthansa, segundo o tablóide, teria afirmado que Lubitz interrompeu seu treinamento para ser piloto para receber tratamento médico. Fontes não nomeadas na empresa, citadas pelo tabloide, teriam afirmado que a interrupção foi causada por um problema psicológico.
No total, Lubitz teria feito tratamento psicológico durante um ano e meio durante o treinamento e diagnosticado, em 2009, com um “episódio depressivo severo”.
A revista semanal Der Spiegel diz que investigadores teriam encontrado, no apartamento de Lubitz em Dusseldorf, provas de que ele sofria de um distúrbio psicológico. A revista, no entanto, afirma que não sabe exatamente que provas seriam estas.

Depressão poderia ter causado acidente?

A depressão é uma doença séria, que afeta cada pessoa de maneira diferente. Indivíduos que sofrem de depressão podem atingir um estado tal de alienação que são capazes de tentar tirar as próprias vidas – mas a maioria das pessoas deprimidas não tentaria causar dano a ninguém além de si mesmas.
A psicóloga britânica Jennifer Wild, da Universidade de Oxford, disse ao jornal The Times que o “pensamento irracional” por trás das ações de Lubitz na cabine podem ter sido motivados por depressão causada por algum episódio traumático recente. “Talvez nesse estado ele não tenha considerado as consequências de suas ações, ou talvez não se importasse por estar consumido pela ideia de pôr fim a sua vida”, afirma.
Wild diz ainda que o uso de drogas ou um acesso extremo de raiva também poderia explicar tais ações.
No entanto, o registro da caixa preta do avião mostra o que seria a respiração calma de Lubitz enquanto supostamente apertava botões que levariam o avião à queda. Isso levou à especulação de que o copiloto poderia ser um psicopata. No entanto, Wild explica que psicopatas geralmente evitam infligir dano a si mesmos.
“Devemos ter cuidado para não fazer julgamentos apressados”, disse o professor Simon Wessely, presidente do Royal College of Psychiatrists, na Grã-Bretanha. “Se realmente for comprovado que o piloto tinha um histórico de depressão, precisamos nos lembrar que milhões de pessoas também têm, incluindo pilotos que conduzem voos com total segurança até muitos anos depois de serem tratados.”
“A depressão geralmente é tratável. A maior barreira para que as pessoas consigam ajuda é o estigma e o medo de serem descobertas. Neste país, percebemos uma diminuição recente desse estigma e uma abertura maior para buscar ajuda. Recomendamos evitar decisões apressadas que podem tornar mais difícil que pessoas com depressão recebam o tratamento apropriado”, alerta.

Fonte: DIÁRIO DO CENTRO DO MUNDO
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Passados alguns dias do acidente nos Alpes franceses, começam a surgir, felizmente, análises equilibradas no universo midiático.
E obviamente, tais análises são exceção em uma mídia mundial sempre disposta a jogar tudo de encontro as rochas.
Assim como Alberto Dines, em seu excelente texto acima, fiquei perplexo com esse episódio e , no momento em que escrevo esse texto , em que faço com que as pontas de meus dedos se choquem com as teclas de um teclado frio e distante, mesmo estando tão próximo,  não encontrei nenhuma explicação para a tragédia, assim como tenho rejeitado todas as narrativas oriundas de  uma imprensa apressada em tudo justificar.
Como sempre tem acontecido desde o 11 de setembro, o terrorismo é sempre a primeira hipótese para acidentes com mortes e, uma vez descartada a hipótese matter, distúrbios mentais dos autores sempre surgem em segundo lugar.
Como se atos de terrorismo não fossem um distúrbio dos autores, uma irracionalidade em nome da razão.

Como se o reducionismo simplista , limitado e apressado também não fosse um distúrbio.
No mundo dos distúrbios, estados nacionais em nome da segurança agem da mesma maneira que os terroristas, de forma racional, em nome da segurança e em defesa da civilização próspera , civilizada, saudável.
O jovem alemão , bem sucedido profissionalmente, não foi o primeiro  a assombrar o mundo e certamente não será o último.
Centenas ou milhares de casos de atiradores  que resolvem sair por aí atirando e matando qualquer pessoa que encontram pela frente, tem sido lugar comum no noticiário, que , como de costume, tentar encerrar o assunto atribuindo problemas mentais aos criminosos.
Que uma pessoa que resolve  matar outros , conhecidos ou não, sem nenhum motivo aparente, certamente tem algum distúrbio, ou , quem sabe um mix de fast distúrbios, isso me parece óbvio.

No entanto, a velha mídia apressada, mesmo diante de tantas evidências que se repetem e não mais podem ser apenas justificadas como problemas pontuais, sempre volta aos distúrbios psicológicos do agressor como sendo a causa última .
Seria tal forma de relatar a realidade também um distúrbio ?
Um mundo de desequilibrados, onde a suposta alegria das pessoas  nada mais seria do que uma representação para atender códigos sociais.
Sorria, afinal, você está sendo filmado e deve ficar feliz também por esse fato.
Abra e beba a felicidade, diz o comercial do símbolo maior de todos os distúrbios.
Trabalhe muito, seja competitivo, desconfie de tudo e de todos, vigie seu vizinho, afinal, viver é uma guerra e somente os mais fortes irão sobreviver.
Caso se sinta triste, vá a um shopping center, compre uma roupa nova, o tênis da moda, ou quem sabe, até mesmo troque de carro,  a sensação de felicidade será instantânea, e você poderá mostrar para seus "amigos" como você é feliz e bem sucedido, afinal viver é ganhar e acumular, sempre o máximo.
As praças de alimentação de um shopping center são o divã da pós modernidade , que pode resolver todo tipo de angústia e de sofrimento, essa é a mensagem explícita e implícita de um mundo de distúrbios, ancorado em coisas, onde qualquer coisa passa a ter um valor , um preço.
Ao sucesso, mesmo que seja lembrado somente após a morte, como tem sido uma constante nos filmes de Hollywood:
"certamente se assim agirmos iremos morrer, no entanto eles também morrerão e nossos nomes serão nomes de escolas públicas, para eternidade"

A passagem acima é comum nos filmes atuais.

Sucesso, competição e coisas.

Tudo e todos são coisas, que se pode atribuir um valor, construindo, dessa forma, um fundamentalismo materialista, não muito diferente de outras expressões de fundamentalismos.

No mundo dos fundamentalismos, o distúrbio reina, naturalmente, socialmente aceito, no entanto sempre que atos extremos acontecem a causa apresentada pela mídia sempre diz respeito a um distúrbio, individual, pontual, algo fora da curva e que não merece grande destaque.

O estresse é a doença da pós modernidade, sendo que na mesma França que agora sente-se perplexa com o acidente, recentemente um estudo revelou o crescente número de suicídios de empregados em determinadas empresas.

Na Alemanha, os índices de absenteísmo e de alcoolismo no trabalho não devem ser desprezados.

No mundo das coisas , do quantitativo, a felicidade pode ser encontrada ao se abrir uma garrafa de refrigerante, pelo menos é o que diz a mensagem publicitaria.

Os momentos de  tristeza, como manifestações normais da natureza humana, são vistos como sérios problemas psicológicos e socialmente não são aceitos , já que no mundo civilizado e próspero seria inconcebível não ser  feliz, alegre, risonho.

Momentos de tristeza , assim como momentos de felicidade, são normais e fazem parte da natureza humana.

O excesso e a persistência de um ou outro em prevalecer, merece atenção.

Rir de tudo pode indicar sinais de desespero.

Uma tristeza crônica , também merece cuidados.

No entanto, qualquer tristeza no mundo civilizado atual, é imediatamente rotulado como um problema grave, que requer cuidados médicos e remédios pesados.

No mundo dos distúrbios, a doença é um grande negócio, talvez mais um distúrbio da natureza nada humana dos negócios da medicina humana.

Suicídios tem crescido em todo o mundo, talvez como uma forma de libertação por parte de seus praticantes e as razões , certamente são os tais distúrbios, e eles são muitos em um mundo de distúrbios, de desequilibrados - inclusive, você, caro leitor - de midiotas.

A partir de agora, pilotos não ficarão mais sozinhos no bunker que se tornou a cabine de comando de um avião pós 11 de setembro.

Serão vigiados em suas vidas particulares, assim como seus familiares, e devem sorrir o dia inteiro.

Essa , certamente, será a resposta para evitar que distúrbios não acabem com todos nas rochas.

Afinal foram 150 vidas, algo insiginificante para as centenas de vidas que desaparecem diariamente vítimas da fome, um distúrbio socialmente aceitável, já que os famintos são seres incapazes , fracos, inaptos, para um mundo alegre, civilizado , próspero e evoluído.

Talvez o jovem alemão tenha sofrido uma desilusão amorosa, algo normal na vida de qualquer pessoa.

Há mais ou menos 40 anos , Aldir Blanc escreveu a canção abaixo, que em uma passagem , o personagem triste e deprimido vê a morte como uma solução, no entanto teve um amigo para conversar.

No mundo atual, onde todos estão sitiados e paradoxalmente conectados, tem crescido o número de pessoas que encontram no suicídio a saída.

Afinal, para todo suicida, o suicídio é uma decisão racional e libertadora.

Mundo esquisito e doentio esse em que vivemos.

                                  Amigo é Para Essas Coisas
Autores: Aldir Blanc e Silvo da Silva

           
- Salve!
- Como é que vai?
- Amigo, há quanto tempo!
- Um ano ou mais
- Posso sentar um pouco?
- Faça o favor
- A vida é um dilema
- Nem sempre vale a pena
- Pô...
- O que é que há?
- Rosa acabou comigo
- Meu Deus, por quê?
- Nem Deus sabe o motivo
- Deus é bom
- Mas não foi bom pra mim
- Todo amor um dia chega ao fim
- Triste
- É sempre assim
- Eu desejava um trago
- Garçom, mais dois
- Não sei quando eu lhe pago
- Se vê depois
- Estou desempregado
- Você está mais velho
- É
- Vida ruim
- Você está bem disposto
- Também sofri
- Mas não se vê no rosto
- Pode ser
- Você foi mais feliz
- Dei mais sorte com a Beatriz
- Pois é
- Vivo bem
- Pra frente é que se anda
- Você se lembra dela?
- Não
- Lhe apresentei
- Minha memória é fogo!
- E o l´argent?
- Defendo algum no jogo
- E amanhã?
- Que bom se eu morresse!
- Pra quê, rapaz?
- Talvez Rosa sofresse
- Vá atrás!
- Na morte a gente esquece
- Mas no amor a gente fica em paz
- Adeus
- Toma mais um
- Já amolei bastante
- De jeito algum!
- Muito obrigado, amigo
- Não tem de quê
- Por você ter me ouvido
- Amigo é pra essas coisas
- Tá
- Tome um Cabral
- Sua amizade basta
- Pode faltar
- O apreço não tem preço, eu vivo ao Deus dará

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