segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Uma grande inteligência

Ratos e urubus, larguem nossas fantasias

5 de janeiro de 2015 | 12:08 Autor: Fernando Brito
reveillon
Não há nada mais importante para destruir um povo do que lhe  tirar aquilo que o define: sua identidade , a capacidade de sonhar coletivamente e fazer juntos.
E esta identidade, desde os primórdios da civilização, encontra – próprias ou “importadas e adaptadas” –  as festas como expressão deste sentir coletivo.
Tão intenso que Leonardo Boff, ao defini-las, disse que são “o tempo forte da vida, onde os homens dizem sim a todas as coisas”.
Os mecanismos de dominação, com todo o seu poder, se apropriam das representações simbólicas desta identidade, esvaziam seu significado, empresariam-nas, comercializam-nas e as tentam moldar aquilo que é da própria natureza da dominação: a exploração econômica.
E, no entanto, aquele sentido permanece.
Talvez seja a coisa mais importante a se aprender em política, em economia, na vida.
Que os ratos e urubus, como delirou genialmente o Joãosinho Trinta, querem sempre rasgar as nossas fantasias coletivas.
Os nossos sonhos e desejos.
Vivemos – ou viveram vocês, porque minha vocação de eremita vem de longe – nestes últimos dias, um destes momentos, o Ano Novo.
Aliás, até o “Réveillon” é outra destas magníficas provas de que o povão recebe, digere e sintetiza, porque não é palavra de uso corrente nem no francês, onde designava uma ceia tardia, própria do Natal. No meu tempo de guri, só os metidos a besta usavam a palavra e eu, na tolice própria dos pretensiosos, custei a ver este macunaímico processo de fagia de sentido.
Sobre isso, recebo e partilho duas reflexões.
A de meu velho mestre Nílson Lage e a do meu ex-calouro (que hoje tem mais cabelos brancos e mais talento do que eu) Fernando Mollica, colunista de O Dia.
É minha maneira, furtada, de desejar a todos que possamos, apesar dos que nos acenam com o inferno e a danação do desastre nacional, um feliz 2015.
 Nílson Lage
O importante, no carnaval e no reveillon de Copacabana, é que são invenções e realizações magníficas do nosso povo que, a princípio, tentaram excluir e sabotar e, agora, fingem promover.
Lembro-me bem das medidas “profiláticas” tomadas para impedir que as praias fossem “emporcalhadas” pelos despachos a Iemanjá e os moradores das vizinhanças “perturbados” pela gritaria dos festeiros; das ameaças de repressão policial e das pressões da Arquidiocese sobre a redação do Jornal do Brasil.
Ainda no final da década de 1970, a Rede Globo, empenhada em eliminar da programação resíduos do que os militares consideravam inoportuno ou grotesco, reduziu ao máximo a cobertura dos desfiles de escolas de samba, com o slogan “A programação normal e o melhor do carnaval”.
Foi quando Fernando Pamplona, superintendente da Fundação TV Educativa do Rio de Janeiro, com meu modesto apoio (era gerente de jornalismo), mobilizou os recursos modestíssimos da emissora e pôs no ar a transmissão completa dos desfiles.
Eu estava no controle mestre e recebia, sem parar, telefonemas de todos os estados e do exterior pedindo que abrisse o sinal para inclusão na rede.
Foi aí que a Globo decidiu negociar com os bicheiros das escolas de samba, pagou uma nota, segurou a exclusividade e até hoje reduz a cobertura o quanto pode, com chamadinhas ridículas das músicas, a indefectível novela cobrindo o início do desfile, a narração desinformada e palpiteira, tudo enfeitado com as curvas da Globeleza, invenção romântica do Hans Donner.
Mas a festa resiste. Aos palanques, aos bicheiros, aos carolas, aos Marinho, às vedetes. Foi nela que primeiro se ouviu falar de Chica da Silva, que Delmiro Gouveia foi, enfim, lembrado, que o Cristo Trabalhador coberto em um manto negro mostrou que a fé do povo vai muito além dos ditames seculares da hierarquia da Igreja.
É o DNA, a origem, o que diferencia o carnaval e o reveillon do Rio de quantos o copiaram.
A nossa bela insanidade
Fernando Mollica
O Réveillon de Copacabana é, de longe, campeão em matéria de insanidade carioca que dá certo. A festa tinha tudo para dar errado numa cidade imensa, marcada pela beleza mas também pela violência e exclusão. É inacreditável que o evento se repita há décadas sem que jamais tenha sido registrado um tumulto de grandes proporções — até os de pequena monta são raros. Nem na época em que o Rio era associado a frequentes tiroteios, a passagem de ano na Avenida Atlântica deixou de ser pacífica.
E olha que somos bons em desafiar a lógica. A apresentação das escolas de samba é outro exemplo da nossa capacidade de driblar o impossível. Comecei a frequentar a Sapucaí dois anos antes da construção do Sambódromo, e até hoje não entendo como pode funcionar um espetáculo com 50 mil artistas, quase todos amadores e que se apresentam sem ter participado de um ensaio geral digno desse nome. Conduzir os imensos carros alegóricos pelas ruas e obrigá-los a fazer uma curva de noventa graus para entrar na pista de desfile são atividades que desafiam as leis da física.
Mas nada se compara ao nosso Réveillon, festa que acabou copiada por muitas cidades brasileiras. Aposto que nem no pra lá de organizado e seguro Japão as autoridades teriam coragem de estimular uma confraternização que reunisse tanta gente, a maioria com elevadas doses de álcool no organismo. Estima-se em dois milhões o número de pessoas presentes na praia — um terço da população carioca. A maior parte do público mora longe de Copacabana, passa sufoco para entrar e, principalmente, sair do bairro, enfrenta filas para ir ao banheiro, gasta uma grana para comer e beber por lá. Tudo isso para acompanhar um espetáculo que dura 16 minutos — as atrações musicais são apenas coadjuvantes e não justificariam o deslocamento de tanta gente.
Nem mesmo a beleza dos fogos explica tamanho sucesso de público, o mesmo espetáculo seria incapaz de reunir tantas pessoas se realizado em outra época do ano. A esperança é que justifica a aglomeração e seu caráter pacífico, ninguém ali parece preocupado em atrapalhar os sonhos e os desejos dos outros. Na passagem do dia 31 para o dia 1º saudamos a vida, comemoramos tudo que correu bem e nos damos outra chance de resolver o que ainda está complicado. Tudo isso merece os fogos e a barulheira. O Réveillon de Copa e o desfile das escolas renovam também a nossa fé no país. Não pode dar errado uma sociedade que reúne pessoas capazes de promover as melhores e loucas festas do mundo.

Fonte: TIJOLAÇO
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Existem pessoas com quem por vezes cruzamos caminhos que podem causar alguma estranheza para nós.

Conheci uma assim, que de imediato pensei que fosse de uma burrice sem par, no entanto, com o passar dos dias de convívio , fui percebendo que não  era bem assim.


Aliás, era o oposto.


Sua inteligência era brilhante, porém sua lógica era única, desafiava todos os conceitos sobre o tema.


Certa ocasião,  enquanto comprava pães na padaria de um supermercado, o atendente, um senhor de idade já avançada, depois de lhe entregar o pedido, perguntou-lhe o que mais a moça  iria levar.


Ela, rapidamente, olhou para seu carro de compras e começou a falar sobre todos os produtos que já tinha colocado no carrinho.


O atendente, um tanto surpreso, interrompeu  a moça e disse que se referia sobre a padaria.


É uma questão de lógica.


Assim somos nós, cariocas, brasileiros em geral, em relação a nossa capacidade de organização de grandes eventos.


Nossa lógica é única.


Nos dias que antecederam a copa do mundo, o que mais se ouvia na velha mídia era que passaríamos o maior vexame por conta da bagunça que  era nossa organização para o evento.


Não faltaram famosos que disseram que sairiam do Brasil durante a copa para não ver o vexame da organização.


Os analistas da velha mídia, sempre falantes e cheios de certezas absolutas, afirmavam diariamente que seria um fracasso e que a repercussão iria inviabilizar a realização das olimpíadas em 2016.


Nunca se falou tanta besteira por tanto tempo sobre um determinado assunto.


A copa, como todos sabem foi um sucesso.


A FIFA deu nota 9,25 para a organização do evento, a maior nota  em toda a história das copas.


Na velha mídia, a reação foi de espanto, como sempre, já que esse setor sempre se surpreende com os fatos e acontecimentos, o que revela uma certa falta de compreensão com a  realidade.


Os analistas brasileiros atribuíam o suposto fracasso na organização da copa porque usavam como referência a lógica organizacional dominante na maioria dos países que já tinham organizado eventos similares.


O fato de usar uma referência não tem nada de errado, o errado é não saber usar as referências apropriadas, e mais, desconhecer as especificidades culturais do país, ou , como afirmou Brito no seu artigo acima, negar a nossa  cultura em uma tentativa de diminuí-la, esvaziá-la e submetê-la a outras formas culturais.


A festa de passagem do ano, o desfile das escolas de samba, dois mega eventos que acontecem todos os anos no Rio de Janeiro e sempre com sucesso de público e organização, deveriam servir de subsídios para não se duvidar da nossa capacidade de organização e de participação de grandes eventos.


Mesmo assim , os falantes e cheios de certeza analistas da grande mídia insistiam no fracasso, afinal, em Londres, quando das olimpíadas de 2012, a organização foi impecável e seguiu um rígido cronograma.


Acontece que aqui não é a terra da rainha.


Por aqui, durante os dias de carnaval muitos sonham em ser reis, rainhas , príncipes e princesas , mas tudo acaba na quarta-feira, como diz a letra do antológico samba de Martinho da Vila.


Nossa realeza se manifesta na nossa capacidade, na nossa cultura, na nossa lógica única.


A nossa capacidade  de organização e realização de grandes eventos, desafia os conceitos de administração e de engenharia de produção, deixando boquiabertos engenheiros de produção e os seguidores de Frederick Taylor.


O desfile das escolas de samba, demonstra uma organização em que conceitos de tempos e métodos, atribuições de responsabilidades e logística, apenas para citar alguns,  são aplicados com uma eficácia espantosa, e isso por pessoas que adquiriram intuitivamente tais conceitos e práticas.


De outra forma os cronogramas para realização de grandes eventos, recebem uma flexibilização quanto aos rigores dos conceitos  que normalmente são aplicados, sem que isso prejudique o prazo final.


Tudo isso revela uma compreensão única e própria sobre a maneira de conduzir tais processos, o que revela uma grande inteligência, já que os resultados finais sempre são satisfatórios.


Procurar entender essa inteligência tem sido um desafio para mim.


Minha tese é que o brasileiro, no tocante aos aspectos mencionados, tem uma compreensão global, total, do empreendimento, fazendo com que a distribuição dos prazos e tempos não siga um linearidade e os rigores do conhecimento tradicional.


Nada disso, no entanto, é considerado pelos falantes analistas da velha mídia, que sempre procuram diminuir essa capacidade , essa grande inteligência.


Infelizmente, o desfile das escolas de samba foi sequestrado pelo grupo globo, o que empobrece a transmissão desse grandioso espetáculo.


Por ser uma expressão de nossa cultura, única, a linguagem de câmeras e de transmissão do desfile teve que ser desenvolvida por aqui.


Diferentemente de uma transmissão de uma partida de futebol, onde a linguagem das câmeras é basicamente a mesma em qualquer lugar do mundo.


E ai que questiono se a transmissão de globo é a mais adequada para retratar as especificidades do desfile, sem se perder em detalhes inúteis e ao mesmo tempo sem abandonar a visão do todo.


Outras tentativas deveriam existir e , para isso, a transmissão dos desfiles deveria ser democratizada, acabando com a exclusividade.


Outro aspecto, é que todos sabem que globo detesta a cultura nacional e sempre tenta diminuir ou esvaziar nossas manifestações culturais.


Acrescente a tudo isso, as sofríveis intervenções dos repórteres da emissora durante os desfiles, com perguntas idiotas e por vezes debochando de sambistas.


Já se tornou insuportável ver repórteres de globo entrevistando sambistas na passarela, na entrada da escola, pedindo para que os sambistas demonstrem se sabem mesmo sambar.


Ora, o samba está no DNA do sambista, e a pergunta é de uma arrogância sem par.


Torço pelo dia em que um sambista lhes diga isso, e pergunte se o repórter tem conhecimento da profundidade cultural daquilo que ele - repórter - está cobrindo.


Outra violência é a invasão de cinegrafistas da emissora em meio aos componentes  da escola durante o desfile.


Imagine invadir um campo de futebol  com uma câmera durante uma partida para achar o melhor ângulo.


E ainda, os comentários dos especialistas sobre o desfile tem por objetivo ancorar os telespectadores com a presença de "comentaristas" famosos - atores de novela, cantores etc.- , do que propriamente prover um conteúdo  significativo sobre o desfile.


Diante da realidade, realidade que sempre surpreende a velha mídia, o que não dá certo no Brasil , o que está pelas  tabelas, o que é um fracasso, o que demonstra uma inteligência lmitada,  é o estágio atual da velha mídia.

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