sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Reforma política e midiática

Wanderley critica reforma política: o tiro pode sair pela culatra


Promulgação-Constituição-1988_small


O professor Wanderley Guilherme dos Santos se mantém cético, quase hostil, ao furor mudancista que vê emergir em setores talvez ingênuos da esquerda, em relação aos capítulos políticos e eleitorais de nossa Constituição.
À grita de que seria necessário uma assembléia constituinte exclusiva, Santos rebate, com um sarcasmo que não esconde a seriedade e preocupação que o tema merece:
“(…) os atuais mandatários da nação vão importar uma classe política da Islândia e um eleitorado da Suécia? Se não vão, de onde tiram a certeza de que tal assembléia “exclusiva” seria dotada de um saber e estofo moral superiores aos de qualquer Congresso jamais eleito por aqui? Ser ou não “exclusiva” nada revela sobre a qualidade dos eleitos, embora sirva de engodo para tolos.”
Na entrevista ao programa de Paulo Moreira Leite na TV Brasil, o também cientista Fabiano Santos (filho de Wanderley), alertava para o que aconteceu na Itália, após a Operação Mãos Limpas, sempre descrita por nossa mídia como uma grande virada política contra a corrupção.
Santos, o filho, observou que não foi bem assim. Como aqui, setores da opinião pública italiana pensaram em mudar tudo, e, no entanto, apenas contribuíram para piorar ainda mais o sistema político. A corrupção não foi vencida, os partidos se fragmentaram, e o resultado foi a ascensão de Berlusconi, que permaneceu na liderança política do país por mais de 20 anos.
Wanderley, por sua vez, defende a Constituição Brasileira e afirma que a entende como direito adquirido.
Não é possível mudá-la – é o que depreendo de seu texto – ao sabor de debates afobados, inconsistentes, realizados numa arena midiática que sofre um forte déficit democrático.
O tiro, alerta o cientista, pode sair pela culatra.
O professor menciona ainda o surto anti-republicano que acometeu ministros do STF no curso da Ação Penal 470, esquecendo dos capítulos constitucionais que tratam do direito de todo cidadão, condenado ou não, a um tratamento justo e não degradante por parte do Estado.
Abaixo, o artigo de Wanderley.
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A orfandade da Constituição de 88
Por Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político
Entendo a Constituição de 88 como direito adquirido, não como transtorno autoritário. Em si mesma protegida, portanto, pelo inciso XXXVI, do artigo quinto, que reza: a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Creio que uma Constituição derivada de legítima Assembléia com poderes para instaurá-la é exemplar como direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Não sei se o constitucionalismo profissional admite tais auto referências, mas é como vejo, politicamente, a questão. Depois de 21 anos de ditadura, lutas incessantes, convocatória legislativa reivindicada pela população, e por esta aceita como atendida, a Constituição elaborada pela Assembléia de 86 devia estar a salvo de magos e videntes institucionais.
Não há, contudo, mordomo mais óbvio em todos os deslizes nacionais, segundo a esquerda, a direita, o centro, o fim do mundo, grande número de políticos, o Executivo e a unanimidade dos meios de comunicação. Mas para abertura de processo faltam demonstrações quanto ao progresso econômico, político, social e moral que estariam sendo reprimidos por qual passagem constitucional e o que deveria ser posto em seu lugar para felicidade geral da nação. Nem me parecem suficientes para o alarido em torno do pomposo clichê “reforma política” as variadas e longe de inatacáveis propostas de nova legislação eleitoral. Sem fundamentos, as suspeitas são não mais do que difamatórias. Até prova cabal em contrário, a Constituição de 88 está órfã e vítima oficial de difamação.
Materialmente, admiro a clareza de seus princípios fundamentais e promessas na ordem econômica, política e social. Está no inciso III de seu artigo terceiro, consagrar como princípio fundamental “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. É por este abrigo constitucional que as políticas que vêm transformando o universo social brasileiro não são denunciadas como populismo irresponsável, salvo por um ou outro desajuizado, ou ferozmente combatida (provavelmente com sucesso) por ser “bolivariana”, genérico conservador, sem restrições de consumo.
Ainda é por conta do artigo quinto, em seus incisos III e XLIX (Título II – Dos direitos e garantias individuais), que atribuo a alguns ministros do Supremo Tribunal Federal a liberação do discurso do ódio na cultura política brasileira, na fase do julgamento da Ação Penal 470. O III diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, sendo enfaticamente reafirmado no XLIX, transcrito: “é assegurado aos presos a integridade física e moral”. Não existe crime, ainda que irrefutavelmente comprovado, que justifique tratamento pessoalmente degradante ao réu ou suposto criminoso. A temperatura fanática da época estimulou mórbido concurso de rituais de degradação. Conforme o primarismo da opinião pública, os réus, por seus crimes, estariam destituídos de quaisquer dos direitos assegurados aos cidadãos e cidadãs respeitáveis, isto é, à audiência da TV-Justiça.
Aparentemente amparados na mesma premissa, ministros perderam a compostura e o próprio sentido do Judiciário (Suprema Corte), vitimados por surtos de violência retórica incompatíveis com os preceitos constitucionais. No enredo, a suspeita implícita no substantivo “indício”, usado a granel durante as perorações, transformou-se, por via discursiva, em certeza material, sem necessidade de prova indubitável ou confissão do acusado. Argumentos disparados a torto e a direito fariam corar um secundarista em lógica, prestando vestibular para o curso de Direito. Foram também eles os responsáveis pela generalizada intoxicação de fanatismo partidário e social, inclusive com a crescente licenciosidade da linguagem pública. Ficou na moda dos colunistas, repórteres e oradores saborearem substantivos, adjetivos e verbos chulos. Associou-se a falta de estilo à falta de escrúpulo.
A abundância de calúnias contra Constituição de 88 contaminou o debate sobre ela própria. Vigem o panfletarismo e um dedo-durismo de fantasia a acusar de reacionários todos aos quais desagrada a volubilidade com que se acusa a Constituição de resistência a não sei qual avanço na democracia e no progresso material da população. Ademais, aproveita-se para a reiteração de outra parvoíce, a de que com “esse” Congresso será impossível qualquer reforma significativa (cuja se ignora qual seja). Daí se derivaria a necessidade de uma Assembléia Constitucional exclusiva, como se o qualificativo adicionasse alguma virtude aos putativos constituintes.
Repito a pergunta: os atuais mandatários da nação vão importar uma classe política da Islândia e um eleitorado da Suécia? Se não vão, de onde tiram a certeza de que tal assembléia “exclusiva” seria dotada de um saber e estofo moral superiores aos de qualquer Congresso jamais eleito por aqui? Ser ou não “exclusiva” nada revela sobre a qualidade dos eleitos, embora sirva de engodo para tolos. A propósito, lembro que a Islândia faliu outro dia em virtude dos atributos morais e políticos de seus homens públicos. Com panfletarismo e desinformação a idéia de “reforma política” continua a ser um ardil: quem me garante que a Assembléia exclusiva, formada por equivalentes dos atuais representantes, não aproveitarão para cancelar precisamente as conquistas, entre tantas, aqui mencionadas?
O inciso IV do artigo 5 estabelece: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A liberdade aí garantida repele o assédio moral e ideológico a quem defenda opiniões diferentes das minhas. É bem possível que as cautelas e preferências aqui expressas venham a sofrer assedio ideológico. Faz parte da vida, mas espero que nunca venha a fazer parte da Constituição.


Fonte: O CAFEZINHO
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Professor Wanderly alerta para o risco de uma reforma política venha a trazer ainda mais retrocesso, tendo em vista o momento do país e o clima de radicalização na sociedade, que tende a crescer ainda mais com o apoio explícito da velha mídia aos radicais de direita.

As reformas , política e midiática, que tem mobilizado um grande número de pessoas e movimentos sociais, não são fruto do acaso e,  ainda não partem de decisões dos poderes para ouvir a população.

Tais reformas, como qualquer reforma, implicam em mudanças, e mudanças inevitavelmente estão associadas a riscos e insegurança.

Até aí nada de novo no artigo do professor Wanderley, no entanto é sempre bom alertar para os riscos envolvidos em processos de mudanças.

Dizer, por outro lado, que uma assembleia constituinte em nada interfere no processo de mudança, já que os eleitos para tal assembleia serão representantes da sociedade e por analogia, pessoas não muito diferentes dos atuais congressistas, me parece uma afirmação reducionista , já que considera a população como idêntica, o processo de representação para a constituinte idêntico ao congresso atual e devido a isso, repetidora de processos e padrões quando submetida as mesmas condições.
Isso nem sempre é verdadeiro.

Cabe lembrar que nos últimos vinte e cinco anos o povo brasileiro foi chamado a opinar em duas situações, no plebiscito pela forma de governo e no referendo sobre comercialização de armas de fogo.

Tais processos não derivaram de manifestações populares e, mesmo com o risco de mudanças que viessem trazer retrocessos para o país ,nada disso aconteceu.

O parlamentarismo não ganhou apoio na população e o rei virou comédia, liderada inicialmente pelo inesquecível Brizola que exigiu a presença de um Rei no debate, já que  a monarquia estava em discussão.
Para alegria geral surgiram dois candidatos a Rei, o que foi uma festa para os plebeus.
Tudo isso aconteceu a revelia da velha mídia, em tempos sem internete.

O presidencialismo se manteve e o povo brasileiro que não é sueco ou islandês fez sua escolha com serenidade.

Agora temos uma grande parcela da sociedade que grita por mudanças, por vezes sem saber muito bem em que direção mudar, no entanto, as milhões de pessoas que varreram as ruas do país no ano passado não o fizeram por serem europeias ou brasileiras, mas , em primeiro lugar, porque desejavam algo a mais no processo de desenvolvimento no país.

Ficou claro, para todos, que a classe política foi a mais afetada nos protestos, já que após as manifestações todos os políticos de todas as correntes ideológicas viram suas popularidades desabarem. 
A política e os políticos foram o foco de insatisfações.

O governo procurou atender, de alguma forma, a pauta dos manifestantes  acenando com uma reforma política, que não é desejada pelos setores reacionários e conservadores da sociedade, porém tem apoio nas ruas , como ontem quando 15 mil pessoas saíram às ruas de São Paulo pedindo tais reformas.

O risco de um retrocesso existe e o sucesso das propostas do governo depende  da maneira como o governo irá se comunicar com a sociedade e, de que forma a sociedade , já em parte sabedora das propostas em curso, vai se manifestar em apoio ao processo.

Cabe ainda lembrar que no ano de 1994, quando Fernando Henrique foi eleito presidente, até mesmo esquerdistas históricos viram com bons olhos a eleição do sociólogo. 
Existia um clima de esperança com o novo governo. 
Nosso saudoso Darcy Ribeiro, declarou na época que a eleição de FHC era um luxo para o país. Foram raros , ou até mesmo inexistentes, os comentários sobre o risco da eleição de FHC. 
No entanto, o que se viu nos anos de seu governo foi um fracasso, um retrocesso para o país e para o povo brasileiro.
Tanto é verdade que desde que deixou o governo, o PSDB de FHC tentou por quatro vezes seguidas voltar ao governo e foi derrotado pelo povo.
Hoje, após mais uma derrota em outubro, tenta , com o apoio da mídia  e de instituições, como a Polícia Federal, dar um golpe de estado para derrubar o governo escolhido de forma  democrática pelo povo.
Esse é um risco que a população deve se informar para combater os golpistas, por todos os meios possíveis e disponíveis.

Mudanças sempre tem um risco.

Mudanças , para muitos , causam temor e até pânico deixando até mesmo algumas pessoas perdidas no tempo e no espaço.

Uma boa alegoria para entender um processo de mudança e a maneira como pessoas ficam desequilibradas durante o processo, pode ser  a imagem de animais domésticos - cães e gatos- em dia de mudança de residência de seus donos.

Ficam perdidos, assustados, sem saber o que está acontecendo e vendo risco em tudo.

Quanto ao blogue que publicou o artigo do professor, chamar uma grande parcela da população  que deseja mudanças de ingênuos , me parece um tanto elitista.

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