quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Decadente e Agonizante

A crise hegemônica em escala mundial

A decadência da hegemonia norte-americana no mundo e o esgotamento do modelo neoliberal são evidentes mas ainda não surgiu uma alternativa em nível global.

por Emir Sader em 01/01/2014 às 14:38



Emir Sader

 Nunca como agora foi verdade a tensão entre um mundo que se esgota mas teima em sobreviver e um mundo novo, com grandes dificuldades para nascer.
Nesse vazio se insere um mundo instável, turbulento e uma ampla disputa hegemônica em escala mundial.
   
A decadência da hegemonia norte-americana no mundo e o esgotamento do modelo neoliberal são evidentes mas, ao mesmo tempo, não surge no horizonte nem uma potência ou um grupo de países que possam exercer a hegemonia mundial no lugar dos EUA.  Nem aparece um modelo que possa disputar com o neoliberalismo a hegemonia em escala economica global. Os governos posneoliberais latinoamerianos não tem ainda força para que seu modelo alternativo possa se impor em escala mundial.
   
 A vitória na guerra fria não significou que a imposição da Pax Americana trouxesse estabilidade ao mundo. Ao contrário, nunca proliferaram tantos conflitos violentos, porque os EUA se valem da sua superioridade militar para tratar de transferir os conflitos para o plano do enfrentamento violento. Foi assim no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, sem no entanto ter capacidade para impor estabilidade política sobre os escombros das intervenções militares. Esses países continuam a fazer parte dos epicentros de guerra no mundo.
   
No caso da Siria – e, por extensão, no Irã -, os EUA sequer foram capazes de criar as condições políticas mínimas para novas intervenções militares, tendo que dedicar-se a processos de negociação de paz.

Porém, os EUA seguem sendo a única potência mundial, que articula seu poder econômico, tecnológico, político, militar e cultural, para se impor como país de maior influência no mundo, o único a ter uma estratégia global. Nem a China, nem a enfraquecida UE, nem a América Latina, ou um conjunto de forças articuladas entre si, consegue se opor à hegemonia norteamericana no mundo.
   
A profunda e prolongada crise econômica no centro do capitalismo demonstrou como setores da periferia – na Ásia e na América Latina – conseguiram se defender, sofrendo os efeitos da recessão, mas não entraram nela, como havia acontecido em todas as outras grandes crises no centro do sistema. Porque já existe no mundo certo grau de multilateralismo econômico, que permite que os intercâmbios Sul-Sul, ademais dos realizados pelos processos de integração regional na America do Sul, unidos à enorme expansão do mercado interno de consumo popular, possamos nos defender de cair em recessão. No entanto, as  fortes pressões recessivas não deixam de atingir-nos, demandando que tenhamos respostas integradas para a reativação das nossas economias.

Mas, apesar do desprestígio das políticas neoliberais, responsáveis pela crise no centro do sistema e impotentes, até aqui, para superá-la, o modelo neoliberal continua a ser dominante em grande parte do sistema econômico mundial. As medidas postas em prática pelos governos europeus são de caráter neoliberal, para reagir a uma crise neoliberal, isto é, álcool no fogo.

 Porque o neoliberalismo não é apenas uma política econômica, é um modelo hegemônico, que corresponde à hegemonia do capital financeiro em escala mundial, à do bloco EUA-Grã Bretanha, assim como a um modo de vida (chamada de modo de vida norteamericano) centrado no consumo, na mercantilização da vida e dos shopping-centers. É um ponto de não retorno do capitalismo em escala global, que coloca os limites das propostas de ação as grandes potências políticas e dos grandes organismos internacionais.

Assim, o mundo seguirá vivendo, pelo menos na primeira metade do novo século, um período de turbulências, em que a decadente hegemonia norteamericana se mantêm, embora com crescentes dificuldades. Da mesma forma que a predominância do modelo neoliberal também sobrevive, embora debilitado e condenando a economia mundial a processos de maior concentração de renda, de exclusão de direitos e a contínua recessão econômica.
   
Uma profunda e extensa crise de hegemonia se impõe dessa forma em escala mundial, com persistência dos velhos modelos e dificuldades para afirmar por parte das alternativas.
Fonte: CARTA  MAIOR
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Revoltas 2014: contra governos ou o capitalismo?
 
A mídia, naturalmente, não enxerga. Mas movimentos expressam, no fundo, colapso das relações econômicas e políticas hegemônicas em todo o mundo

Por Paul Mason, no Outras Palavras
(Foto: Reprodução/Outras Palavras)
Foi como uma faixa de CD saltada, ou um vídeo que derrapa de repente para a cena seguinte. Eu filmava uma barricada em Istambul, tentando ficar fora do alcance das bombas de gás disparadas pela polícia, quando uma delas me atingiu na testa. O rombo que ela fez em meu capacete é hoje parte de uma apresentação em PowerPoint, para cursos de treinamento sobre a segurança de jornalistas.
Durante a Ocupação do Gezi Park, gente típica de classe média ergueu barricadas que mantiveram a polícia turca à distância por quatro noites. No interior do parque, organizaram uma versão-maquete da sociedade em que gostariam de viver. Estocaram montes de comida grátis, cantaram e beberam cerveja, em desafio ao governo conservador religioso.
De dia, os gramados abrigavam estudantes fazendo suas tarefas. À noite, as ruas no entorno enchiam-se de jovens mascarados – e os fãs de futebol trocavam flâmulas, para sinalizar uma trégua, no ódio de cem anos entre os clubes de Istambul. Quando perguntava sobre suas profissões, sussuravam: “Arquiteto, despachante de cargas, engenheiro de software”.
Os acontecimentos do Gezi Park marcaram uma virada nas revoltas globais de nosso tempo. Embora não seja oficialmente parte dos BRICS, a Turquia tem a maior parte das características destes – alto crescimento, população jovem, um Estado repressor associado a corrupção e atos arbitrários. Depois de Gezi, não foi surpresa ver um milhão de pessoas nos movimentos de protesto do Brasil. Nem as 17 milhões que participaram das manifestações que derrubaram Mohamed Morsi, no Egito, nem os protestos da Ucrânia, que ainda estão em curso. Estas sociedades foram, supostamente, beneficiárias da globalização. Mas as classes médias sentiram-se batidas. Por isso, agora, o “garoto mascarado que frequenta academia e odeia a corrupção” somou-se ao “diplomado sem futuro”, na lista de arquétipos sociais por meio dos quais procuramos entender a revolta.
Quem lê a última tentativa da revista Economist para entender onde ela vai eclodir em 2014 percebe como é árduo fazê-lo por meio do pensamento convencional. O cálculo tem como parâmetro a suposta presença de alta desigualdade, alta corrupção, crise econômica e colapso de confiança nas instituições. Por isso, a Nigéria (maior economia da África), Egito e Argentina estão no topo da lista de países onde há “risco muito alto” de conflito capaz de ameaçar a ordem política – enquanto Brasil, África do Sul e China figuram abaixo, como locais de “risco alto”. Embora seja um avanço em relação ao pensamento simplório que ligava as revoltas apenas à crise econômica pós-2008, ainda acho que falta algo. Quando alguém me pergunta sobre onde o movimento vai eclodir de novo, respondo: “na mente das pessoas”.
A repressão tornou-se tão intensa, mesmo nas democracias estáveis, que aqueles que se queixam hesitam mais, antes de embarcar em ações que podem resultar em prisão. Não há uma Convenção de Genebra sobre os conflitos contemporâneos entre tropas de choque e manifestantes. Por isso, os sinais de consentimento são, muitas vezes, falsos. O que parece ser ordem social é apenas a epiderme de uma desordem profunda. A China conhece este conceito. Na internet chinesa, fervilha descontentamento, ainda que todos, em público, reverenciem a linha oficial. Mas o mesmo ocorre no mundo “desenvolvido”. No passado, havia poucos motivos para temer movimentos que eram cheios de ideias, mas vazios de ação. Porém, agora vivemos numa economia da informação. As ideias críticas têm materialidade e a repressão parece impulsionar a crítica.
Chelsea Manning e Edward Snowden não são vistos como heróis do povo, na mídia ocidental. Mas no mundo informal, o da conversação online, eles são metáforas sobre “o que acontece”. Desafie a vigilância ilegal do Estado, jogue luzes sobre as atrocidades militares no Iraque e você se tornará candidato ao tipo de tortura mental praticada em Guantánamo. Nestas circunstâncias, as velhas “métricas” – pobreza, desigualdade, colapso da confiança – tornaram-se menos relevantes para prever as revoltas.
Apesar disso, o Grupo Gartner prevê, há alguns meses, que “um movimento do tipo Occupy, em escala maior, vai começar até o final de 2014”. Os analistas do Gartner estão mais próximos da realidade. A tecnologia da informação está reduzindo, “em escala sem precedentes”, a quantidade de trabalho presente nos bens e serviços. A relação entre capital e trabalho dobrou, com a urbanização do Sul global e a mercantilização dos antigos países socialistas. Mas não há uma rota que leve as maiorias a salários altos, ou a estilos de vida associados à prosperidade. Em consequência, prevê o Gartner, por volta de 2020 este cenário levará a “uma exigência de novos modelos econômicos, em muitas sociedades maduras”.
A articulação em redes das sociedades modernas torna imprecisas as previsões de revolta que têm por foco países específicos. Na realidade, há uma entidade política que importa. Hoje, ela é mais desigual do que nunca. Seu modelo econômico central está destruído. O consentimento dos cidadãos, diante de quem os governa, corroeu-se. Esta entidade é o mundo.
Tradução: Antonio Martins
Fonte: REVISTA FÓRUM
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A crise se alastra e vai provocando mais e mais conflitos.
No início, não da crise  e sim da hegemonia neoliberal lá pelo início dos anos da década de 1990, considerando que o neoliberalismo em essência não é uma crise,  tudo era alegria já que a civilização em seu processo modernizante e evolutivo reinava absoluta.
Pessoas , até então militantes de esquerda, abandonavam suas utopias e ideologias e  se resignavam com o prazer, o hedonismo, com sua face que decretava o fim da sociedade e a vitória do indivíduo.
Nunca dantes na história da humanidade se falou tanta besteira como naqueles obscuros anos da década de 1990.
Foi decretado o fim da história, a cultura ganhava forte inclinação para a homogeneização e a arte era apenas puro e escandaloso extravasamento pessoal.
A partir da década de 2000, começava-se a admitir no meio do hedonismo que a história continuava seu curso, que a padronização surgia como uma limitação do próprio ideário neoliberal, pobre em ideologia e conceituação filosófica.
Em contraponto aos crescentes argumentos e movimentos que já emparedavam o neoliberalismo, eis que reaparece de forma avassaladora no mundo  o terrorismo, logo apontado pelos senhores do planeta como uma ameaça aos valores modernizantes e civilizatórios e , assim sendo, deveria ser combatido sem tréguas para que o mundo livre pudesse seguir seu caminho evolutivo e próspero.
O que se seguiu foi mais um festival de asneiras, demonstração de força e um grande festival midiático bélico pirotécnico, onde cidades, cavernas, palácios , pessoas voavam pelos ares como resultado das explosões de bombas  último modelo, ali apresentadas em seu teatro de operações favorito, ao vivo e real, algo de grande potencial para novos negócios de venda de armamentos militares.
Em paralelo, e sempre em nome do combate ao inimigo que não gosta de nossa cultura e de nossos valores, o mundo livre , democrático e próspero, viu e vivenciou atos de extrema violência contra as liberdades individuais, a democracia e a liberdade de expressão . Um retrocesso civilizacional sem precedentes.
" se  não concorda com nossas idéias , então é inimigo" afirmavam os senhores do planeta com amplo apoio da velha mídia ocidental.
Reduziam-se os espaços para o debate, o diálogo, e o arbítrio fundamentalista  cristão ameaçava o mundo.
Encurralada e emparedada, mesmo assim a razão foi ganhando espaço e reestabelecendo as verdades, ainda que somente através das mídias digitais, naquela época , metade  da primeira década do século , já despontando como um novo e poderoso espaço de divulgação de idéias, informações e debates.
Em seguida, aquilo que já demonstrava estar combalido cria um caos no mundo, com a crise financeira que se inciou no final de 2007 e até os dias atuais, com os remédios aplicados, traça um lastro de maldades e violências nos povos mais afetados.
É o retrocesso civilizacional em marcha.
Enquanto isso, aqui pela América Latina, mesmo com o modelo mundial em estado agonizante, o continente não vai mal.
No Brasil, a velha e decadente mídia, que enterrou a história, as ideologias e utopias e a sociedade, hoje discute esquerda e direita e paradoxalmente, ou esquizofrênicamente, necessita da sociedade para ir às ruas, e com isso tentar mudar o quadro político.
Sem mais nenhum argumento que possa sustentar seu ideário, a velha mídia e a oposição apostam na sociedade, justo aquilo que não conseguem mobilizar.
Paradoxalmente, como forma de manter seu ideário e não perder mais terreno, também apostam no individualismo, e até mesmo como estratégia de confronto.
Hoje, o jornal o globo, apresenta em primeira página chamada de matéria em que afirma que o insulto agora é moda, não apenas pela internete. Afirma ainda, que a violência sofrida pelo outro pode ser um motivo de prazer para sociedade, no que é acompanhado pelo portal bol, também de hoje.
Ao valorizar tais comportamentos, globo se refugia e também se agarra no conflito pessoal e na violência como forma de tentar manter um ideário que agoniza.
Na esquizofrênia ou na bipolaridade, na sociedade ou no indivíduo, globo aposta na violência com estratégia de intimidação e chama a sociedade para a barbárie.
Isso significa, que ao longo do ano de eleições globo traça sua estratégia.
No campo da esquerda, a violência é desnecessária, porém, toda e qualquer forma de intimidação ou agressão não será respondida com flores e , se necessário for, com a violência  e até mesmo com mais intensidade.

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