segunda-feira, 25 de novembro de 2013

João Cândido às Avessas

O bode na sala da Justiça

Por Luciano Martins Costa em 25/11/2013 na edição 773
Comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa, 25/11/2013
Os jornais noticiam nas edições de segunda-feira (25/11) a substituição do juiz das execuções penais do Distrito Federal encarregado de providenciar o cumprimento das sentenças do Supremo Tribunal Federal contra alguns dos condenados na Ação Penal 470. A principal controvérsia se refere ao tratamento conferido ao deputado José Genoíno, que foi encarcerado precipitadamente por ordem do presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, mesmo em convalescença após um grave procedimento cirúrgico.
A imprensa observa que o novo juiz encarregado de determinar as condições de cumprimento das penas em Brasília é filho de um dirigente do PSDB e de uma funcionária do Ministério da Ciência e Tecnologia que milita ativamente na campanha presidencial do senador Aécio Neves. Em sua página no Facebook (ver aqui), a mãe do magistrado não esconde a orientação política da família.
Esse é apenas um dos aspectos da confusão em que se transformou aquilo que a imprensa brasileira tem considerado como o “novo tempo” da Justiça no Brasil. O protagonismo exagerado do presidente da Suprema Corte contribui para acirrar radicalismos e se constitui, hoje, em fator de desestabilização política.
Bastaram poucos dias para que os fatos desmontassem a versão construída pela imprensa em torno do julgamento da Ação Penal 470. Logo após o início do cumprimento das penas, algumas personalidades do mundo jurídico se dão conta de que o que rege as decisões da mais alta corte nacional não é o propósito de fazer Justiça, mas um obscuro sentimento de vingança cujas razões precisam ser esclarecidas.
A se considerar certos comportamentos obsessivos do ministro, há alguma coisa de doentio nesse processo, que extrapola questões penais e ideológicas. Com a cautela que o protocolo exige, personalidades do mundo jurídico têm feito chegar à mídia seus cuidados com relação ao acúmulo de erros nesse processo.

Crimes onipresentes
Como nos cabe aqui observar a imprensa e não as instituições diretamente, convém fazer um retrospecto dos acontecimentos para estabelecer algumas responsabilidades.
Não é preciso grande esforço para reconhecer que, independentemente dos elementos objetivos que formam o processo da Ação Penal 470, a imprensa teve um papel central nas decisões dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial nas funções do presidente da Corte.
Joaquim Barbosa, transformado em herói nacional, e outros ministros, revelaram possuir personalidades sensíveis à bajulação, o que transformou as sessões do Supremo em espetáculos midiáticos nos quais o princípio da Justiça foi submetido ao crivo da popularidade de seus protagonistas.
O encarceramento precipitado de onze dos doze condenados, em feriado nacional, explicita o propósito de ganhar as manchetes no fim de semana prologado, mais do que uma decisão baseada nas normas penais.
Valeu pelas manchetes.
Mas, daqui para a frente, a imprensa terá que administrar cuidadosamente o desempenho midiático do presidente do STF. A figura de Barbosa representa o bode na sala, que a imprensa vai ter que remover antes que comece o julgamento daquele outro processo por corrupção chamado de “mensalão tucano”.
A “nova era na democracia brasileira – a Era dos Corruptos na Cadeia”, anunciada na semana passada pela revista Época, será revelada, então, como mais uma dessas farsas que enchem nossos livros de História.
O Judiciário, que já arrastava a tradição do nepotismo e a maldição de produzir, em sua face mais perversa, os frutos da desigualdade social, agrega ao seu prontuário o personalismo a reboque da mídia.
Enquanto isso, na vida real seguem se acumulando nos cartórios as ações sem julgamento, e consolida-se na sociedade a convicção de que o crime sempre compensa – o caso da Ação Penal 470 é apenas “um ponto fora da curva”. Relatos de procuradores e juízes distritais indicam, por exemplo, que a violência contra a mulher se agrava no Brasil, a despeito da legislação específica, porque os culpados, mesmo quando condenados, cumprem apenas uma fração de suas sentenças. O crime organizado se sofistica, a corrupção virou estratégia em todas as instâncias do poder.
O livro intitulado Crimes onipresentes – Histórias reais sobre assassinatos, responsabilidade moral e impunidade, traz uma fração desse descalabro. O autor, o promotor de Justiça Ricardo Rangel de Andrade, descreve com realismo cruel como o crime é consentido e até estimulado pela inoperância da Justiça e pela corrupção policial. A verdadeira Justiça brasileira está descrita em suas páginas; a politicagem que desmoraliza o STF é a joia da coroa.
Fonte: OBSERVATORIO DA IMPRENSA

Quanto mais a velha mídia noticia e "explica" os desdobramentos deste capítulo do julgamento da ação penal 470, mais superficial e partidarizado torna-se o seu noticiário.
Com o grande volume de matérias nas mídias digitais que trazem o contraditório sobre o tema, o noticiário da velha mídia pode ser comparado a uma criança de olhos fechados  fazendo beiço em pirraça explícita  ( os olhos fechados na criança são para evitar o contato com a realidade), ou ainda a um bandido flagrado em crime que nega com veemência seu ato.
A omissão sobre os atos de destempero, autoritarismo e exibicionismo protagonizados por um  BBB (Batmam Barbosa Brasil ) que está com tudo e está prosa, é um perfeito retrato de um segmento  que, tal qual a ideologia que abraça, agoniza em decadênca e irrelevância.
A velha mídia, tal qual se apresenta  e produz seus conteúdos, é um problema para a democracia do país, mas não é o principal. 
Com o protagonismo cada vez mais atuante e relevante das mídias digitais, as omissões e mentiras, tão comuns na  escancarada verdade midiática, atualmente não mais passam da página dois, isso em um texto de duzentas páginas.
A famosa alegoria da pedra jogada no centro de um lago, sendo a pedra jogada a notícia desejada, de maneira que o movimento de círculos concêntricos na aǵua pelo impacto da pedra chegaria as margens do lago, o crescimento e abrangência da notícia, não mais alcança sucesso em tempos de mídias digitais. 
Isso é fato e também não é noticia na velha mídia.
A velha mídia burguesa, que hoje é composta pelos principais jornalões, revistonas, emissoras de rádio e de tv, é uma ilha de expressões racistas, autoritárias e elitistas que se debate em tintas e decibéis pela manutenção de um espaço que não mais ocupa. 
Ainda se matêm no alto de sua torre, porém , ao seu redor , novas edificações e torres bem mais altas passaram a existir. 
Com seu explícito ranço elitista a aristocrático, pode muito bem ser comparadara a ilha Fiscal, e ao famoso baile que decretou o final de um período na história do páis.
Nesses onze anos de governos populares de democráticos do PT, ou seja do povo, onde de certa forma a cultura popular tem um papel importante no país, a velha mídia ficou exposta, e , como tal, revelou seu DNA burguês, colonizado e contrário ao crescimento de uma identidade  nacional que contemple todo o conteúdo do caldeirão cultural do povo brasileiro, com todos os desdobramentos na política, economia e cultura. 
Justo em um período onde a hegemonia americana no campo político, econômico e cultural, emite claros sinais de decadência acelerada, a velha mídia brasileira com suas expressões ,comportamentos, idéias e valores, assemelha-se , em alegoria, aos aristocratas do período da belle époque, embarcados no Titanic, com fraque e cartola, bebendo champangne, mesmo enquanto as águas que levaram o navio à pique já se aproximavam de seus pescoços.
A burguesia, quando raramente é detida, presa, julgada e  posteriormente condenada, pode ser vista em seu calvário para o cárcere sempre com a cabeça erguida e o tórax estufado para frente. 
Uma explícita expressão de uma suposta e ancestral superioridade.
Já setores do campo popular, como artistas ou mesmo políticos, sempre que detidos, e com frequência são detidos e julgados de "forma exemplar", podem ser vistos com os braços ao alto com os punhos cerrados, em uma demonstração que continuam na luta por um país democrático.
Expressões, comportamentos e gestos que dizem muito sobre a realidade brasileira.
Como o caro e atento leitor leu anteriormente nesta postagem, a velha mídia é um problema para o avanço da democracia, mas não é o principal. 
Muitos de seus jornalistas continuam frequentando o Country Club,reduto das elites,  em Ipanema, em frente ao mar, bem pŕoximo da comunidade da Cruzada de São Sebastião, uma favela edificada no marco geodésico entre as Monarquias de Ipanema e do Leblon.
A água um dia pode subir-lhes ao pescoço. 
A questão principal que impede o avanço democrático, não apenas  no Brasil como também em muitos países da América Latina que ousou ser livre , soberana e democrática , é o novo protagonismo do Judiciário como esfera de Poder incontestável e também como último reduto e voz definitiva para resolução de conflitos. 
O  que hoje acontece no Brasil, já aconteceu no Paraguai, já serviu de referendo para uma arbitrariedade em Honduras e foi tentado na Bolívia. Curiosamente, na Argentina, as mesmas elites européias do continente desejaram apelar para cortes internacionais  para que seus privilégios, que não são direitos, são inconstitucionais e não atendem ao povo, fossem preservados.
Diante do reestabelecimento de eleições livres e democráticas em todo o continente latino americano, e a consequente ascensão a partir do início deste século de governos populares na maioria dos países do continente que se deslocaram da decadência americana, o poder Judiciário desses países passou a ser o instrumento  de contenção e mesmo de ruptura do processo democrático.
Foi a opção dos botes de salva vidas, claro, somente para a aristocracia.
No teatro de aparências e superficialidades em que o país está imerso, está em jogo uma das maiores trapaças para afastar, se possível definitivamente ,o povo enquanto protagonista principal do país.
O espetáculo grotesco e asqueroso protagonizado pelo BBB, com o amplo apoio da mídia burguesa deslocada do povo, não tem o menor objetivo de criar uma nova era no país onde os ladrões corruptos serão levados ao banco dos réus e condenados exemplarmente, como anunciou a revista época, de seu camarim na classe de luxo.
O caro, atento e bem informado leitor sabe que os grandes ladrões do país , empresários e políticos continuam  ao sol e a brisa dos ventos na piscina do convés.
Sabe também que por sempre estarem no poder central, se aproveitaram para enriquecer e roubar com frequência o patrimônio do povo brasileiro.
Entretanto, afastados democraticamente do poder pelo governo do povo, criaram a farsa de um julgamento exemplar, onde os condenados  que tem como patrimônio apenas a casa onde vivem com suas famílias são apresentados como corruptos deploráveis.
Cabe lembrar que os condenados são pessoas do povo, não costumam viajar na primeira classe.
Está em jogo, mais do que a farsa do julgamento, a consolidação de um conceito de que pessoas do povo que não frequentaram unversidades,  que não tiveram acesso a cultura e ainda são oriundas de setores pobres da sociedade , não tem caráter , competência e honestidade para assumir o leme.
Quanto aos verdadeiros ladrões  e corruptos, continuam livres, e não se tem a mínima idéia se de fato um dia serão detidos para que o país de fato inicie uma nova era de transparência.
E para comandar essa farsa grotesca e mentirosa, de maneira que subliminarmente não pairem dúvidas sobre a lisura do julgamento, nada melhor que um magistrado preto e oriundo do povo.
Enredo melhor para burguesia  seria impossível.
'há muito tempo nas águas da Guanabara
 o dragão do mar reapareceu...
Assim como a belíssima canção que  o caro leitor tão bem conhece, a farsa do julgamento está na boca do povo, em cada esquina, nas favelas, nos sindicatos, nos bares, nas escolas, no campo, em todos os lugares onde a razão predomina. 

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