quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Um Vira-lata Raivoso

Eric Nepomuceno: Ressentimento se voltou contra Dirceu e Genoíno

publicado em 20 de novembro de 2013 às 21:00

Foto Fellipe Sampaio/SCO/STF
18/11/2013 – Copyleft


Anotações sobre uma farsa (II)
Era preciso expor José Dirceu ainda mais – e também José Genoino – à execração pública. Concentrar neles toneladas de ressentimento sem fim.

por Eric Nepomuceno, na Carta Maior
Quando se postulava a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, o então juiz Joaquim Barbosa procurou José Dirceu, ministro-chefe da Casa Civil do primeiro governo de Lula (2003-2007).
Apresentou um pedido de rotina: apoio para que seu nome fosse levado ao presidente, a quem cabe indicar os membros da corte suprema.
Dirceu recebeu o pedido, e comentou com o postulante: “Bom mesmo será o dia em que os que pretendem chegar ao Supremo obtenham sua indicação por seus próprios méritos, e não por indicações políticas como a que está me pedindo”.
Barbosa foi escolhido por Lula porque Lula queria ser o primeiro presidente a indicar um negro para a corte máxima do país.
De origem humilde, Barbosa construiu sua carreira graças a um esforço descomunal. Teria méritos profissionais mais que suficientes para chegar aonde chegou. Mas não chegou por eles.
Antes, tentou entrar na carreira diplomática. Acabou frustrado pelo elitismo dominante na corporação: o teste psicológico do Itamaraty que o derrotou menciona uma personalidade insegura, agressiva, com profundas marcas de ressentimento. Com isso, não fez outra coisa além de reforçar a agressividade, a prepotência, o autoritarismo e, enfim, o ressentimento do candidato.
Não terá sido a única razão, mas certamente contribuiu para que toda essa história desse no que deu.
 
O sistema judiciário brasileiro está, como todo o sistema político, impregnado de vícios de raiz.
A condução mediática e espetaculosa do julgamento que levou Dirceu e Genoino para a cadeira é prova cristalina dos desmandos do Supremo Tribunal Federal.
Joaquim Barbosa tem vasta e sólida experiência. Não é um aventureiro doidivanas: sabe muito bem o que faz. E fez o que fez, ao expedir os mandados de prisão de maneira tão insólita, de propósito.
José Dirceu é uma espécie de ódio pessoal. Mais do que prendê-lo, era preciso expô-lo ainda mais – e também José Genoino – à execração pública.
Concentrar neles toneladas acumuladas de ressentimento sem fim.
Não há outra explicação para que a ordem expedida aos responsáveis pela sua execução tenha sido tão absurdamente imprecisa.
A pena a que estão condenados implica, necessariamente, legalmente, constitucionalmente, outro tipo de tratamento. Joaquim Barbosa tem plena consciência disso.
Tecnicamente, ao menos, não há como negar essa consciência.
Mas parece que nada disso importa. O que importa é que agora ele, paladino do moralismo hipócrita que viceja neste país, tem uma ampla e luminosa alameda para caminhar rumo a uma estrepitosa carreira política na maré da direita mais hipócrita.
Alguma vez, algum dia, esse país exumará essa história, da mesma forma que está exumando, junto aos restos mortais do presidente Jango Goulart, os detalhes das manipulações impostas ao país pelas suas elites malandras.
Agora, com meio século de atraso, admite-se que a farsa perpetrada por parlamentares submissos à elite civil que fez dos militares seus marionetes de ocasião seja desmascarada.
A começar, aliás, pelo começo: a tal revolução do 31 de março de 1964 não passou de um golpe torpe perpetrado no dia primeiro de abril de 1964. O dia da mentira.
Algum dia se conhecerá a verdade, os bastidores dessa farsa consagrada pelo Supremo Tribunal Federal e construída e alimentada pelos grandes blocos que controlam os meios de comunicação deste país.
Meios que não informam: deformam. Juízes que, em sua maioria, não fazem justiça: são figuras de um grande teatro de absurdos.

Quando os fracos e confusos adquirem poder o surto é apenas uma questão de pouco tempo, independente da robustez do poder adquirido. 
Isso vale até para um porteiro de edifício.
Diante dos fatos e acontecimentos que fazem parte desse julgamento, e mais do que a análise jurídica sobre o resultado, o que emerge de forma clara e transparente é uma explosão de ressentimento e raiva, que nada mais é que um encontro desses setores da sociedade com suas raízes, tão ignoradas por eles mesmos durantes séculos de negação.
Tal qual um animal selvagem que persegue seu inimigo para um ataque, assim como fazem os cães quando partem para um ataque sobre humanos, por exemplo, a aparente tranquilidade e a paz decorrente se manifestam após a explosão de fúria. 
Momentos de ódio e paz, alegria e tristeza, trocam de lugar em pouco tempo.
A sequência dos acontecimentos para aqueles que apenas observam tais processos e não se deixam contaminar pela disputa, mesmo que tenham um lado definido, revela um momento de um grande vazio e mesmo de perplexidade, quando os objetivos coléricos de uma parte são atingidos. 
A perplexidade torna-se ainda maior quando o que está em jogo é uma decisão da suprema corte do país e seu par na alcateia formada, a velha mídia.
A título de exemplo, para que o caro leitor possa se lembrar de algo em que vivenciou, os dias que antecederam as eleições para presidente da república em 2006, no primeiro turno, foram carregados de um noticiário histério e violento sobre uma suposta compra de dossiê por parte de pessoas do PT. Durante  pelo menos dez dias antes do pleito daquele ano, a velha mídia conduziu um noticiário que crescia em histerismo e denúnicas vazias, sem tempo para qualquer tipo de reflexão por parte da sociedade, até chegar ao pico no dia de véspera das eleições. 
No dia seguinte da eleição, com os resultados conhecidos e os objetivos alcançados, houve uma mudança brusca  no processo jornalístico e de informação, levando a população ao tal sentimento de vazio e perplexidade, que em um momento seguinte, naturalmente, permite a reflexão e compreensão da realidade.
É o que de certa forma a população brasileira está vivenciando agora com as decisões tomadas pelo STF no caso da ação penal 470 e também com o papel desempenhado pela velha mídia na cobertura do processo.
De forma clara, mídia e STF revelam sentimentos opostos ,que se modificam em poucos dias, com direito a comemoração , com vinho, sobre o resultado do julgamento.
Dirceu e Genoíno, alvos de toda a fúria e ressentimento, são políticos do PT, partido que desde a sua fundação simboliza e aglutina o mundo do trabalho, o povo trabalhador e, também, toda a identidade cultural desse povo que em um determinado momento da vida política do país, mais precisamente no final de 2002, conquistou a presidência da república e ao longo desses anos , enquanto povo com sua cultura, foi bem sucedido no governo, local até então destinado a intelectuais ou pessoas originárias de setores elitizados da sociedade que por séculos dominam o país.
O encontro da sociedade, mais precisamente a classe média, com ela mesma nesses anos de governo do PT produziu reações violentas, com expressões de várias formas de racismo  e elitismo, ao constatar que suas raízes e origens , tão negadas por ela classe média e elites, estão sendo bem sucedidas e admiradas pelo mundo.
Algo como  'eu podia e não sabia que podia' tomou conta de boa parte da classe média do país, com todos os desdobramentos advindos da transferência proporcionada pelo povo na presidência. 
Porém, com o comando das elites endinheiradas, representado pela velha mídia com seus conteúdos tanto de jornalismo quanto de entretenimento, uma parcela da sociedade ( classe média e mesmo alguns setores mais abaixo ), sem ter consciência dos significantes de suas  reações, também seguiram o mantra de combate a corrupção e punicção exemplar aos corruptos, isso sem o menor conhecimento do que realmente se disputa nessas esferas de poder.
Com o passar dos dias, a população brasileira , que não é assim ingênua como pensa a velha mídia, começa a costurar corretamente a trama que se formou com o espetáculo midiático do julgamento e , assim sendo, compreende que o circo montado em nenhum momento tenta criar um novo paradigma que viria para moralizar a vida pública do país, já que , entre os detidos de forma ditatorial, se  constata que são pessoas que possuem um patrimônio perfeitamente compatível com suas funções públicas e, mais ainda, que o dinheiro utilizado no pagamento de mesadas a parlamentares, não teve origem pública. 
Com isso, a população também percebe, de forma clara, que somente denúncias contra pessoas ligadas ao PT tem repercussão na velha mídia e, mais ainda, as grandes subtrações de dinheiro público acontecem até mesmo com o apoio desses meios de comunicação, em estados da federação onde  o ideário do capital se alia aos interesses da velha mídia.
O desequilíbrio na cobertura dos fatos assim como o desequilíbrio de pessoas encarregadas de julgar, se revela, cristalino, não durante o processo, mais ao término de suas fases, quando a população verifica os sentimentos opostos que afloram nos principais atores.
Há um surto de grandes proporções no judiciário e nas redações das grandes mídias, que certamente contribuirá para fragilizar  ainda mais os já fragilizados setores de oposicão ao governo federal.

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