terça-feira, 30 de julho de 2013

O Papa Jovem

PAPA POP & PROVOCADOR

Estado laico esquecido, religião oficial consagrada

Por Alberto Dines em 30/07/2013 na edição 757 do Observatório da Imprensa
 
Ninguém lhe roubará o título de figura mais humana, simpática e mais calorosa do mundo. Quintessência da bonomia e da lhanura. Esses galardões o papa Francisco conquistou no seu primeiro périplo internacional, aqui, no Brasil, e o manterá, esperamos, por um longo tempo.
Percebeu a bagunça na organização do evento e generosamente a atribuiu a si, acobertando involuntariamente a irresponsabilidade embutida na incúria e na incompetência dos anfitriões.
Por outro lado, a visita do sumo pontífice, embora riquíssima em matéria de provocações e estímulos de ordem moral e política, não conseguiu nos aproximar da discussão direta sobre um dos problemas centrais do mundo contemporâneo: o poder religioso e a ausência de um contrapoder democrático para contrabalançá-lo. Em outras palavras: a questão do laicismo do Estado continuará fermentando, adiada e explosiva.
Com a sua visível obsessão pela transparência, o papa Francisco tentou lembrá-la no discurso dirigido à sociedade civil, no belíssimo monumento à cultura que é o Theatro Municipal do Rio de Janeiro (sábado, 27/7). Texto surpreendente, em todos os sentidos – enfatiza a “cultura do encontro”, valoriza uma “humanização integral”, prega uma “democracia muito além da lógica da representação”, propõe um “humanismo na economia”, chega a louvar um Estado laico, “sem assumir como própria qualquer posição confessional”, porém só admite nessa igualdade os santificados por alguma crença religiosa.
E nosotros,hermano Jorge Mario Bergoglio?
Nós, agnósticos, descrentes ou não-crentes, nós os que levamos às últimas consequências a condição de pensantes, nós os que duvidamos não somos filhos de Deus? Este observador sempre imaginou que os céticos e até mesmo os ateus seriam os preferidos dos pastores de almas porque têm a coragem para questionar e adiantar-se ao rebanho.
Como democratas intransigentes e integrais, respeitamos a presença daquilo que o papa Francisco denominou “fator religioso na sociedade”, mas como humanistas, herdeiros do Renascimento e do Iluminismo – e não apenas na economia – sonhamos com algo mais abrangente, um laicismo autêntico, legítimo, capaz de valorizar aqueles que não necessitam de intermediários para aproximar-se de Deus, nem se curvam ou cultivam dogmas e tabus.
Estimativas inflacionadas
Foi um discurso rico, estimulante sob o ponto de vista filosófico e algo desafiador sob o ponto de vista político por escancarar a percepção de que o laicismo dos crentes nunca será absoluto, sempre relativizado: segrega os descrentes, não lhes oferece o mesmo espaço-cidadão.
A cobertura do discurso nas edições de domingo (28/7) só agravou a noção de que nosso país adota uma religião oficial. Apenas a Folha de S.Paulo tentou valorizar com um subtítulo o parágrafo sobre laicismo do discurso pontifical. Os demais se contentaram em reproduzir burocraticamente a íntegra. E estamos conversados.
Na segunda-feira (29), nenhum opinionista deu sequência à opinião do papa Francisco, exceto o jornalista Luís Paulo Horta, que dividiu com o também jornalista Frei Betto o recanto de opinião do caderno diário do Globo sobre a Jornada Mundial da Juventude (JMJ, ver aqui).
A grande verdade é que nossa imprensa não é laicista, nem laica, não se ocupa/preocupa com secularismo ou a isonomia no Estado de Direito. Nunca o fez. Exceto no período 1808-1822, quando, a exemplo de Hipólito da Costa, alguns jornalistas-fundadores assumiam-se como maçons e, mais tarde, nos albores da República, quando os positivistas defendiam a rigorosa separação entre Igreja e Estado.
Hoje, a forte penetração do Opus Dei nos grandes e médios jornais brasileiros, tanto nos comandos intermediários como na cúpula das entidades corporativas, não permite nem permitirá que o debate sobre o laicismo possa prosperar e ser incorporado à agenda para o aperfeiçoamento democrático.
A prova mais recente foi a cobertura da visita do papa Francisco não apenas intensa, extensa e pouquíssimo isenta como também nada pluralista. Aliás, assumidamente devocional e engajada. Quando a mídia não assume os princípios de tolerância e respeito às diferenças, o Estado adota o mesmo comportamento e incorpora os mesmos favorecimentos.
Jornais impressos não são obrigados a ser equilibrados, mas caso pretendam uma imagem de credibilidade deveriam tentar posturas mais naturais, equidistantes. Porém a TV, sobretudo a TV aberta, é uma concessão pública, do Estado, e, como tal, não pode estar atrelada a uma religião, muito menos transmitir cultos religiosos ao vivo em versão integral.
Não foi o que aconteceu com a cobertura da homilia do papa na quinta-feira (25/7), pela GloboNews, transmitida ao vivo de Copacabana com os/as âncoras in loco, tiritando de frio, porém devidamente aquecidos pela fé religiosa.
Também a via-crúcis, encenada na mesma Copacabana, foi transmitida integralmente (sem comerciais) pela Rede Globo, em TV aberta, ao vivo, na noite de sexta-feira. O único jornalista a registrar o pecado foi Nelson de Sá, da Folha (sábado, 27/7). A Rede Globo não ofereceu explicações. E ninguém cobrou. Nem a Folha, embora o jornal tenha sido o único veículo a contestar as estimativas absurdamente inflacionadas divulgadas pelos organizadores no tocante ao número de participantes dos diferentes eventos da Jornada.
Dupla de gigantes
Ao contrário do que aconteceu na Copa das Confederações permeada por críticas e questionamentos, o noticiário geral da JMJ foi energizado pela devoção. Até mesmo as tremendas falhas de organização e logística da prefeitura do Rio foram perdoadas. No balanço final apresentado pelo prefeito Eduardo Paes na segunda-feira (29) ele se autoconferiu a nota dez e ficou por isso mesmo. Assim se constroem factoides e ilusões.
O natural entusiasmo dos jovens peregrinos e a emoção dos cariocas extasiados com a figura benevolente do pontífice foram sutilmente utilizados para maquiar a imperdoável improvisação. A ausência de acidentes ou incidentes nas colossais concentrações humanas nas areias de Copacabana não pode ser tomada como façanha das autoridades. Resultaram da índole de um povo simples, crente, fascinado pelos espetáculos, atraído por uma intensa, demorada e perfeita cruzada motivadora.
Seus autores: a dupla de gigantes da comunicação devidamente irmanados: a igreja católica e a Rede Globo.

O Papa foi além do esperado, pelo menos no discurso.
Pediu que os jovens assumam um papel de revolucionários e não se deixem manipular pelos meios de comunicação, como se a Igreja não fosse um poderoso meio de comunicação com as pessoas.
Passam-se séculos e a luta para manter e ampliar o rebanho continua a mesma. 
Condenou com veemência a corrupção sem que saibamos ao certo sobre que corrupção o Papa se referia. 
Se sobre os escândalos do Banco do Vaticano, a Privataria Tucana, a FIFA, o Sistema Financeiro Mundial...
Surpreendeu a todos em um de seus discursos ao defender a cultura do encontro, uma economia  mundial em favor do homem e não o homem em favor da economia, humanização integral, uma democracia participativa, a presença das mulheres na instituição Igreja e outros temas. 
Disse ainda que a Igreja não é uma ONG e deve sair às ruas, porém a maior parte do seu discurso citado acima vem do visionário IV Manifesto dos Rosacruzes , de 2001 ( ver  a íntegra do Manifesto em www.amorc.org.br), uma organização não governamental.
O discurso do Papa entra em rota de colisão com a medieval instituição Igreja e todos sabemos que o poder do Papa , na Igreja, não é ilimitado, ao contrário,como afirmou Bento XVI por ocasião de sua renúncia.
Que o Papa Francisco tome os devidos cuidados sempre que for dormir.
Quanto a cobertura da imprensa brasileira, mais precisamente a velha e decadente imprensa, os esforços das redações foram voltados para tentar reconquistar um tipo de audiência que vem caindo , os jovens. 
E nada melhor do que um evento voltado para os jovens e que reuniu milhões de jovens nas ruas da cidade maravilha para tentar alavancar a decadência lenta, gradual e inevitável da velha mídia.
Apesar do discurso do Papa acenar um avanço para sair do medievalismo, a Igreja continua ocupando o espaço da direita, conservador.
Já  a tv globo, como é do conhecimento do leitor atento , alinha-se com a ala ultra conservadora da Igreja como bem descreveu o artigo de A.D. no texto acima, colocando-a à direita do Papa Francisco, mais ou menos alí pelo século XI.
Logo não surpreendeu a cobertura com direito a missas ao vivo e inclusive com censura de alguns temas abordados pela Papa.
Isso é lamentável e constrangedor, pois uma concessão pública de tv deve ter um mínimo de equilíbrio em suas abordagens jornalisticas e mesmo em sua grade.
Ao agir dessa maneira, globo, pela abrangência de sua audiência,  não só agride ao público como indiretamente autoriza outras mídias a fazer o mesmo, inclusive em outras correntes religiosas, transformando o espectro eletromagnético em cultos, missas, deuses, diabos, templos, malafaias, terreiros, igrejas, encostos, tranca rua, espíritos, almas penadas, o pai, o senhor, jesus, bíblia, cabocla Jurema, saravá e axé.
Esse comportamento de globo na cobertura da visita do Papa, apesar da devoção religiosa , foi de uma indecência gigantesca e deve servir como  subsídios para o debate da inadiável democratização dos meios de comunicação no Brasil.
O telespectador, o leitor e o ouvinte não são obrigados a esse tipo de "informação" que visa , em grande parte, melhorar os índices de audiência da decadente velha mídia.
O Deus Mercado de Globo rezou forte na visita do Papa.



 
 

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