segunda-feira, 8 de julho de 2013

Grampos & Protestos

O ‘big brother’ desmascarado

Por Luciano Martins Costa em 08/07/2013 na edição 753. Comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa.
O Globo cria um cenário de contradições na imprensa brasileira desde que publicou, no domingo (7/7), reportagem denunciando que o Brasil foi um dos alvos preferenciais da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, segundo documentos revelados pelo ex-técnico da instituição Edward Snowden. O mapa publicado pelo jornal carioca mostra que o Brasil esteve entre os países mais visados pela espionagem americana, na companhia de China, Rússia, Irã e Paquistão.
Embora não tenha acessado o conteúdo das comunicações, o volume do monitoramento denuncia o gigantesco sistema mantido pelo governo americano durante toda uma década. O interesse dos jornais se concentrou principalmente na questão geral da quebra de privacidade nas comunicações, evoluindo rapidamente para o problema do ataque à soberania do país e das demais nações espionadas.
Mas a quebra sistemática do sigilo das trocas de informação entre particulares ou envolvendo autoridades tem um risco ainda mais controverso, que é a possibilidade de o governo dos Estados Unidos ter monitorado comunicações de negócios de empresas brasileiras com fornecedores ou clientes internacionais. Esse tipo de informação privilegiada coloca em xeque o mito da liberdade comercial e, teoricamente, quebra o princípio da igualdade de condições que supostamente governa o capitalismo globalizado.
Uma empresa americana de petróleo pode mapear a estratégia de investimentos da Petrobras, por exemplo, pela simples identificação dos interlocutores de alguns dirigentes da petrolífera brasileira. Da mesma forma, todo o setor agrícola dos Estados Unidos pode se beneficiar do rastreamento de informações do agronegócio brasileiro.
Se a espionagem americana no Irã e no Paquistão é motivada por questões de segurança, o monitoramento das comunicações na China e no Brasil deve ter outras razões, uma vez que esses dois países estão fora do mapa principal do terrorismo internacional. Não foi por acaso que a reunião ministerial convocada pela presidente da República para discutir o assunto, segundo o Globo, tinha como preocupação central a possibilidade de monitoramento político, comercial e industrial.
Provavelmente criado após os atentados de 11 de setembro de 2001, o sistema de espionagem derivou posteriormente para outras funções, denominadas genericamente como “observação de lideranças”.

Soberania e privacidade

As revelações de Edward Snowden provocam também muita discussão nas redes sociais sobre invasões de privacidade, tema sempre presente nos comentários do Facebook. No entanto, tudo indica que o sistema de monitoramento das agências americanas tinha alvos específicos e, mesmo que continue em operação, dificilmente teria condições de sequer distinguir identidades de pessoas sem interesse estratégico.
Os alvos dos espiões eram governantes, dirigentes de empresas com atuação internacional e, naturalmente, os levantamentos de instituições como a Embrapa, que monitora o sistema agrícola nacional.
Para o “big brother” real, soberania e privacidade são expressões sem sentido. Para a imprensa brasileira, que viaja na fantasia da suposta “liberdade de mercado”, fundada no mito da livre concorrência, fica complicado admitir que a crença na absoluta autonomia dos negócios privados é pura ilusão.
A indignação presente nos textos e manchetes parece autêntica, mas seria interessante contextualizar o momento em que supostamente os serviços de espionagem dos Estados Unidos estabeleceram sua base de monitoramento por satélite em Brasília.
Embora a informação esteja lançada apenas de passagem no noticiário, é preciso destacar que os documentos desviados por Snowden e divulgados pelo Globo se referem a operações realizadas em 2002. Nesse período, o sistema hoje conhecido como Big Data, que permite armazenar e administrar uma quantidade incalculável de dados, era um recurso disponível apenas para alguns governos e grandes empresas.
Na década passada, o governo dos Estados Unidos estava preocupado com as chances do candidato Lula da Silva vencer as eleições presidenciais, e não se pode descartar a possibilidade de ter havido alguma conivência ou omissão de autoridades brasileiras na implantação do projeto.
Embora a importação de equipamentos por representações diplomáticas esteja protegida pelas normas internacionais, essa é uma pauta que deveria instigar a curiosidade dos jornalistas: como os americanos conseguiram montar e operar sigilosamente tal aparato em plena capital do Brasil?

Na maioria esmagadora dos países vigiados pelo Big Brother trapalhão, o foco, com certeza,  são as relações políticas, comerciais e industriais.

Uma pequena parcela da bisbilhotagem é voltada para o "combate ao terrorismo".
 
Sendo a internete o principal campo de operação da bisbilhotagem, não se pode negar que o sistema de grampo mundial já tenha acumulado um grande conhecimento sobre a dinâmica das trocas de informações nas redes sociais, assim como  os melhores opções e táticas para interferir nessas trocas  em função de interesses específicos.

Isso se aplica no comércio, na indústria, nos investimentos e na política.

O boato sobre o fim do programa bolsa família, lançado criteriosamente nas redes sociais  e que levou milhares de pessoas às agências da Caixa Econômica Federal, não foi fruto do acaso e muito menos um ato de amadores em uma conversa de bar, como se apressou em afirmar o âncora do Jornal da tv Bandeirantes.

A multidão , que de uma hora para outra, resolveu sair às ruas para protestar também não foi um ato espontâneo. 
Foi forjada no impulso de uma pequena parcela que já se manifestava nas ruas, ou seja, em um sentimento em curso, uma ação semelhante ao desejável, uma opção de ressiginificação e recontextualização, etc...

O domínio da dinâmica das trocas nas redes sociais não é exclusivo do big brother trapalhão. 

Nas eleições presidenciais de 2010, aqui no Brasil, a equipe da candidata Marina Silva utilizou e maximizou a utilização das redes sociais. 
Dentre as várias técnicas utilizadas pela equipe de Marina,  tinha-se o monitoramento 24 horas de toda e qualquer notíca sobre a candidata, de maneira que qualquer notícia ou comentário que viesse a prejudicar a imagem da candidata fosse ressignificado e recontextulaizado pela sua equipe tão logo  detectado, impedindo assim  que sua profileração fosse maximizada na rede. As notícias positivas, ao contrário, tão logo identificadas, eram enviadas em grande quantidade, até mesmo diversas vezes para o mesmo usuário. 
Enquanto na tv e nos jornais uma denúncia sobre um candidato levava até dias para uma ressignificação ou uma  recontextualização , na campanha de Marina isso era quase que instantâneo. Uma outra caracaterística da equipe da candidata era a de surfar em acontecimentos classificados como positivos, ou seja, maximizar um sentimento, uma tendência ou uma ação.
Esse trabalho vai além do marqueting político conhecido e atua em um campo até bem pouco tempo inexplorado na vida dos cidadãos.

A questão que se impõe , agora, depois do desmascaramento do sistema de grampo mundial, é se realmente todas as mais recentes decisões mundiais, políticas, comercias, econômicas, industriais e outras, podem ter sido tomadas em prejuízos daqueles envolvidos e vigiados.

Coloca em cena , também, um grande número de empresas privadas que fazem parte direta ou indiretamente do sistema, empresas , por exemplo, no campo das telecomunicações, telefonia e  imprensa para citar as mais prováveis, até mesmo pela característica do processo de vigilância  e operação de ações, o que traz para o debate a importância da reestatização de alguns setores da economia.

Tudo isso, e muito mais já que o assunto é inesgotável no momento, nos remete aos protestos ocorridos recentemente aqui no Brasil . 
No início apenas um pequeno grupo com uma pauta progressista manifestava-se nas ruas da cidade de São Paulo. 
Foram chamados de vândalos pela imprensa. 
De uma hora para outra, a mesma imprensa passou a elogiar os protestos e os manifestantes, a ponto de o programa da apresentadora Ana Maria Braga , da tv globo, ensinar os manifestantes a confeccionar seus cartazes que seriam levados às ruas.
Claramente por parte da imprensa houve uma ressignificação e uma recontextualização dos protestos e, o foco, das mensagem, que cresceram de forma avassaladora se deu nas redes sociais.
Um exemplo da integração do sistema de grampo com ações subsequentes , neste caso no campo da política.

O que pode estar acontecendo nos campos da indústria, comeŕcio e investimentos, deve estar se perguntando o caro leitor apreeensivo.

Não por acaso,  Edward Snowden está sendo caçado pelo governo dos EUA por ter trazido a tona uma informação relevante, uma contribuição à democracia, um importante auxílio para retomada do processo de civilidade. 
Em tempos de fascismo, uma informação útil  é motivo de caçada por parte de um governo, de bloqueio do espaço aéreo de vários países de um avião presidencial com o presidente a bordo por estar supostamente dando carona a Snowden, de censura sobre o assunto por parte da maioria da imprensa mundial.
Uma inversão total de valores em um mundo que se autoproclama democrático ,civilizado e livre.
Na contramão desse mundo , alguns países, de forma digna e corajosa, trilham outras alternativas no desenvolvimento e crescimento econômico, onde a democracia de fato é exercida, e assim sendo, é censurada e demonizada assim como seus governantes.

Na sequência dos protestos que ocorreram por aqui, a presidenta Dilma , corretamente ouviu os manifestantes e deu início à implementação de suas reivindicações.

Curiosamente e ironicamente , a vigilância e conhecimento sobre as redes sociais permitiu maximizar a magnitude das manifestações de rua, mas não  conseguiu prever que as principais reivindicações dos manifestantes tivessem um sentido contrário ao da ideologia que permeou tal maximização.

Não é também por acaso que agora, a mesma velha imprensa que inicialmente rotulou as manifestações como ações de vândalos, depois mudou e passou a apoiar os manifestantes agora classifica os protestos como infantis ao estilo mickey mouse em uma clara tentativa de barrar as ações do governo federal  em resposta às ruas.

A espionagem  mundial fornece importantes informações , porém, ainda é incapaz de prever o desenrolar dos acontecimentos.

O governo brasileiro, ao tomar conhecimento que vem sendo vigiado pelo big brother desmascarado deve agir de imediato e com firmeza.

Em primeiro lugar deve aceitar o pedido de asilo de Snowden, caso seja solicitado, não apenas como um ato humanitário e civilizado, mas também como uma forma de valorização da democracia e resposta aos atos invasores de espionagem que ferem não apenas a sobertania nacional, mas de todos os países.

Em segundo lugar, compreender as reivindicações oriundas das ruas  e aproveitar a oportunidade extraordinária de trilhar os caminhos da democracia plena , do crescimento com desenvolvimento e da justiça social.


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