sexta-feira, 12 de julho de 2013

Ecos dos Protestos - XV

E ontem, 11 de julho de 2013, foi o dia nacional de lutas.
E  depois, o que virá ?
No país do carnaval, dos grandes desfiles das escolas de samba, o terceiro contingente de manifestantes saiu às ruas.
O caro leitor deve estar se perguntando sobre os dois primeiros.
Então , vamos lá.

O primeiro grupo de manifestantes protesta diariamente.
Todos os dias, em todos os anos, ao longo de anos, décadas e séculos eles saem às ruas, discretamente, em carros com motoristas, ou de helicópetros, em jatinhos próprios, ou mesmo em aviões de carreira, no conteúdo do noticiário da velha imprensa, para protestar e pressionar os poderes da república de maneira que seus interesses sejam plenamente atendidos. 
Uma pressão elegante, chique, em salões luxuosos, onde trocas e favores deixam cada vez mais robustas as contas bancárias de ambos os lados.
Uma passeata, ou melhor um cortejo, ou melhor ainda um desfile de pessoas com trajes caríssimos, cortes de grife, rostos rejuvenecidos, podem ser vistos diariamente nos palácios dos governos municipais, estaduais e federal, nos parlamentos, em gabinetes diante da imagem de equilíbrio que a balança sugere, em discretas mesas de discretos resturantes, nas ruas e avenidas que o poder oferece para poucos.
São empresários, grandes empresários, lobistas, trapaceiros, gângesters, contraventores, profissionais na arte do protesto e da pressão que tem nas esferas de poder seus representantes eleitos ou não pelo povo, para o povo e com o povo.
Sempre em nome do povo seus representantes se apresentam diante da opinião pública.
Esse protesto, ou pressão, é poderoso, pois define na maioria das vezes os rumos do país, da economia, claro, sempre em nome das supostas necessidades do povo, esse ente tão carente e necessitado de ajuda diária.
Esses manifestantes são os endinheirados da sociedade, bajulados por políticos e togados sem escrúpulos e decência, adorados pela velha imprensa, figuras carimbadas das colunas sociais e fonte de inspiração de artistas decadentes, intelectuais rejeitados, e de uma parcela da classe média alta que defeca em banheiros de altíssimo luxo ao som de músicas de Ivete Sangalo ou Cláudia Leite. 
Seus protestos e manifestações não são televisionados e sequer chegam ao conhecimento da imensa maioria do povo. 

O segundo grupo de manifestantes esteve nas ruas do país recentemente, mais precisamente no mês de junho próximo passado.
É uma parcela da classe média, bem nutrida, com instrução superior, mas totalmente alienada em questões que se referem a política, economia e poder.
Raramente saem às ruas para protestar, manifestar e reivindicar.
Costumam seguir os ditames da moda em curso, em todas as suas dimensões, o que talvez ajude a explicar sua movimentação pelas ruas nesses últimos dias, já que manifestações de rua tornaram-se um fenômeno mundial.
Em sua maioria são conservadores em todas as dimensões da vida social.
Consumidores de uma cultura pop, onde predominam a imprensa e as emissoras de tv como fonte de informação e conhecimento.
Essa parcela da classe média vive  em constante conflito de existência, pois se comporta e se apresenta como se estivesse nos ceús em jatos pŕoprios e, ao mesmo tempo, rejeita suas origens e suas raízes. Ao que deseja ser e ao que não deseja lembrar, ela vive não sendo, e assim sendo, sempre é conduzida pelos interesses do primeiro grupo, já que não se considera povo.
Em sua última aparição nas ruas trouxe elementos de um fascismo líquido, que em outras épocas sempre se fez presente em seu ideário. Isso se deve em grande parte aos seus principais mentores, no caso a velha imprensa e as emissoras de tv, que foram os responsáveis diretos pela convocação às ruas desse segmento da sociedade.Com uma agenda abstrata contra a corrupção  , uma negação a política ( sem saber que nas ruas estavam fazendo política), violência contra opiniões contrárias as suas, e um nacionalismo desforme e tosco que lhes foi colado por conta de um evento que envolvia a seleção brasileira de futebol, acabaram por produzir um sentimento de mudanças que, em tese e a princípio, jamais interessou aos seus mentores e principais incentivadores de sua ida às ruas.
Como era de esperar foram continuam sendo notícia positiva na velha imprensa e nas emissoras de tv.


O terceiro grupo esteve ontem nas ruas.
É a classe da sociedade organizada em sindicatos , movimentos sociais e partidos políticos, a classe trabalhadora que luta para pelo menos impedir que o pouco que restou dos direitos trabalhistas, por conta da revolução neoliberal e da globalização que varreu o mundo do trabalho nos últimos 20 anos,  não seja dizimado pela fúria do primeiro grupo.
Não é classe média, alta, baixa, mas sim a classe trabalhadora que sempre estará na luta enquanto existirem opressores e oprimidos.
É a parcela da sociedade mais politizada, ligada a partidos políticos fortes que trouxe uma pauta de reinvidicações progressista e de avanços nas relações capital-trabalho.
Diferente do segundo grupo, podendo inclusive fazer parte dele enquanto classe média, entende que as decisões passam necessariamente pela política ( assim como entende o primeiro grupo) e somente através da luta incessante se pode conseguir os resultados desejados e, seu campo de visibilidade sempre foram as ruas das cidades.
Naturalmente são rejeitados pelo primeiro grupo e não dispõem de emissoras de tv para convocar suas manifestações, ao contrário, suas manifestações são sempre boicotadas pela velha imprensa e pelas emissoras de tv privadas, como  ocorreu ontem nos principais programas de tv e nos noticiários, ao ponto de um apreentador da tv record ( que comanda um relaity show para audiência do segundo grupo) dizer, ao vivo, em uma chamada sobre as manifestações que a manifestação do povo é aquela sem partidos políticos, em uma clara negação da política e dos partidos enquanto organizações aglutinadores dos interesses do povo.



O que se aguarda, ou se deseja, é a manifestação do quarto grupo.
Não se sabe se virá às ruas, ou melhor, se  algum dia sairá das ruas. 
São aquelas pessoas que saíram da miséria extrema nos últimos dez anos por contas das políticas de governo e , como isso, passaram , pelo menos , a poder se alimentar. Muitos são moradores de rua, sem teto, sem terra, vendedores ambulantes, prestadores de serviços em domicílios ( domésticas, encanadores, eletricistas, etc..) costureiras, moradores de favelas , moradores da periferia das grandes cidades, pessoas que fazem bicos para viver, subempregados escravizados sem quaisquer direitos trabalhistas, donos de mirco negócios em regiões carentes, índios, pobres, pessoas não sindicalizadas, raramente organizados em movimentos sociais que não tem mídia para organizar seus movimentos, e até mesmo para dar visibilidade a sua existência. Para o primeiro grupo essas pessoas não existem, já o segundo grupo os explora e escraviza enquanto necessita e o terceiro grupo tenta organizá-los.
Esse grupo, os excluídos, representa o povo, o verdadeiro povo que vive encurralado nas periferias, pendurado em barracos em favelas, dormindo nos pontos de ônibus  que se deseja o passe livre, espremido nos vagões de trens, a espera de um médico que vá ao trabalho em um hospital público em centro urbano ( o mesmo médico que não deseja que o governo traga médicos para áres remotas e carentes do país)e esperando que vida melhore pelas antenas de tv. 
Esse, o povo , ainda não se manifestou e pouco se sabe se algum dia sairá às ruas, ou das ruas.

E então, caro leitor, o que se  pode concluir diante das evidências acima ?
Pode-se afirmar, com certeza, que não existem sociedades homogêneas. As sociedades são complexas, divididas em partes, grupos, classes. Assim sendo são todas partidas e
seus diferentes grupos se organizam em partidos políticos que representam partes da sociedade.
Em uma democracia deve-se garantir a liberdade de expressão de todos os grupos, inclusive de grupos que sejam  contrários  a democracia  desde que se manifestem nos limites da ordem e do direito do outro e respeitem as regras do jogo democrático .
Isto posto uma parte da sociedade democrática não pode querer tirar a força um governo legítimo e eleito pela maioria dentro das regras estabelecidas para o jogo democrático.
Garante-se a liberdade de expressão para todos  mas também garante-se as regras do jogo.
O momento atual apresenta novas formas e espaço de se fazer política.
As redes sociais, através de seus membros, quando discutem e organizam ações de protestos não fazem nada de diferente, no que diz respeito ao conteúdo,  do que fazem os membros de partidos políticos ou de movimentos sociais reunidos em assembleia em algum local específico. Entretanto, pela característica  aglutinadora das redes sociais sem a necessidade de locomoção física dos usuários e também pelo fato da maioria  dos partidos políticos ( não só do Brasil mas em todo o mundo) estarem ainda defasados em relação as tecnologias da informação e a maximização de seu uso,  muitos usuários das redes sociais acreditam , erroneamente, que estão a fazer política independente e que não necessitam de partidos políticos. Cabe ainda lembrar, que as decisões tomadas por esses grupos "independentes" certamente se encaixam em alguma parte da sociedade e, assim sendo, se inserem em um conteúdo programático de um partido político, ,mesmo que eles não sejam os mediadores das discussões e até mesmo que não façam parte dos debates. Isto posto, pode-se vislumbrar um futuro próximo em que os partidos políticos serão extremamente atuantes nas redes sociais como foruns de encontro e debates de temas de interesse da sociedade. Isso se aplica para os partidos existentes e para partidos ainda por existir. É um caminho sem volta e em um regime democrático as partes tem o seus espaço.
Por outro lado, se verifica que uma parte da sociedade reproduz um discurso de negação da política e dos partidos políticos, mesmo que em época de eleições vote em candidatos de determinados partidos políticos.

Tal discurso pode ser atribuido , a luz das evidências, a pelo menos duas características:

a primeira diz respeito a própria virtualidade da rede que quando coloca frente a frente o discurso virtual com a ação pode produzir um choque de realidade nas pessoas revelando a distância entre o onírico e o real, a ilusão e o concreto. Um bom exemplo desse delírio onírico foi ver inúmeros manifestantes, nas ruas protestando, fazendo política em uma parte da sociedade, e ao mesmo tempo negando a política e os partidos políticos,
a segunda diz respeito a partes das sociedade que são contrárias a democracia e defendem regimes ditatorias e totalitários. Como escrevi acima não vejo nada de errado que esses grupos defendam suas teses, porém isso tem sido feito de forma dissimulada por um segmento que tem o dever de informar e esclarecer a sociedade. O caro leitor já percebeu que me refiro a velha imprensa e seu aparato midiático. Tem sido constante, ao longo de anos ,nos principais jornais, revistas, emissoras de rádio e de tv, uma campanha de negação da política e dos partidos políticos. Veículos como globo, veja, folha de SP, estado de SP, bandeirantes e outros atacam diariamente a política e os partidos políticos. Ora, quem deseja uma sociedade sem partidos políticos, deseja o totalitarismo, a ditadura, pois parte do princípio de que somente uma visão da realidade, a sua, é correta e deve prevalecer sobre as demais. Isso sempre se dá através da força. Não é de se estranhar que um grupo chamado black bloc, de pessoas de classe média alta, atue constantemente nos protestos de rua com extrema violência e práticas de terrorismo urbano, como constatou a inteligência da Polícia Militar aqui do Rio de Janeiro ao apreender material do grupo que inclui , inclusive, manuais de guerrilha e fabricação de armas de fogo.
Hoje, sábado, 13, 07, 2013, o jornal o globo, em primeira página, traça um parelelo entre a revolução francesa e os protestos aqui no Brasil. Chega a ser absurdo, pois as realidades vividas pelos povos não tem nada em comum. Para estabelecer um paralelo , globo apela para uma crise de representatividade na política e nos políticos como o traço comum entre os dois eventos "revolucionários". A crise de representatividade na política que existe no Brasil não pode ser comparada à crise que originou a revolução francesa, ao fazê-lo globo manipula atrvés de uma fraude intelectual A crise nos partidos políticos não é uma característica do Brasil, e sim mundial como pôde ser visto nas manifestações pelo mundo e, qualquer análise que se faça, não passa pela revolução francesa, mas sim por uma mudança de paradigma proporcionada pelas tecnologias de informação no fazer política ,na organização de grupos de interesse, na produção de divulgação de conteúdos informativos, no fazer jornalístico, na produção e divulgação cultural, na miscigenação das trocas culturais, dentres outros aspectos não menos relevantes. Diante dessa realidade, o que se vê em crise de representatividade também é a velha imprensa, não só no Brasil mas em todo o mundo, pois sequer sabe analisar os fenômenos em curso e ainda se posiciona em um papel de mediação que não mais existe.
Seja por aqui ou em outras partes do planeta, as pessoas não se enxergam através dos velhos veículos de mídia, fazendo destes algo totalmente irrelevante o que em parte, e em tese, explica o desaparecimento constante de muitos ao longo dos últimos anos.
Isto posto, e independente do que se pense sobre o até aqui exposto, a parte da sociedade brasileira que não deseja a democracia e vai às ruas em violência , assim o faz , em grande parte de seus membros, pelo trabalho de conscientização feito pelos velhos veículos de imprensa e de mídia ao longo dos últimos anos. Tudo isso desemboca em uma rejeição crescente na sociedade aos veículos da velha imprensa, não pelo que fazem, mas sim pelo oligopólio  que esmaga outras mídias e impede a criação de uma marco democrático parta as comunicações no Brasil.
Assim, a não regulamentação das mídias no Brasil, se caracteriza pela principal e preocupante deformação de nossa democracia, seja pela ausência de diversidade e pluralidade de mídias, seja pela agenda totalitária dos meios de comunicação dominantes na sociedade
Quanto aos partidos políticos, espero que saiam do sono profundo e acordem para a nova realidade que emerge.

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