sexta-feira, 14 de junho de 2013

Quem Sabe Faz a Hora

Sugiro ao caro leitor a leitura atenta dos três artigos a seguir. Certamente existe muito em comum entre as três abordagens, o que pode apontar para as motivações dos protestos, assim como sobre novos caminhos a percorrer.

 

 1 - Raízes da privatização do Maracanã e do Pacaembu

Um sentimento de tristeza invade aqueles que sinceramente se preocupam com os destinos de nosso futebol. Talvez uma das primeiras medidas que virá seja a mudança do nome dos locais, para oferecer a contrapartida de imagem para alguma megacorporação que participe financeiramente do empreendimento.

Ao longo das últimas décadas a sociedade tem experimentado um processo crescente de generalização dos movimentos de mercantilização. Tudo - literalmente tudo - deve acabar se transformando em mercadoria. E essa tendência vai desde os serviços públicos até as relações pessoais, passando por um sem número de aspectos de nossa vida em sociedade. Cada vez se torna mais extenso o rol das relações que passam a ter o seu custo calculado, o seu preço determinado e as suas condições de transação estipuladas. Vivemos em um mundo onde cada gesto parece fazer parte de um contrato onipotente, com um conjunto de regras a serem bem observadas. Em geral, discorrendo sobre custos e benefícios.

A generalização das formas capitalistas de organização da sociedade amplia os horizontes de acumulação. Do ponto de vista geográfico, a globalização se encarrega de incorporar novas áreas, países e regiões ao padrão hegemônico da economia dos tempos de hoje. Do ponto de vista estrutural e institucional, cada vez mais formas de sociabilidade são transformadas em espaços de produção e de acumulação de capital. Isso vale, por exemplo, para atividades culturais, uma vez que para a maioria dos indivíduos resta apenas a postura do consumidor a pagar por um espetáculo de música, a comprar livros como produtos baixados da internet, adquirir os ingressos para a sessão de cinema ou pagar pelos tíquetes de acesso ao museu. O mesmo raciocínio se aplica às atividades de lazer, pois a tendência agora é de se pagar para usufruir de espaços como parques públicos, jardins zoológicos, jardins botânicos e similares. As atividades esportivas, sejam elas como praticante ou como espectador, tampouco escapam à lógica mercantil e tudo passa a ser determinado por critérios como renda, preço, demanda e oferta. Paga-se tanto a mensalidade da academia de ginástica quanto a do canal de esportes da TV a cabo.

Mercantilização e futebol
Para um país com as características como a do Brasil, o futebol termina por se converter em elemento de sincretismo dessas 3 características: i) esportiva; ii) cultural; e iii) de lazer. E o processo de mercantilização passa a dominar o conjunto das relações no âmbito do universo dessa modalidade, que veio importada da Inglaterra, saudado pelos antigos radialistas como o “esporte bretão”. Pode-se afirmar que o futebol é um retrato bastante adequado da realidade social e econômica de nosso país. Ele escancara os abissais desníveis de renda entre indivíduos e grupos sociais realizando o mesmo tipo de tarefa. Sob o falso manto do discurso a respeito da “igualdade de oportunidades”, fica evidente que apenas uma fração mínima dos meninos e jovens de talento futebolístico consegue construir uma carreira profissional. E nessa busca de trajetos exitosos, os ganhos ficam quase todos retidos nas mãos de atravessadores e aproveitadores.

A mercantilização no interior do mundo futebolístico é uma constante. A começar pelo próprio ator fundamental - figura sem a qual nada pode ocorrer - o jogador. Eles são “comprados” ou “vendidos” como simples mercadorias, cujos preços são cotados em mercados de esfera nacional ou internacional. Assim, a cada semana são quebrados recordes e mais recordes a respeito dos valores milionários envolvendo as negociações dos contratos dos jogadores – expressos em dólares, em euros, em ienes ou em reais, se a compra-venda ocorrer entre clubes brasileiros. Procedimento semelhante ocorre nas transações envolvendo os passes dos treinadores das equipes, que também perambulam pelos continentes em busca de maior remuneração e reconhecimento.

O mundo futebolístico e os recursos milionários

Ora, um setor que movimenta recursos dessa monta só se viabiliza com a existência de fontes de financiamento e de fornecimento de fluxos de dinheiro para manter tamanha máquina em funcionamento. As receitas provêm, em grande parte, das campanhas publicitárias e da propaganda associadas às imagens dos jogadores e dos times junto ao grande público. Há fortes indícios de que esquemas ligados às máfias globalizadas e à lavagem de dinheiro em esfera internacional estejam também fortemente envolvidos na atividade futebolística. Os valores bilionários permitem a difusão das imagens por todos os espaços dos meios de comunicação: televisão, rádio, internet, jornais impressos, revistas especializadas em esportes ou não, propaganda de rua, etc. E nesse jogo tudo é objeto de comercialização: empresas aéreas, bebidas alcoólicas, veículos, produtos eletrônicos, empresas de telefonia, artigos esportivos, cartões de crédito, refrigerantes, artigos masculinos, bancos, propaganda governamental, entre tantos outros.

Quem assiste a uma emissão desse gênero pela TV fica impressionado com a capacidade criativa dos geradores de espaços para publicidade. Vale tudo! Imagens virtuais criadas por recursos tecnológicos, dando a falsa impressão de suportes para marcas conhecidas no gramado. Os corpos dos jogadores tomados por propaganda em cada milímetro quadrado da camiseta, do calção, da meia, da chuteira, quando um ou outro não termina exibindo uma camiseta agradecendo a alguma entidade divina pelo gol que acabou de marcar. Os treinadores e os integrantes da comissão técnica também são chamados a colaborar com seus uniformes. Vale lembrar, além disso, que todas as entrevistas devem ser realizadas com os indivíduos voltados de costas para painéis recheados com logotipos de todos os patrocinadores. Os árbitros também são obrigados a fazer publicidade, com renda revertida para as respectivas federações ou confederações. Até mesmo a bola é objeto de disputa intensa entre os concorrentes em busca por espaço visual.

Futebol: poder, dinheiro e comunicação
A ampliação do processo de mercantilização conta com forte apoio dos Estados nacionais e de seus governos, em especial aqui no Brasil. Futebol é sinônimo de poder e de dinheiro. Futebol rima com popularidade e ascendência sobre parcela expressiva da população. O coquetel para o uso político está pronto! Clubes de futebol contam incentivos de toda ordem, inclusive a isenção de impostos e da contribuição previdenciária. As contas das associações, federações e confederações esportivas em geral são sabidamente verdadeiras caixas-pretas, e os escândalos que surgem periodicamente funcionam como prova desse tipo de descontrole e foco de corrupção. Aliás, nesse quesito as entidades vinculadas ao futebol merecem destaque especial.

Com todo esse esquema montado, surgem também os mecanismos de exploração da divulgação das imagens pelo veículo ainda mais utilizado: a televisão. E aqui os escândalos são ainda mais evidentes. O país onde o futebol é tão popular se permite aceitar regras em que haja monopólio de transmissão de imagens, com evidência de manipulação de horários e datas de certames para favorecer as condições de audiência da rede controladora. A coisa chega a um limite tão assustador em que a própria transmissão de jogos da seleção brasileira seja submetida a tal excrescência. Tudo se calcula com base em contratos milionários, com direitos a terceirização, sempre de acordo com o cálculo financeiro embutido. Um absurdo completo! Qualquer jogo da seleção é patrimônio da União e a obrigação do Estado é deixar a imagem aberta e livre para quem quiser transmitir!

A privatização dos estádios
E finalmente chegamos à cereja do bolo. Dadas as raízes de todo esse processo de mercantilização, agora vem à tona um fenômeno carregado de forte significação. Trata-se da privatização daquilo que ainda restava como resquício simbólico da presença pública no futebol brasileiro. Sua história tem uma relação profunda com o estádio que foi durante décadas - e ainda continua sendo - o símbolo desse esporte. O Maracanã foi especialmente construído para a Copa do Mundo de 1950, evento que o Brasil acolheu. Desde sempre foi um espaço quase-sagrado para todo tipo de jogos: seleção brasileira, campeonato regional e campeonato nacional. Foi concebido como um espaço público e foi mantido como instituição sob responsabilidade do Estado. Leitura semelhante pode ser feita com relação ao estádio do Pacaembu, em São Paulo. Inaugurado uma década antes que o gigante carioca, desde 1940 ele carrega na própria estrutura a marca de “estádio municipal”, pois sempre pertenceu à Prefeitura de São Paulo.

Não por acaso essa tendência privatista se confirma no ano da Copa das Confederações e no que precede a Copa do Mundo. A postura de completa submissão do governo brasileiro face aos mecanismos criminosos do submundo das entidades nacionais e internacionais do futebol opera como uma espécie de chancela às falcatruas e de porteira aberta para esse jogo de vale-tudo. Ora, o governo aceitou todas as condições para trazer os eventos para cá, a ponto de enviar ao Congresso Nacional um conjunto de medidas que criavam um vácuo jurídico em nossa legislação para o período das competições organizadas pela FIFA. Entre tantos casos, registre-se a autorização excepcional de propaganda de bebida alcoólica e a mudança nas regras para meio-ingresso.

Em meio a esse verdadeiro tsunami com raízes na mercantilização, os 2 estádios símbolos da história de nosso futebol serão privatizados. No caso carioca, a decisão foi por oferecer a um amigo do rei a gestão de um estádio novinho em folha, todo reformado com recursos públicos. Ou seja, a oferta de uma máquina azeitada e em condições de arrecadar receitas por décadas. Em São Paulo, a Prefeitura do PT toma iniciativa idêntica, talvez inspirada pelo sugestivo exemplo do Governador Cabral do PMDB.

Um sentimento de tristeza invade aqueles que sinceramente se preocupam com os destinos de nosso futebol. Talvez uma das primeiras medidas que virá seja a mudança do nome dos locais, para oferecer a contrapartida de imagem para alguma megacorporação que participe financeiramente do empreendimento. E também a mudança do substantivo “estádio”, pois isso representaria o atraso, nos traz à lembrança décadas de presença pública na atividade esportiva. Não! Agora o símbolo da pseudomodernidade é chamar o espaço de “arena”, tal como começa a se generalizar pelo mundo afora. Termo que tão bem sintetiza tudo o que existe de mercantil, de financeiro e de espoliador no padrão empresarial do futebol contemporâneo.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Fonte: CARTA MAIOR

2 - Sopro de primavera antes da   festa da Fifa

A indignação, sobretudo da juventude, aumenta na proporção inversa da falência da política tradicional, que virou uma despachante de interesses privados incapaz de responder aos problemas da população
14/06/2013

Daniel Cassol

A história se repete. Em Porto Alegre, a primeira reação da parcela graúda da imprensa foi desqualificar os protestos contra o aumento da passagem de ônibus e inflacionar os episódios de vandalismo, ignorando a motivação dos que se manifestavam. Só que a cada novo ato havia mais gente na rua, mesmo com o aumento da repressão policial. Até que a parcela graúda da imprensa resolveu tentar entender porque os jovens estavam se manifestando, para não ficar falando sozinha. Já era um pouco tarde.
Em São Paulo, na noite desta quinta-feira, vivia-se ainda a fase em que a parcela graúda da imprensa fala sozinha e mostra que não enxerga um palmo a frente do nariz. A Polícia Militar instala o caos, prende pessoas por porte de vinagre, agride jornalistas, atira balas de borracha contra quem está ajoelhado pedindo calma. Mijam sobre as pessoas e a imprensa diz que é chuva. Mas o protesto foi maior, a população se indignou com a violência e a cobertura já mudou.
Os discursos foram parecidos, repetiram-se as polêmicas sobre os limites dos protestos, como se fosse possível organizá-los como se organiza uma quermesse. Em Porto Alegre, a Justiça acabou determinando a suspensão do aumento, a prefeitura acatou a decisão e as manifestações, em parte, arrefeceram. Em São Paulo pode acontecer o mesmo, mas isso já não é mais importante. O alto custo e a má qualidade do transporte coletivo nas grandes cidades viraram mero detalhe nessa história.
As manifestações, que se iniciaram pela causa específica do aumento da tarifa do transporte coletivo, têm como pano de fundo esse processo que vai tornando as cidades cada vez mais hostis para as pessoas. Gentrificação, elitização, higienização, cada um nome dá o nome que quiser. As cidades estão se tornando lugares onde trafegam carros, se erguem empreendimentos imobiliários, os pobres são mandados para longe e tudo o mais é proibido. As pessoas estão se sentindo sufocadas e a reação óbvia é que cada vez mais estão indo para as ruas – a maior arquibancada do Brasil.
A truculência com que agiu a Polícia Militar de São Paulo veio mostrar que o Estado de exceção não é um exagero ideológico.  Ele ficou escancarado, como se fosse preciso, na detenção e agressão desavergonhada contra jornalistas (em tese, a polícia teria mais pudores em agredir a imprensa, mas não).  Esse Estado de exceção faz, inclusive, com que as manifestações ganhem novo significado. E tudo isso tem a ver com a Copa do Mundo e com a Copa das Confederações, que começa neste fim de semana.
Porque a organização brasileira para estes megaeventos esportivos não é nada mais do que um catalisador deste processo de exclusão violenta que vem ocorrendo nas grandes cidades e sufocando as pessoas. E que vem sendo utilizada como pretexto para a limpeza social e para a implementação de várias medidas que devem ser chamadas pelo que são: autoritárias.
A tentativa de proibir o acarajé e as festas juninas foi uma brincadeira de criança. Há coisas muito mais graves avançando a passos largos em esferas oficiais. Deve ser votado até agosto deste ano um projeto de lei que pode tipificar ações de movimentos sociais como terrorismo – vinagre, então, será considerada arma química. Outra proposta em tramitação no Senado quer definir alguns tipos de crimes que não poderão ser cometidos especialmente durante o período da Copa, incluindo “limitações ao exercício do direito de greve”. Em Minas Gerais, a Justiça já proibiu a realização de dois sindicatos nestes dias de Copa das Confederações. Tudo para o país ficar pronto para a “Copa de todos”.
Por isso, não enxerga um palmo à frente do nariz quem continua achando que os manifestantes que estão aparecendo nas capitais brasileiras são vândalos sem nada melhor para fazer ou que estão simplesmente protestando pela redução na tarifa do transporte coletivo. As manifestações já não são mais – se é que um dia foram – só por causa da passagem. O que já foi chacota hoje é virtude: protesta-se contra tudo que aí está. Seja na Avenida Paulista, seja nas vilas removidas. Contra o aumento, contra remoções forçadas, contra a derrubada de árvores. As pessoas estão se manifestando, basicamente, pelo direito de viver na cidade. E quase sempre alheias aos partidos, que, assim como a parcela graúda da imprensa, não sabem o que acontece nem na própria rua.
Qualquer semelhança com o que ocorre em outras partes do mundo não é coincidência. A indignação, sobretudo da juventude, aumenta na proporção inversa da falência da política tradicional, que virou uma despachante de interesses privados incapaz de responder aos problemas da população. Há um sopro de primavera no Brasil. E até a Copa, tenham certeza, vai ser maior.
Publicado originalmente no Impedimento.org.
Fonte: BRASIL DE FATO 

3 - Em São Paulo, vinagre dá cadeia

Por Piero Locatelli em 14/06/2013 na edição 750
Reproduzido da CartaCapital, 14/6/2013; intertítulos do OI

 
Eu comprei uma garrafa de plástico de 750ml de vinagre por menos de dois reais nesta quinta-feira 13. Fui a um mercado no caminho para a manifestação contra o reajuste das passagens, que iria cobrir para o site da revista.
Explico o porquê.
Acompanhei o primeiro protesto de perto na semana anterior. Na avenida Paulista, tive contato com bombas de gás lacrimogêneo. No dia seguinte, pela manhã, tinha a impressão de que havia passado um ralador em meu nariz e em meus olhos.
No segundo protesto, na última sexta-feira (7/6), manifestantes que seguiam pacificamente foram recebidos com mais bombas na zona oeste da cidade. No meio do ato, uma pessoa só com os olhos de fora espirrou vinagre na minha camiseta, dizendo para eu respirar e me cuidar.
Foi quando descobri que o vinagre atenua os efeitos do gás lacrimogêneo. O exemplo da manifestante desconhecida me fez ser mais precavido desta vez. Nesta quinta-feira, desembarquei do ônibus em frente ao metrô Anhangabaú. Ao chegar, vi dois estudantes sendo presos. Perguntei ao policial o que eles portavam. Ele falou em “artefatos”, sem especificar. Os presos responderam que era vinagre.
Eu não sabia que o mesmo iria acontecer comigo logo em seguida. No viaduto do Chá, a caminho da Praça do Patriarca, para onde os estudantes haviam sido levados, me deparei com jovens sendo revistados. Liguei a câmera do celular para filmá-los, quando gravei o seguinte diálogo:
SD PM Leandro Silva: Tira a sua [mochila] também.
Piero: Eu sou jornalista, amigo. Você quer a minha identificação?
SD PM Leandro Silva: Não, não. Não precisa não.
Piero: Tem vinagre aqui dentro. Tem algum problema?
SD PM Leandro Silva: Tem. Vinagre tem.
Piero: Por quê?
SD PM Leandro Silva: Pode ir lá [ser revistado]
Em seguida, minha mochila foi aberta enquanto eu continuava filmando (como é possível ver no vídeo) e pedia para pessoas próximas fazerem o mesmo. Questionei algumas vezes qual lei, norma ou portaria proibiria o porte de vinagre, mas não obtive resposta.
Abuso de poder
No caminho, tive a oportunidade de ligar para uma amiga, também jornalista, que estava indo ao ato. Disse a ela que estava sendo levado à praça do Patriarca.
Em seguida, continuei gravando. Foi este meu último diálogo com os policiais antes de ser colocado contra a parede de uma loja fechada na praça:
SD PM Pondé: Tá gravando aí, irmão?
Piero: Tô. Sou jornalista, amigo.
Cap. PM. Toledo: Vinagre... Pode ficar ali com a mão para trás.
Piero: Como é que é? Eu estou sendo preso? É isso?
Cap. PM. Toledo: Pega e fica ali com a mão pra trás! Coloca a mão pra trás aí! Mão pra trás! Mão pra trás e pega a sua bolsa! Mão pra trás!
Fiquei com a cara colada contra a parede. Enquanto isso, meu gravador permaneceu ligado em meu bolso. Este é um dos diálogos captados:
Policial homem não identificado pela reportagem: Encosta na parede! (2x) Mão pra trás! Coloca a mão pra trás! Mão pra trás!
Mulher: Para de me agredir. (2x) Você é homem.
Policial homem não identificado pela reportagem: Cala a boca! (3x)
Mulher: Para de me agredir. Eu não fiz nada (3x)
Policial homem não identificado pela reportagem: Quer uma policial feminina pra te agredir? Tá com spray!
Mulher: Eu não tô com spray! (2x)
Homem (policial?): Cala a sua boca! (3x)
Na sequência, a mesma mulher detida fala baixo com uma colega:
Mulher detida 1: O que ele fez com você?
Mulher detida 2: Ele me bateu com o cassetete.
Mulher detida 1: Onde?
Mulher detida 2: Em tudo. Na minha barriga, nas minhas costas.
(...)
Mulher detida 2: Ele me bateu, ele me agrediu, eu não fiz nada. Eu tava respeitando ele (2x). Ele tem que me respeitar. Eu sou uma cidadã.
Mulher detida 1: Calma. Calma. Calma. Ele não vai te respeitar porque ele tá passando dos limites. Isso é abuso de poder. Calma.
Histórias distintas
Logo após ter sido colocado contra a parede, estive ao lado de um fotógrafo, conhecido de outras pautas. Ele percebeu os flashes na parede em que nos escorávamos, disse que havia fotógrafos atrás de nós.
Eu tentei virar para ver se havia conhecidos. Não via ninguém e era recebido com gritos de policiais que me mandavam olhar para frente novamente e “não arranjar problema”.
Na terceira vez que virei, vi ao longe outro colega. Gritei o nome dele e fui colocado novamente contra a parede. Esses jornalistas se comunicaram novamente comigo por duas vezes. Na primeira, gritaram para eu virar e tirar uma foto. Na segunda, que haviam conseguido um advogado para mim.
Fui jogado em um ônibus da Polícia. Tentei perguntar por que eu havia sido preso e para onde eu estava sendo levado. Mais uma vez, não obtive resposta.
Dentro do veículo, policiais diziam que, caso houvesse pedras, era para seguir dirigindo. As ruas eram abertas por batedores, algumas motos que seguiam à frente.
Ao meu lado estava uma menina, pré-vestibulanda, que me perguntou cochichando porque estavam tirando fotos de mim no ônibus. Eu expliquei que era jornalista e aqueles eram amigos. Ela disse que “ao menos eu ia poder escrever sobre o que aconteceu, os outros não poderiam fazer o mesmo”. Falei que estávamos presos pelo mesmo motivo.
O ônibus da polícia seguiu por um caminho longo até o 78º DP, nos Jardins. Fomos colocados em fila para a revista. Pedi para colocar a blusa e um policial negou, dizendo que dali a pouco ia “ficar quente”.
Em seguida, finalmente explicaram porque estávamos ali. A delegada dizia que não estávamos presos, estávamos “sob averiguação”. Eu não sei a diferença. Tinham me levado para um departamento policial à força e não me diziam o motivo. Os meus documentos tinham sido retidos pela polícia.
Iriam fazer um Boletim de Ocorrência para todos os presentes. Segundo disseram os policiais, todos os outros (cerca de quarenta pessoas, nas minhas contas) haviam sido levados por conta do vinagre. A exceção era um que havia sido pego com entorpecentes.
Uma vez dentro da Polícia Civil, fui bem tratado. Vários policiais me perguntavam o que eu estava fazendo com um vinagre na mão. Eu tentava explicar e eles, incrédulos, não sabiam que o problema era justamente uma garrafa de vinagre. Cerca de duas horas após ser detido, fui liberado com a chegada de advogados. Deixaram que eu levasse o vinagre.
O fato de eu ser jornalista amenizou os problemas causados pela ação da polícia. A delegada chegou a me perguntar por que eu não havia me identificado como jornalista à Polícia Civil. A minha redação me disponibilizou um advogado e tentou contatar quem fosse possível. Meus amigos e outros colegas foram solícitos, mostrando o meu caso em redes sociais. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) fez um comunicado falando da minha prisão, que foi reproduzido pelos maiores veículos do País.
Sou grato a todos eles por terem me ajudado. Só lamento que as histórias de todos os outros não tiveram a mesma conclusão. Ir e vir com garrafas de vinagre deveria ser um direito de todo cidadão.

Fonte; OBSERVATORIODAIMPRENSA

E então, leitor, gostou ?

Estamos assistindo manifestações que revelam o descontentamento da população com as políticas neoliberias dos governos.

Não está em questão se são governos de esquerda ou de direita, do PT ou do PSDB, mas sim sobre um modelo que escancara seu esgotamento pelo mundo.

As privatizações do Maraca e do Pacaembu, alardeadas pelos decibéis idiotas de Galvão Bueno e Globo como sendo parte de um processo civilizatório, se revelam exatamente o contrário.

Como bem descrito no artigo 2 acima, estamos assitindo um processo de higienização e exclusão de uma grande parcela da população, independente das ações do governo federal com programas para redução da pobreza e da miséria.

Programas, aliás, que tem adiado a entrada do Brasil no cenário dos grandes movimentos occupy e de primavera que varrem o mundo.

Nesses dez anos de governo do PT, as políticas e programas conseguiram reduzir, em parte, os profundos estragos causados pelos governos do PSDB na década de 1990, entretanto não alteraram a essência da lógica neoliberal, o que agora, também por aqui na América Latina, revela seu esgotamento.

Os manifestantes  de São Paulo, Rio e Porto Alegre, sentem-se alijados de suas próprias cidades, já que os espaços públicos e serviços essencias à população estão cada vez mais dominados por uma lógica de lucro.

O corte de uma árvore que desencadeou inúmeros protestos foi apenas a gota d'água.

Derrubam-se árvores diariamente por todos os lados, todos os dias, todos os anos.

O estado enquanto um balcão de negócios distante do povo e a democracia representativa não servem mais.

O que está nas ruas do país pode ser o início de um grito por mudanças, mas não mudanças superficiais, mudanças estruturais e de fundo.

E aí surge o papel da imprensa , na cobertura das manifestações.

Sabidamente contrária aos governos do PT, a grande imprensa , fez, faz e fará de tudo que estiver a seu alcance para desvirtuar os fatos, desinformar, omitir, e , ainda mais, incitar conflitos que possam desestabilizar o governo federal.

Não será com o retorno dos ardiptecus ramidus do PSDB e da oposição, como deseja  a imprensa que trabalha para desvirtuar os fatos,  que  as mudanças que a população deseja virão.

Pelo contrário, o retorno da oposição ao poder irá aprofundar ainda mais as tensões existentes na sociedade, aumentando toda forma de violência contra a população, seja através da adoção radicalizada do modelo economico vigente, seja atrávés da violência policial, seja através da contenção da democracia.

Como bem citou Leblon, ontem em artigo em CARTA MAIOR, a solução é mais e mais democracia , o que vai de encontro ao desejo dos manifestantes.

Para isso o governo do PT deve entender a hora, se aproximar do povo, romper com a lógia neoliberal e redirecionar a roda da História.

Caso contrário, oportunistas de plantão podem cooptar as insatisfações legítimas da população e, mesmo através da farsa democrática vigente,  levar o país para anos de retrocesso.

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