quarta-feira, 15 de maio de 2013

Seja Realista. Exija o Impossível

Maio de 68: 45 anos depois
Não conhecemos alternativas globais e as que se ensaiaram fracassaram, mas temos que introduzir uma lógica diferente ao capitalismo para conseguir o máximo de felicidade coletiva e de autonomia pessoal. Como já viam bem os jovens de Maio de 68, o que nos oferece o sistema é um engano: uma satisfação aparente através do consumo.

Luis Roca Jusmet - Rebelión


Quando acabou o Maio de 68? Foi o que perguntaram a Daniel Blanchard, agudo observador e participante em ditos acontecimentos. Em Junho de 68, afirmou. A resposta tinha algo de brincadeira e algo de verdade: a energia se perdeu em grande parte quando acabou a mobilização.

Sabemos que foi o sintoma de uma transformação a longo prazo. O primeiro aspecto que reivindicavam era o fim das instituições hierárquicas. A sociedade era muito autoritária em todos os âmbitos da vida cotidiana, da família (patriarcal) até a política (o Presidente de Gaulle ou seu revés, o PC francês) passando, é claro, pelas instituições educativas. Podemos perguntar-nos agora se nestes quarenta e cinco anos ganhamos algo neste sentido. A resposta é ambígua, ambivalente.

Jacques Lacan dizia que passamos do Discurso do Amo ao Discurso Universitário. Já não são poderes autoritários, personalizados, patriarcais. São poderes tecnocráticos, de especialistas e gestores, de avaliadores anônimos. Gilles Deleuze falava da passagem da sociedade disciplinar à sociedade de controle. Michael Foucault foi quem trabalhou mais, embora tenha morrido a meio caminho. Entendeu que as sociedades disciplinares que havia estudado em seu célebre texto Vigiar e Punir estavam se transformando em formas de governos que exerciam o poder indiretamente. Nikolás Rose o desenvolveu mais em seus estudos sobre neoliberalismo social. Vargas Llosa, que é um liberal conservador, dizia que o Maio de 68 tinha provocado a crise de valores e autoridade que vivemos. É verdade. O patriarcado caiu e com ele a autoridade, tal como nos mostrava o psicossociólogo Gerard Mendel em sua excelente análise histórica da autoridade. Quando cai o patriarcado na sociedade moderna, a autoridade em todos os âmbitos cambaleia. A sociedade é hoje mais liberal em todos os aspectos, isto é o que se ganhou: direitos da mulher, das crianças, dos homossexuais, das minorias raciais e étnicas...

O outro aspecto que reivindicavam era a felicidade, a alegria. Contra as paixões tristes, contra o mal-estar, contra a infelicidade. Aqueles jovens viam (víamos) que a forma de vida de nossos pais, que a geração que herdávamos não era uma sociedade de pessoas felizes. E que o consumo como expectativa só gerava insatisfação. A felicidade, já o sabemos, é uma cosa muito complexa e que só pode ser medida em termos subjetivos (objetivá-la é um dos aspectos da biopolítica, que também nos diz como ser felizes). Mas aquelas pessoas não pareciam muito felizes e queríamos outra vida, tentá-la de outra forma. Talvez tivesse algo de ingenuidade porque, como dizia o velho e sábio Freud, a civilização comporta repressão e, portanto, mal-estar e ninguém está disposto a negar as vantagens de um mundo civilizado. Mas ainda aceitando isto podíamos aspirar certo grau de felicidade e não nos conformar em sermos vítimas de costumes e de uma maneira de viver com a qual não nos identificávamos. Podemos nos perguntar também se quarenta e cinco anos depois, nas chamadas sociedades avançadas, somos mais felizes. E eu também diria que não. A sociedade cada vez parece produzir mais infelicidade e a depressão tem características de praga social, acrescentada a outras como a anorexia, os vícios... Parece cumprir-se a fatal profecia de Nietzsche, quando dizia que o que chegaria se não éramos capazes de transformar os valores, era o niilismo do último homem. Aqui Nietzsche afirmava uma questão central que era que, para viver intensamente, para querer viver, temos que aceitar a dor e a morte. E não aceitamos nem uma coisa nem a outra, pelo qual nos transformamos, cada vez mais, em indivíduos que o único que querem é não sofrer e negar a própria finitude, a própria morte. E o preço é viver no mínimo e guiados por uma sociedade que cada vez nos oferece mais serviços para ser um rebanho que tem a vida cada vez mais regulamentada e que vai dos objetos tecnológicos até o turismo de massas, que por outra parte criam cada vez novas e maiores obrigações para todos os que compomos, queiramos ou não, este rebanho.

Podemos pensar então que o que vale a pena recolher daquele movimento é a luta pela autonomia e a luta pela felicidade. Isto, queiramos ou não, não é apenas incompatível com o autoritarismo ou com os costumes repressivos, uma vez que, como bem nos lembra Zizek, agora o imperativo é que temos que gozar. Com o que é realmente incompatível é com o capitalismo. Já sei que não conhecemos alternativas globais e as que se ensaiaram fracassaram, mas temos que introduzir uma lógica diferente a ele para conseguir o máximo de felicidade coletiva e o máximo de autonomia pessoal. Como já viam bem os jovens de Maio de 68, com suas consignas anticapitalistas, o que nos oferece o sistema é um engano: uma satisfação aparente através do consumo que não é felicidade e um individualismo que não é autonomia real.

Em todo caso, vale a pena não esquecer e procurar algo melhor do que o que temos. Estes valores dos quais falo, não esqueçamos, sim são mostras do Progresso, que não é outra coisa que o que ganhamos coletivamente em felicidade e em liberdade. É incompatível com o capitalismo.

Nestes momentos de crise, tentemos recuperar algo desta luta pela autonomia e pela felicidade que não passe por querer recuperar o consumismo.

Não esqueçamos tampouco que, como dizia Claude Lefort, também vinculado ao movimento, que as duas saídas ao vazio de poder das sociedades tradicionais são a democracia e o totalitarismo. São as duas opções que hoje podemos ver mais claras na crise que vivemos, do Estado oligárquico liberal que nos geriu todos esses anos.

Não esqueçamos também, que o capitalismo sobreviveu perfeitamente a esta crise de autoridade. Tudo que é sólido se desvanece, dizia Marx, referindo-se ao capitalismo. Equivocaram-se os que diziam que a crise da família patriarcal autoritária seria o fim do capitalismo. O capitalismo sobrevive com casais gays, com mulheres emancipadas e muito mais. É a lógica do aumento incessante do capital e da mercantilização generalizada o que o define. E se adapta muito bem às mudanças sociais. Não será isto o que o matará.

Tradução: Liborio Júnior

Fonte: CARTA MAIOR



Uma aula para Lobão


 Fonte :Jornal do Brasil  Wander Lourenço*

No bojo das transformações políticas referendadas pela Semana de Arte Moderna, quatro décadas após Machado de Assis proclamar a independência literária do país às margens do Ipiranga comMemórias póstumas de Brás Cubas, os impropérios atávicos deste rebelde e prodigioso discípulo de Antônio Carlos Jobim e Caetano Veloso, arrebatam-me a citar o compositor Heitor Villa- Lobos e a suaBachiana n. 5. Em se tratando de elaboração de cunho musical, é imprescindível afirmar que a combinação antropófaga entre a obra erudita de Bach e o esboço de brasilidade retratado pela composição brasileira deságuam no cerne do conceito modernista idealizado por Manuel Bandeira, Oswald e Mário de Andrade. Inclusive, foi o próprio Bandeira quem levou pelas mãos o autor deMacunaíma ao boêmio reduto do Estácio para conhecer o processo de criação do harmônico canibalismo representado pelo samba de Ismael Silva e Noel Rosa. Anos mais tarde, a Pauliceia Desvairada se identificaria com a tangência do alaúde de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini.
A absurda dificuldade de compreensão do insurrecto e arlequinal Lobão, no entanto, faz-me recordar um entrevero protagonizado por Ariano Suassuna e Chico Science. O mestre paraibano, profundo pesquisador da cultura popular nordestina, implicara com as experiências rítmicas aventadas por Chico Ciência, conforme o alcunhara, pelo viés de indigesto estrangeirismo a se iniciar por um movimento intitulado Mangue beach, que se arvorava a misturar a mitológica guitarra elétrica de Jimi Hendrix com a sanfona, o triângulo e a zabumba de Luís Gonzaga ou Capiba, através de folclórico rock in roll, frevo, música eletrônica e maracatu atômico de Mautner. Ao que lhe responder, o músico com invulgar sapiência, que ele, Chico Science, era apenas um discípulo que se inspirou no mestre da Farsa da boa preguiça, quando Suassuna propôs um rendez-vous de Baco entre a literatura de cordel e a dramaturgia de Plauto, Terêncio, Gil Vicente, Racine, Shakespeare e Maquiavel, entre o prosaico percurso picaresco de João Grilo e Chicó, o auto medieval e a comédiadell’arte.
É preciso explicar ao anjo rebelado da burguesia que a genialidade de Heitor Villa-Lobos (quiçá, plural de Lobão?) se posiciona no cerne de uma original manifestação de hibridismo cultural, que precederá o affair tropical, idealizado pela confessional Vida bandida, entre a bateria da Mangueira e o Brock dos anos 80, consiste meramente em reproduzir a estética modernista de cunho antropófago capitaneada por Mário de Andrade, assim como a bossa nova de Jhonny Alf, Vinicius de Moraes, Tom, Bôscoli, Lira, Menescal e João Gilberto, a Tropicália do macunaímico Jorge Ben, Gilberto Gil, Caetano, Torquato Neto, Capinam, Mutantes e Tom Zé, a Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos e da metamorfose sem rótulo de Raulzito Seixas, Novos Baianos e, enfim, Sérgio Sampaio, que, ao botar o seu bloco na rua, poderia substituir o mote, há quem diga pela indagação de Noel Rosa a Wilson Batista, ao entoar o antológico “Quem é você que não sabe o que diz?”.
* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são ‘O enigma Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa). -wanderlourenco@uol.com.br



O caro leitor tem dois belos textos para saborear e refletir.

De alguma forma, tavez até muitas, os textos de hoje tem algo em comum.

Em essência ambos abordam questões  de metamorfoses, rompimentos e criações de estéticas dissidentes ao satatus quo.

Maio de 1968 ( seja realista. exija o impossível )  , independente de seus 45 anos que não  necessáriamente é uma data redonda, tem sido abordado , e atacado, com frequência neste início de século XXI.

Lembro de uma frase do ex-presidente francês, Nicolás Sarkosy, que ao assumir o cargo de presidente, em uma de suas primeiras declarações, afirmou que seria o fim de 68.

Qual o por quê de tanta obsessão se nada , na ocasião , foi mencionado sobre o histórico maio francês ?

O mesmo agora, e sempre, tem sido observado com críticas, sempre oriundas do satus quo e até mesmo por rebeldes burgueses cooptados para tal finalidade,  sobre sementes que deram fruto com os movimentos e transformações  sociais  gerados nos anos da década de 1960.

Esses setores retrógrados, e ainda dominantes,  insistem em divulgar por todos os meios que vivemos ainda como nossos avós em sociedades  conservadoras.

Tudo isso vem sendo feito e divulgado, ad nauseum,  sem que se faça nenhum movimento nas sociedades na direção de defender ou reafirmar os valores de 68.

Estranho, não é, caro leitor ?

Para o leitor atento, fica claro que um fantasma de transformações sociais habita os salões da burguesia mac feliz, principalmente nas noites neoliberais já que nem sempre se vê mágica no escuro.

A busca da felicidade, ou o despertar daquilo que sempre existiu, deve ser algo externo as pessoas, pois o satus quo não comporta a multidisciplinaridade, quer seja em uma estética antropófaga ou científica.

Na realidade conservadora a suposta felicidade é mensurável, e tem enderêço onde se pode adquirir.

Entretanto, na realidade emergente a fome de múltiplas conexões e misturas apontam um novo caminho, quer seja na ciência, nas artes, na política, nas relações sociais.

O consumo é agora, e é consciente.

O todo é bem maior que a soma da esquerda, com a  direita e com o centro.

Talvez isso explique o lulismo.
 

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