terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

A Tragédia da Imprensa

 

Mortos e feridos ainda terão muito a contar

Por Alberto Dines em 05/02/2013 na edição 732
Boate, do francês boîte, é caixa, ambiente fechado, casa noturna. Nas antigas boates, o escuro era aconchegante, quem se divertia eram os adultos, geralmente endinheirados. Similares modernos, muito escuros, negros, chamam-se discotecas, danceterias, frequentadas exclusivamente por jovens, com dinheiro contado. Para rentabilizar o investimento as boates precisam estar superlotadas. É a essência do negócio dessas caixas pretas.
Para Paulo Prado, em Retrato do Brasil, somos um povo triste. Tiranos, tiranetes e seus comissários nos querem alegres, saltitantes, festeiros – o culto ao prazer é uma forma de domesticação.
Resultado: não sabemos lidar com o luto. A última vez em que nos metemos numa guerra foi há cerca de setenta anos (1942), portanto há duas gerações. Estamos a salvo de terremotos, tsunamis e as catástrofes climáticas, além de recentes, ceifam majoritariamente os pobres e carentes. Por eles não se põe a bandeira a meio-mastro.
Os brasileiros acordaram na manhã de domingo (27/1) com os relatos dantescos do que acontecera durante a madrugada na boite Kiss, Rua dos Andradas, centro de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Neste caso a comparação de desempenhos é secundária, prematuro teorizar sobre a cobertura da morte quando ela ainda está à espreita. Algumas percepções podem ser registradas à margem, nada que já não tenha sido apontado em outras circunstâncias (ver abaixo).
Importa que nos últimos dez dias, na temporada mais festeira e hedonista do ano, alternamos as três centenas de tragédias singulares, personalizadas, com uma tragédia plural, brutal, massiva, autêntica chacina – dolosa ou culposa – surda , anônima, intensa, institucional.
Não sabemos nos enlutar, o verbo é estranho, a sensação mais ainda. Condoer-se é inconfortável. O que sobrou da dor é justamente o seu antídoto – revolta e indignação.
Atenção, material inflamável.
Fatalidades só ocorrem em lugares ou situações onde não se imagina que possam ocorrer. Esta distração tem nome e castigo. Com os olhos ainda marejados e as almas machucadas, o estado de espírito que começou a aflorar depois de iniciado o inquérito policial tem ingredientes que soam familiares. Imprudência, negligência, incúria, irresponsabilidade, são palavras-delitos já incorporadas ao nosso cotidiano. Com elas vêm as imagens de propina, chantagem, corporativismo e corrupção.
O horror à imoralidade, e consequentemente à impunidade, não é uma abstração filosófica, é um dado concreto, apartidário ou suprapartidário, porque o brasileiro vem sendo agredido em grande parte dos seus direitos – como cidadão, consumidor, cliente, paciente e, sobretudo, como eleitor.
Em algum momento a dor converte-se em raiva e a solidariedade em reação. O que era difuso e confuso, por associação de ideias converte-se em cobrança, exigência, protesto.
Junto à imagem dos jovens heróis que salvaram tantas vidas começa a armar-se a necessidade de um zorro, o xerife, o vingador que levará os suspeitos à barra dos tribunais e depois ao cárcere.
Mesmo sepultados, os mortos de Santa Maria têm ainda muito a dizer.
Desempenhos
Os portais noticiosos na internet mostraram-se absolutamente inúteis e ineficazes, não serviram para notícias quentes nem para análises ou opiniões veementes. Distantes e insuficientes. Como se a catástrofe tivesse acontecido na Islândia ou no Mali.
Não confundir jornalismo pela internet – nota zero – com comunicação digital (nela compreendidas as redes sociais) – nota cem. Apesar das colossais deficiências da nossa telefonia digital, serviu para avisar, contatar, pedir e prestar socorro.
As emissoras de rádio, primeiras a despertar, desapareceram tão logo entraram em ação os canais noticiosos de TV com o seu formidável potencial informativo. Caso da GloboNews. A TV aberta, cada vez mais fatiada pelo entretenimento, esfriou. Já houve um tempo em que para saber o que acontecia na rua era indispensável ir para casa e sintonizar as redes de TV. Substituídos pelos canais fechados, all news.
Na esfera dos impressos: os três jornalões, partiram-se em dois grupos: os paulistas (Folha e Estado), forçando uma aparência nacional, despejaram o noticiário de Santa Maria nos cadernos ditos locais. Funcionou nos primeiros momentos da tragédia, mas à medida que as grandes cidades – sobretudo São Paulo, onde são editados e circulam – começaram a tomar drásticas medidas de fiscalização, o sofrimento pelo outro foi sendo varrido e substituído por um egocentrismo local.
O Globo fez bem em recusar a cadernização burocrática, absurda, e absorveu todo o noticiário no primeiro caderno. O jornal trepidou de emoção e indignação de ponta a ponta.
A segmentação é um cacoete que já deveria ter sido desativado. Inclusive em emissoras de rádio – em certos horários os(as) âncoras parecem viver em outro mundo.
As semanais Veja e Época anteciparam a chegada às bancas, perceberam que ainda há muito espaço para o jornalismo de qualidade.
Na avalanche de pensatas, uma entrevista do psicanalista Tales Ab’Sáber à repórter Mônica Manir (Estadão, domingo, 3/2, caderno “Aliás”, pp 4-5) terá que ser desenvolvida no momento apropriado. Com o título “A balada do nada”, Ab’Sáber constata: “Jovens festejam na noite o fato de não terem o que festejar”.


A cobertura da imprensa tradicional foi pífia, vulgar e com apelos sentimentalóides e sensacionalistas.

Uma lástima.

O que se viu nas emissoras de tv foi uma disputa  pelo melhor circo dos horrores.

Uma tragédia.

Enquanto familiares das vítimas, inconsoláveis com a dor, perambulavam pelos locais da cidade trágica, repórteres das emissoras de tv, em tentativas medíocres de furos impossíveis, os abordavam perguntando o que sentiam naquele momento.

Uma dor terrível.

A disputa por ancorar o telespectador  produziu repetições infinitas de cenas que sequer deveriam  aparecer ao menos por uma vez.

Uma ganância.

A tragédia da cidade gaúcha produziu um farto material para análise, investigação e discussão , que ainda não foi abordado e acredito que passará  pelas cercas dos conteúdos desejáveis. Envolvidos na tragédia está um setor . de casas noturnas e festas, obscuro, que sabidamente abriga contraventores e outros crminosos que se utilizam do negócio como fachada para lavagem de dinheiro e outra finalidades.

Uma sujeira.

Ainda coloca em cena a questão da corrupção dos órgãos de fiscalização, que viabilizam licenças em troca de generosos doces bem decorados. Inevitável não pensar no Sr. Aref, funcioário médio da prefeitura de SP que acumulou um patrimônio de quase 40 milhões de reais através de seu trabalho de licenciamento de obras .

Uma empreitada.

Os jovens, em todas as épocas, sempre tem motivos para festejar alguma coisa, até mesmo pelo fato de serem jovens, o que todos nós já fomos um dia, mas que alguns não percebem. Dizer que os jovens apenas estavam alí , sem saber o que festejar, é estar fora de seu tempo, ou pior, de sua história.

Um anacronismo .

A imprensa, digital, radiofônica, tv"s, impressos, pouco aprofundaram em um tema repleto de insumos e práticas que correm livremente pelos subterrâneos das cidades, ou navegam em águas perigosas.

Um bateau mouche.

As redes sociais, como tem ocorrido em situações semelhantes, cumpriram seu papel e , em alguns casos produziram os perseguidos furos de reportagem que a jurrásica imprensa tradicional  não mais pode fazer.
Os jornais digitais, tradicionais, abordaram a tragédia tangenciando as implicações para o acidente. Nada mais. As tv"s, seguindo a linha imbecilizante da tv brasileira , mais uma vez apelaram para o circo dos horrores.A imprensa escrita e investigativa ( ainda existe ?) tem um farto material para pesquisa e produção. Fez muito pouco.

Um cardápio de abobrinhas.
 
Ao afirmar que os portais da internte não produziram sequer opiniões contundentes, imagino que o nobre observador também esteja falando do seu observatório que atua na rede mundial de computadores, desde 1996.

Um vanguardista.





 

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