terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Cientista e o Feiticeiro

O Cientista e o Feiticeiro




E assim aconteceu mais uma eleição. Mais uma vez, como sempre ocorre em todas as vezes, candidatos se expandem em retóricas e sentimentalismos pela sedução do eleitor. A grande imprensa, através de seus especialistas, quase sempre os mesmos de outros anos produzindo as mesmas análises nitidamente liquefeitas em escolhas políticas pessoais,  solidifica tendências que na maioria dos casos se evaporam com os resultados das urnas. Os institutos de pesquisa de opinião, marcados por resultados de opiniões nada confiáveis em outras eleições, retiram sedimentos de opção política de suas análises em uma estratégia de sobrevivência. O cidadão tão desejado pelos truques voláteis dos publicitários nas propagandas políticas, caminha em um vai e vem pelas ruas das cidades produzindo um tráfico de veículos e pessoas específico, único, do dia do voto. Para alguns jornalistas é a festa da democracia, declaração sempre proferida por aqueles que viram seus candidatos serem derrotados. E assim aconteceu mais uma eleição. Como em toda eleição alguém perde e alguém ganha, e se espera que isso aconteça entre os partidos políticos e os candidatos aos cargos, afinal são, ou deveriam ser, os principais atores do espetáculo da democracia. Na prática a realidade é um pouco, ou até muito , diferente.  Na eleição de ontem, independente dos briosos candidatos, alguns translúcidos outros opacos, outros viscosos alguns fluidos, alguns mais concentrados outros tantos diluídos,  dois projetos estavam em disputa. Um representado pelo Partido dos Trabalhadores - PT - e sua base aliada e o outro representado pelos fragilizados partidos de oposição e sua base aliada, a grande imprensa. Na guerra violenta em que as eleições vem se transformando, em sintonia com outros aspectos da vida brasileira - relações interpessoais,  campeonatos de futebol, concorrência entre empresas, religiões, etc.. - o vale tudo é entendido como estratégia política e , até mesmo assassinatos são validados como táticas. Nesta eleição, como tem ocorrido nas anteriores, o processo não foi diferente , continuando a barbárie em uma curva ascendente, de braços dados com a falta de civilidade, por um lado, e com a violação do processo democrático, por outro. Em uma eleição onde o eleitor, tão desejado por tantos em um curto período de tempo e tão esquecido  pelos mesmos tantos por longos períodos de tempo, deveria discutir, debater, ou pelo menos ouvir, aspectos de sua cidade, seu bairro e de suas necessidades mais próximas, recebeu uma enxurrada de assuntos desprovidos de quaisquer conteúdos relevantes para decidir sobre os seus candidatos. Se não bastasse a aberração dos temas colocados na pauta da eleição, a grande imprensa, assumidamente como partido político de oposição, mentiu, manipulou, distorceu e omitiu fatos relevantes e necessários para um entendimento sadio da vida brasileira. Na guerra de 2012 o arsenal utilizado pela oposição, lançou sobre o Partido dos Trabalhadores e sua base aliada cruzes medievais, togas deslumbradas, bíblias aladas, fetos humanos, éticas de ocasião  e, principalmente, sem ser mais ou menos importante que os anteriores, uma retórica ácida e altamente tóxica com o intuito de confundir e conduzir o eleitor. Independente, mas nem tanto, dos candidatos vitoriosos na eleição, dois projetos estavam em disputa e tinham como principais representantes o ex-presidente Lula  e a grande imprensa. O primeiro o cientista, o segundo o feiticeiro. Condutor de um projeto vitorioso que há dez anos vem transformando positivamente o país e a vida dos brasileiros, Lula mais uma vez, com base nos fatos, no conhecimento do povo e em cenários reais, locais , nacionais e regionais  bem construídos acertou nas escolhas e mais uma vez foi o vencedor. Do outro lado, a grande imprensa, encastelada na casa grande e saudosista das quarteladas, apostou em poções mágicas, cuidadosamente elaboradas mas nem por isso eficientes, extraídas das entranhas mais conservadoras e retrógradas da sociedade brasileira como sendo o elixir do golpe, do retrocesso , do atraso, que proporcionaria a vitória de um projeto que atualmente agoniza pelo mundo. A ciência política venceu a fantasia medieval, a verdade derrotou a mentira, o conhecimento derrotou a ignorância.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 3 Comunicação. Atenção! Atenção !

Diários de Botequim - 3   Comunicação.    Atenção !  Atenção !   Atenção !




Era apenas mais um dia, somente um dia. Uma tarde noite de sexta-feira, não diferente de outras tantas naquele lugar, com aquelas pessoas. No bar referência lá estavam Miltão, Ciro, Cardoso, Jadir, Nelsinho e Eu. Início de verão, calor e muta gente pelas ruas em um clima típico de Rio de Janeiro. Embalados pela energia típica daquela hora do dia discutíamos, ou pensávamos que discutíamos, de tudo, sobre tudo, até mesmo sobre o impossivel silêncio para um momento daqueles. Foi quando, de repente, mas como de costume, Miltão disparou contra Nelsinho:
- você tem uma tremenda dificuldade de entender o que as pessoas falam. Isso irrita. Só faz pergunta idiota.
Ciro, tentando aliviar o pobre Nelsinho, que apenas ria, acabou entregando ainda mais o rapaz:
- esse cara é um terror, disse Ciro sobre Nelsinho. Continuou. Semana passada a gente encostou em duas meninas aqui no bar e puxamos uma conversa. Quando o papo começou a engrenar, Nelsinho deu um tremendo corte em uma delas. A menina disse que a capital da Turquia era Istambul e ele, querendo aparecer, acabou fazendo merda. Corrigiu a garota em cima do lance, fazendo com que ela ficasse sem graça e com isso inibiu a conversa e esfriou o clima.
- isso é uma anta, disse Jadir.
Ciro continuou. Mas o pior aconteceu ontem. Mais uma vez fomos naquele baile lá da Tijuca. De repente, Nelsinho veio ansioso em minha direção dizendo ter visto duas mulheres sozinhas em uma mesa. Fui conferir, claro. De fato elas estavam sós. Nos posicionamos perto, esperando a orquestra voltar a tocar prá poder tirar prá dançar. Logo que a osquestra iniciou tiramos as mulheres que aceitaram na boa. De repente, mais ou menos três ou cinco minutos depois, no final da primeira música, vejo Nelsinho em pé, sozinho e a mulher dançando com outro. Continuei dançando por mais de meia hora, engatei um bom parpo e ainda troquei telefone. Depois fui perguntar pro Nelsinho o que aconteceu, por que ele parou tão rápido.  Então ele me disse que resolveu puxar uma conversa mas deu confusão. Ele, de cara sabe o que perguntou para a mulher ?
Você tem nome ? A mulher se espantou e disparou prá cima dele dizendo que óbvio que tinha. Já começa errado, criando estresse. Enquanto Ciro falava, Nelsinho apenas ria. Por causa disso ela descartou ele no final da primeira música.
- isso é uma anta, disse Jadir
- eu acho que ele fica nervoso, ansioso e acaba falando besteira, disse Miltão. O assunto então mudou e entrou na esfera da comunicação, exatamente no momento em que Tadeu se aproxima da mesa. Tadeu é o rico da turma. Executivo de Recursos Humanos em uma multinacional, bom de conversa e extremamente irônico. Certo dia, por causa de sua ironia quase chegou as vias de fato com Miltão. Ambos tem personalidade forte e vivem se estranhando. Jadir e Cardoso, sempre se colocam ao lado de Miltão, fazendo com que também tenham diferênças com Tadeu. Tadeu chegou, com sua pasta de trabalho, e sentou-se ao meu lado, mas na cabeceira da mesa no lado oposto de Miltão. Inicialmente prestava atenção na conversa, até que entrou no debate.
- isso é muto comum. Nelsinho não é o único. Ele pode extrapolar, por vezes, mas a comunicação eficaz não é algo tão simples. Hoje mesmo, ministrei, aqui mesmo em um hotel do bairro, um seminário, de seis horas, como os vinte maiores e mais importantes executivos da empresa. E o assunto foi  exatamente comunicação. E olha que são pessoas que trabalham com informações e tomam decisões importantes. Aliás, eu tenho aqui um dos exercícios que fizemos. Vocês topam fazer ? É coisa simples, um pequeno texto que vocẽs vão ter de dizer o que entenderam sobre o texto e, caso queiram, arriscar o personagem da história, disse enquanto retirava as folha e distribuia para todos na mesa.
- já que é um texto pequeno , tudo bem, disse Miltão, no que foi seguido por todos.
 - OK. Aí vai, uma cópia prá cada um.


                                                    Minha  História
Hoje, mais uma vez como de outras vezes, vou conversar com vocês sobre um assunto bem interessante. Certamente, e é normal que seja assim, vocês devem estar se perguntando sobre o tema do dia. Enquanto vou alinhavando essas palavras iniciais, me pergunto, e até mesmo sugiro se me permitem, se vocês estão bem relaxados e confortáveis. Hoje, como em quase todas as ocasiões em que me dirijo a vocês, vou conversar com vocês sobre vivências, experiências, aventuras. Ahhhh! e como são interessantes as aventuras. Elas começam bem cedo, para tudo e todos e, obviamente, para mim não foi diferente. E que aventuras tenho para contar para vocês. No início, e como são belos os inícios, tudo era ainda muito discreto, ocupava poucos espaços e merecia cuidados especiais. Não imaginava, assim como vocês podem imaginar a medida que avanço na história, que poderia atingir um estágio de fama, lendas e histórias, a ponto de impactar profundamnete toda a civilização. As mãos delicadas, cuidadosas, proporcionaram  para mim meus primeiros momentos de presença, de graça. Hoje, em mais um início que se estende até o fim dos inícios, despertei agitado, rebelde para logo depois, pouco tempo depois, encontrar meu equilíbrio, minha forma e minha graça. Alcancei um estágio de minha existência em que poucos, bem poucos, poderiam interferir na minha maneira de ser. E como é bom ser assim, devem vocês estar pensando. Como é bom poder escolher meus caminhos, ocupar os espaços, definir as cores. Vocês, a medida que aprofundo no tema, sobre experiências, aventuras e vivências, certamente vão encontrando seus próprios caminhos , suas realidades, suas cores, suas vivências. Tenho plena convicção que me tornei uma lenda e, para algumas pessoas represento a alegria, a vida, a beleza enquanto que para outros posso ser comparado como uma grande frustração. Alguns me adoram, cuidam bem de mim, me admiram, enquanto outros me detestam a ponto de me expulsar de suas vidas para sempre. É o prêço da lenda, devem vocês estar pensando, com certeza. Nessa longa história, de experiências, vivências e aventuras  já fiz muito e alcancei grande destaque. E como é bom fazer, ver os resultados concretos, atingir suas metas e objetivos. Vocês, certamente, também já produziram excelentes resultados e a medida que continuo minha história , vocês podem , até mesmo agora, ou em outra ocasião se assim desejarem, pensar sobre os grandes feitos e ainda sobre aqueles que podem alcançar. Quero dizer para vocês, já que se trata de uma longa história, que para relatar todos os grandes eventos seriam necessarias muitas e muitas conversas, assim sendo procurarei citar, de forma geral,meus momentos mais impactantes. Afirmo, sem medo de errar e com a coragem de acertar, que já fui responsável por um dos momentos mais belos do amor. Ahhh! e como o amor é belo. Digo, também, que vivi um momento em que mudei o mundo, transformei as pessoas, assustei os defensores do atraso. Em outra ocasião fui a força do guerreiro, a força que vocês tem para alcançar suas metas e objetivos. Hoje, já bem conhecido , posso afirmar que tenho todas as cores, todas as formas e , sem de receio ou medo de ser ousado, e como é bom ser ousado podem vocês estar pensando, também possso afirmar que sou arte, pura arte, diversas formas de arte em todas as formas possíveis. Minha existência é a minha história, e como sou eterno, pois mitos e lendas são eternos e também sou lendas e mitos , faço por criar todas as emoções nas pessoas, as mais variadas possíveis e imagináveis. Ahhh ! como as mulheres gostam de mim, que carinho e cuidado eles tem por mim. Isso não signifca dizer que os homens não gostem, aliás eles se revelam , em relação a mim,de forma mais discreta, silenciosa. Essa história , que vocês certamente leem com toda atenção, e que é a minha história, também tem um final, ou vários finais. Em todo o final, e estamos bem próximo dele, de um deles, talvez, é necessário e importante saber que um mito não tem fim. Muitos, e são de fato muitos homenes e mulheres, também lucram , e lucram muito, através de mim ou comigo mesmo. Isso não significa o fim, significa , apenas, o lucro, ou a necessidade. O final pode chegar bem cedo ou ,em muitos casos, talvez na maioria deles,  coincida com o final inexorável. E já que estamos falando de uma história de vivências, aventuras e experiências e próximos do fim, desejo que todos vocês recolham os mais variados ensinamentos, de maneira que possam ser utilizados no desenvolvimento de novas habilidades e competências em cada um, antes do final e bem antes do processo do fim. Essa história, rica em elementos , é a minha história, escrita com a minha autorização. 


Todos terminaram a leitura, foram colocando a folha de lado mas ninguém iniciava uma resposta. Tadeu se dirigiu para Ciro e perguntou.
- o que você achou ?
- não sei. pode ser muita coisa. Parece que é alguém importante, mas não vou arriscar.
- e você ? Disse Tadeu se dirigindo para mim.
- vou acompanhar o Ciro, disse.
- e você, Nelsinho, o que achou ?
- eu acho que é a história de Jesus Cristo . Tem tudo a ver, disse Nelsinho.
- para de falar asneira, disparou Miltão e continuou. Que Jesus Cristo, cara, parece que não sabe ler. Está claro para mim que o texto fala de alguém importante, pode ser um artista no que acredito que seja, mas o mais importante é que diz respeito de alguém que se revela, saindo do armário . Essa história de Ahhh, o amor é belo é coisa de viado. Isso é texto de um boiola, esse negócio de todas as cores . Prá mim tá escancarado.
Jadir e Cardoso endossaram o comentário de Miltão.  Tadeu então tomou a iniciativa.
- esse texto eu apresentei hoje para os vinte maiores executivos da empresa e apenas dez, 50%, apresentaram a resposta certa. E eu estou falando de pessoas que trabalham com informações e tomam decisões com base em análises e relátórios. Descobrir o personagem da história não é o mais importante, mesmo porque o texto não é conclusivo a esse respeito. Muitas pessoas podem ter uma história como essa, ou parte de uma história dessas. Tive respostas de Jesus, assim como Nelsinho, Che Guevara, John Lennon, Madona e até Santos Dumont. Mas isso não é o importante. Claro que o autor, ao elabrar o texto pensou em alguém, ou em algo , para a elaboração. O personagem do texto é o cabelo. Vejam só: " no início tudo era muito disceto, ocupava pucos espaços e recebia cuidados especias"  tudo mundo nasce com pouco cabelo e os pais tem mimos e cuidados. " alcançar um estágio de fama " são inúmeras as lendas e histórias sobre cabelo. " as mãos delicadas cuidadosas proporcinaram para mim meus primeiros momentos de graça "  o cuidado dos pais nos penteados das crianças. " hoje, em mais um início, despertei agitado, rebelde, para logo depois encontrar o equilíbrio " todos os dias pela manhã, e os dias são inícios, os cabelos amanhecem agitados desalinhados para depois serem penteados, o equilíbrio. "para muitas pessoas represento a alegria , a vida a beleza para outros sou a frustração" mutas pessoas adoram seus cabelos , já outras são frustradoas com o cabelo que tem. " já fui responsável por um dos momentos mais belos do amor " é uma referência a história das tranças de Rapunsel " mudei o mundo, transformei as pessoas , assustei os defensores do atraso " é uma referência as transformações sociais da década de 1960, quando passamos a usar cabelos longos e assustar os conservadores. " hoje tem todas as cores todas as formas e sou arte " pessoas usam cabelos de todas as cores e desenhos artísticos " em outra ocasião fui a força do guerreiro"  uma referência a história de Sansão. Entenderam, perguntou Tadeu e continuou. Não vou especificar até  final do texto, mas todo ele é sobre o cabelo, não fala de nehuma pessoa. Isso mostra o efeito da comunicação· No nosso caso, apenas Ciro e ele, disse apontando para mim, se aproximaram da resposta certa, que é a seguinte:
 O texto não permite afirmar de quem se trata. São informações generalistas. E 50% dos maiores executivos de uma transnacional não perceberam isso.  Quem usa muto essa característica de comunicação é a imprensa, quando deseja induzir ou manipular informações. Outro aspecto também diz respeito ao nosso idioma, o portugues. Por ser um idioma muito rico, ao contrário do inglês, permite elaborações e construções que podem condenar um inocente ou absolver um culpado, em rígida concordância com as normas de expressão e atendimento as leis. Existe ainda uma tese, apenas uma tese, que estabelece relação entre o  desenvolvimento de países com o idioma. Segundo essa tese os países de língua inglesa se desenvolveram mais rápido por causa do idioma e do investimento em educação. Então, não apenas vocês aqui que não acertaram como também os executivos lá empresa, responderam aquilo que vocês desejaram, aquilo que estava na cabeça de vocês, ou seja, relataram suas próprias experiências de vida através de suas respostas. 
Nesse momento , Miltão colocou as duas mãos apoiando sobre a mesa, em uma posição de alguém que iria se levantar e disparou contra Tadeu:
- escuta aqui, o cara. Você está querendo curtir com a cara da gente ? Tá pensando que eu sou babaca ? Tá dizendo que eu sou viado ?
- eu não disse nada, você que disse. Tá surdo ? Tá maluco ? falou Tadeu.
 O clima esquentou. Miltão se levantou da mesa apontando o dedo para Tadeu. O estresse foi total. Jadir e Cardoso, como de costume seguiram Miltão que já estava com o rosto vermelho de raiva e ainda disse;

- seu repertório esgotou, vou te encher de porrada.
Ciro se colocou na frente de Miltão tentanto segurar a fera, enquanto as pessoas das mesas mais pŕoximas se levantaram com receio de um quebra- quebra. Jadir e Cardoso também queriam acertar Tadeu. Ciro e Nelsinho, com muita dificuldade impediam que os três partissem para cima de Tadeu e,  ao mesmo tempo, Ciro pedia para que eu levasse Tadeu embora dali Foi o que fiz. Puxei Tadeu e fomos caminhado pelas ruas do bairro até sua casa. Durante o caminho ainda tentamos trocar algumas palavras, mas não foi possível. Não conseguíamos parar de rir.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 2 Uma Nova Democracia

Diários de Botequim - 2   Uma Nova Democracia






Em meio a muita gozação devido a decisão de um título estadual com um gol de barriga, as discussões ferviam naquele ano de 1995 no bar referência. Uma semana após a conquista do Fluminense, naquele inesquecível Fla-Flu, o assunto ainda rendia pelas esquinas, praias e mesas de bar. Em um agradável final de tarde de uma sexta-feira encontro Miltão, Nelsinho e Jadir sentados  a mesa do bar. Ao me aproximar Miltão sugere com um aceno de mão para se juntar aos três. Olho aos lados para encontrar uma cadeira, mas Miltão toma a iniciativa e grita com Olsen para providenciar um lugar para mim. Olsen, o garçon, é um pretinho da cor de carvão, simpático e atencioso, que é assim carinhosamente chamado com um nome escandinavo pelos frequentadores do lugar. Imediatamente Olsen organiza o local e encaixa uma cadeira na mesa. Uma mesa com a presença de Miltão, sempre tem seu comando. Advogado aposentado, experiente e bem humorado,  Miltão comanda as conversas no bar. Nelsinho, como de costume, todo arrumadinho na esperança de ser bem sucedido em alguma paquera, o que já vem causando um desespero no rapaz. Jadir, funcionário público, meia idade, voltava do trabalho e parou, ainda com gravata e tudo mais, para poder relaxar e  encarar o final de semana com a patroa, como ele mesmo dizia. Fui me acomodando na mesa e Miltão, tricolor como eu, infernizava o coitado do Nelsinho, que não estava interessado no assunto, olhando para todos os lados procurando não sabia o quê, talvez ele mesmo. Sobre a mesa duas garrafas de cerveja dentro de um isopor. De repente, Miltão muda o tom , assustando todos em volta, e dá um esculacho em Olsen.
- já avisei prá você não completar o copo enquanto eu não terminar de beber. Será que eu vou ter que falar mais vezes, disse olhando para o assustado Olsen que apenas balançava a cabeça dizendo já ter compreendido. Enquanto Olsen fugia de Miltão, Jadir saiu com essa:
- o copo sempre cheio é aflitivo , não é ? perguntou para Miltão.
- claro, respondeu abrindo os braços e evidenciando a enorme barriga. Continuou. Quando o copo está cheio, todo mundo sabe, a gente tem que dar aquele gole, colocar o copo sobre a mesa, continuar a conversa, olhando vez por outra para o copo, sabe como é que é, administrando o tempo e a bebida. Se o Olsen a todo momento preenche o copo, a gente tem que beber porque ele não pode ficar cheio e isso cria uma aflição, uma angústia podendo até mesmo desencadear um descontrole com a bebida.
- é psicológico, comentou Nelsinho.
- psicológico o cacete, rebateu Miltão e continuou. Para de falar besteira, o assunto é sério. Rapidamente percebeu alguém entrando no bar e comentou com todos mudando o assunto.
- aquele cara alí não é ator de novela, perguntou falando baixo e ao mesmo tempo dando um esporro em Nelsinho para que fosse mais discreto no olhar.
- é da globo, falou Nelsinho
- tá com um mulherão, hein, rebateu Jadir.
- enquanto o casal se ajeitava em uma mesa Miltão disparou:
- aquela só tá com ele por causa da fama do cara. É ou não é ? Aquele cara não tem estatura prá ter um mulherão daquele. Ela encostou nele prá ver se consegue alguma coisa, não é ?
- claro, disse Jadir. Quem sabe ela não consegue uma vaguinha na emissora, um programa infantil, ou outra coisa prá subir.
- programa infantil só se o cara fizer mil gols, disse Miltão e largou uma gargalhada indecente coçando a genitália. Aquela alí pode levar uma figuração em programa humorístico e olhe lá. Rapidamente mudou de assunto e segurou o braço de Olsen que passava ao lado e disse:
- pega aquela mesa e coloca mais para o lado. Já é a segunda vez que você esbarra em mim quando passa por aqui. Coloque a mesa mais para o fundo para aumentar a passagem e assim evitar problemas futuros. Entendeu, pergutou com firmeza . Olsen imediatamente fez o que Miltão determinou. Impressionava o domínio de Miltão na mesa do bar. Alí ele comandava todos e todas as ações, prestando atenção em tudo que acontecia ao redor. Prá variar disparou pra cime de Nelsinho:
- pára de olhar prá mulher do cara, porra, disse para o atônito Nelsinho que a cada esporro dava mais um gole de cerveja. Foi quando entrava no bar um casal conhecido de Miltão. O homem, de boa aparência ,devia ter não mais de trinta e cinco anos enquanto a mulher, também muito bonita e bem vestida tinha próximo dos cinquenta. Miltão levantou-se, abraçou os dois falou alguma coisa  rápida com ambos e voltou para a mesa. Nelsinho, curioso foi logo peguntando:
- você conhece os dois ?
- claro, porra, não viu que nos abraçamos e conversamos. Aliás a história desse  cara é curiosoa. Vou contar prá vocês, mas não fica olhando prá eles  não, viu Nelsinho. Ele eu conheço desde menino, é filho de um amigão meu que já morreu. Certo dia , quando ele tinha uns vinte  e sete anos ,foi bater na minha casa pedindo ajuda. Ele tremia e mal conseguia falar e se explicar. Eu já sabia que ele tinha problemas de insegurança, medo e era um rapaz muito frágil. No dia seguinte levei a um médico que deu uma licença prá tratamento psiquiátrico e logo depois do tratamento ele teve outra crise e que culminou com uma aposentadoria precoce.  Ele não é agressivo, pelo contrário é  retraído porém extramamente inseguro. Logo depois ele conheceu essa mulher, que é a mulher dele, e ela se ligou no rapaz.
- porra, se ligou em maluco, perguntou Jadir.
- pega leve, ele tem problemas mas não rasga dinheiro e , como você pode ver é uma pessoa de boa aparência. Essa mulher é milionária,fazendeira gostou dele e estão vivendo em um tremenda fazenda no interior de Minas.
- mas ela é bem mais velha, retrucou Jadir.
- é verdade, mais  é gente boa, cuida bem dele e ele tem e comparece  com o que ela precisa, entendeu ,perguntou fazendo um gesto abrindo os braços com as palmas das duas mãos para cima como se estivesse falando dele mesmo.
- e eu não dou uma sorte dessas, disse Nelsinho.
- porquê você não é maluco, é burro, disse Jadir  para gargalhada de Miltão.
Miltão, gritou por Olsen que veio de imediato.
- presta atenção, disse e continuou. Vou querer uma porção de carne seca  e outra de cebola . Separadas, entendeu ? A cebola é passada na frigeira, no azeite português. Entendeu ? Já a carne seca deve ser bem desfiada. Da outra vez você trouxe uma porção que tinha pedaços grandes de carne, tem que ser toda desfiada, entendeu ? Manda também umas torradinhas para acompanhar. Agora, as torradas devem ser crocantes nas bordas e macias por dentro, nada de torrada toda dura, entendeu ?  Traga também aquela lata de azeite português que tem um furo maior, sabe qual é , não é ? Entendeu tudo ?
Olsen balançou a cabeça afirmativamente e foi providenciar o pedido de Miltão.
- que negócio é esse de lata com furo maior, perguntou Jadir.
- sabe como é Seu Manoel. As latas de azeite tem um furo que prá sair uma gota leva um tempão. Aí eu conversei com ele, disse que entendia a preocupação dele em economizar o azeite e coisa e tal, mas que para os fregueses especiais ele deveria ter uma lata com um furo maior. Ele concordou e o Olsen já está informado.
- bom saber disso, disse Jadir com um sorriso.
Enquanto isso Zé Maria, um outro amigo, jornalista autônomo, se aproxima da mesa.
- ihhh! tá uma gracinha com essa bermuda e essa camisa cheia de florzinha, disse Miltão.
- hoje ele está mais para Mariazinha do que para Zé, completou Jadir
- Olsen ! Olsen ! Arruma um lugar alí, naquele canto, para o nosso amigo, disse Miltão. Imediatamente Olsen seguiu as instruções e encaixou mais uma cadeira na mesa.
- aproveita e limpa a mesa que está molhada. Mas toma cuidado prá não respingar em mim.
- você anda sumido, O que houve, anda devendo dinheiro prá alguém , perguntou Miltão.
- nada disso, estava trabalhando. Aliás, falando em dinheiro, quando vinha prá cá, encontrei aquele teu amigo, o Cardoso. Ele tentou por todas as maneiras me vender uns produtos de limpeza, insistiu tanto que quase comprei.
- Eu que arrumei prá ele vender esses produtos, disse Miltão e continuou. O Cardoso é aposentado e a aposentadoria dele é pequena e ele torra tudo em vinte dias e depois ficava atrás de todo mundo pedindo um qualquer. Uma vez ele me ligou dois dias depois  que eu recebi meu salário. Ele , assim como eu, sabe o dia que a gente recebe e me ligou cheio de alegria para conversar no bar e coisa e tal. Não demorou e me pediu dinheiro. Eu emprestei e no mês seguinte ele fez a mesma coisa , mas eu saquei , fui ao encontro mas não dei dinheiro prá ele. Disse que iria arrumar um negócio prá ele ganhar um dinheirinho e ele topou. Falei com um amigo meu e passei esses produtos prá ele vender. Comprei prá ajudar, aliás os produtos são uma merda. Nunca vi produto de limpeza que fede, mas tudo bem. E o Cardoso é bom de conversa, ele conseguiu empurrar até pro Seu Manuel, e olha que vender alguma coisa pro português não é fácil. Pelo menos agora ele não pede dinheiro, mas se encontrar com ele vai ser difícil não comprar os produtos.
- ele estava com o Toninho. O Toninho também tem uma aposentadoria baixa, não tem, perguntou Zé Maria.
- a aposentadoria do Toninho é igual a do Cardoso, mas a mãe do Toninho tem uma pensão muito boa do marido, milico, e o Toninho ajuda a gastar o dinheiro da velha.  Mas e aí, por onde você andou ?
- estive quase um mês no México, disse Zé maria.
- Ahhh! agora entendi a camisa de florzinha. Estava tirando onda em Acapulco, perguntou Jadir.
- nada disso, estava do lado oposto, no estado de Chiapas.
- Chiapas ???  Foi fazer alguma matéria sobre os zapatistas, perguntou Miltão.
- exatamente
- então conta aí, o que você descobriu por lá, disse jadir
- bem, eu fui  para o município de San Cristóbal de las Casas, reduto do movimento. Tudo começou com um grupo urbano , de orientação marxista, que foi para aquele estado com o intuito de conscientizar a população para uma revolução. Acontece que no contato com a população local, de maioria indígena Maia, os marxistas se surpreenderam com a cultura e valores daquele povo. Parece que a conscientização foi de mão dupla, e os  marxistas tiveram que assimilar grande parte da cultura indígena. O movimento se organizou mas não não tem um chefe, um líder, tudo é decidido em conselhos da comunidade. Tanto que   aquele que a imprensa chama de chefe tem o título de sub comandante, algo como um representante, primeiro ministro da população. Quando eles se fizeram conhecer, no início do ano passado, logo depois toda a esquerda mundial  foi para San Cristóbal, afinal , depois da queda do muro foi o primeiro grande movimento de contestatção ao sistema capitalista e ainda no dia em que o México assinava o acordo de livre comércio com os EUA e o Canadá. Muitos representantes da esquerda mundial, que lá estiveram, não conseguiram entender com muita profundidade o movimento, talvez por conta da riqueza e complexidade da cultura dos povos indígenas da região. Esperavam por um movimento revolucionário tradicionalmente marxista, mas  não é bem assim. Existem muitos e importantes elementos da cultura indígena na filosofia dos Zapatistas. Interessante, que no contato que tive com algumas lideranças indígenas, que eles sempre usavam palavras e expressões como proteger, cooperar, participar, bem viver, partilhar, preservar e outros nessa linha. Neste aspecto eles estão em perfeita sintonia com os movimentos ambientalistas, e nos aspectos de governança não abrem mão da participação popular e democrática. Outro aspecto que me chamou a atenção foram as referências aos ciclos da natureza, quase sempre presentes em muitas considerações. Disseram, inclusive, que alí se estava iniciando um novo ciclo, que iria se consolidar nos próximos trinta anos, onde o protagonismo dos  povos indígenas de todas as Américas seria cada vez mais forte, tanto no comando de governos quanto influenciando novos líderes das Américas. Disseram ainda que a América seria a referência para o mundo de uma nova democracia, com novas formas de produção e bem viver. Citaram a profecia de etnias indígenas americanas sobre a chegada dos guerreiros do arco-íris, aqueles que iriam lutar para salvar o mundo da devastação e destruição das formas de vida, Ainda falaram sobre sobre a profecia do líder boliviano, Tupac Katari, que ao morrer executado pelos espanhóis disse voltaria em milhões. A cultura daquele povo é riquíssima, profunda e complexa, tanto que me interessei em conhecer mais sobre eles.
- boas falas. Nesse marasmo de idiotice do tempo em que vivemos, saber que novas concepções de esquerda, novas idéias são bem-vindas, disse Miltão.
- é verdade e também é interessante que eles não rejeitam tecnologia, desde que não destrua a vida. Acredito que a tese deles é poderosa, conceitualmente e é bom não duvidar da força da cultura dos povos indígenas das Américas, disse Zé Maria .
- muito bom, disse Jadir e continuou. Vamos aproveitar e mandar o Nelsinho para o Xingú, quem sabe ele não vira cacique por lá e se ajeita.
Prá variar a conversa já descambava para gozação em Nelsinho, com Jadir e Miltão mirando no rapaz e fazendo uma bola de neve com cada vez mais bobagens. Zé Maria e eu nos desligamos da gozação e mantivemos uma conversa paralela, quando Zé me avisou que no dia seguinte iria a um ciclo de palestras , sobre os Maias, em uma loja de um sociedade secreta. Me convidou e no dia seguinte tivemos um dia fantástico. Começa, também para mim, um novo ciclo.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Diários de Botequim - 1 As Confissões de Lúcia

Diários de Botequim  - 1    As Confissões de Lúcia




No já distante ano de 1993 o Rio de Janeiro era governado por Leonel Brizola. A década perdida de 1990, anos de retrocesso por conta da hegemonia de um ideário nocivo a vida, teve, para os partidos de esquerda ,um início conturbado. Vivíamos ainda o impacto de novas idéias da Rio 92, a destituição de um presidente da república e uma onda de nostalgia trazida pelo novo presidente da república. Em meio  ao futuro, ao passado e  a um sentimento de alma lavada pela queda do presidente ainda se costuravam novas idéias por conta do então chamado fim das ideologias. Em nosso grupo era consenso que o socialismo não poderia ser tão imperfeito para desaparecer totalmente, assim como o capitalismo não era a perfeição desejada, como alardeavam os meios de comunicação. Sabíamos, mesmo que intuitivamente, que cedo ou tarde a História iria rugir pois os castelos ainda estavam de pé. Não poderia imaginar que somente nove meses depois daquele março de 1993, mais precisamente na passagem de ano para 1994, tomaria conhecimento, em companhia da amiga Lúcia no verde de Visconde Mauá no RJ, do grito que abalou o mundo oriundo das selvas mexicanas.  E  foi naquele março, em uma quinta-feira, que resolvi sair para caminhar pela orla marítima da cidade. Antes, porém, parei em um honesto botequim do bairro para saborear um caldo de feijão. No balcão, já terminando meu lanche ,vejo a aproximação de Ciro, amigo de longas conversas, proprietário de uma pequena agência de propaganda no bairro.
- que boa vida, disse enquanto se aproximava.
- o dia merece essa reverência. E você, o que anda fazendo por aqui nessas horas ?
- tenho uma boa prá você. Marquei com Nelsinho aqui as três e meia, agora, prá gente ir num baile lá Tijuca.
- baile ??? uma hora dessas de quinta-feira ? E lá na Tijuca ?
- e a coisa é boa. É a primeira vez que vou mas a referência que tenho é segura.
- mas baile de quê Ciro ?
- baile, cara, com orquestra ao vivo e tudo mais, em um clube lá do lugar.
Enquanto falava sobre o baile Nelsinho chegou todo arrumadinho, o que era raro.
- tá bonito , hein mermão. Será que hoje você consegue alguma coisa por lá, brincou Ciro.
- e aí ? Vamos nessa, disse Nelsinho ansioso.
- mas que história é essa. Que horas esse baile começa e vai até que horas, perguntei.
- começa agora as quatro e só vai até as oito. vamos nessa ? Vai lá, muda a roupa rápido.
- E foi o que fiz. Em poucos minutos já estava vestido para um baile. Entramos no carro de Nelsinho e fomos para Tijuca. Chegamos no local por volta das quatro e trinta e para minha surpresa, o salão do clube estava lotado. Tinha gente de tudo que é tipo. Homens e mulheres trajando roupas de trabalho, hippyes,  pessoas da terceira idade, adolescentes, gente de meia idade. Tudo isso ao som de uma animada orquestra. O detalhe que chamou a atenção foi que a maioria esmagadora  das pessoas estava desacompanhada. Ciro estava eufórico e foi logo dizendo.
- vamos procurar minha amiga. Marquei com ela .
Andando com dificuldades no meio daquela multidão, olhando nas mesas já todas ocupadas, Ciro encontrou sua amiga. Uma mulher loira, bem vestida, simpática  que estava acompanha de uma amiga. Depois das apresentações de praxe, fiquei sabendo que a amiga de Ciro era Telma e que sua amiga era Lúcia, uma morena, de estatura mediana, de meia idade e sorridente. Com dificuldade conseguimos mais três cadeiras e ocupamos a mesa com as duas mulheres. Como éramos três homens e duas mulheres, não perdi tempo em conversas e tirei Lúcia para dançar. De imediato rolou uma química na dança, o que facilitou nossa conversa. Enquanto dançávamos sem parar, para desespero do arrumadinho Nelsinho que ficou sozinho na mesa, trocávamos informações aprofundando o conhecimento sobre ambos. Ciro estava em êxtase com Telma, fazendo as mais variadas evoluções pelo salão.  Lúcia era jornalista, tinha quarenta e quatro anos e já era avó de dois meninos, que moravam com a filha única na cidade São Paulo.  Independente, bem sucedida na profissão, trabalhava como repórter há vinte anos em um grande grupo de comunicação do Rio de Janeiro, dedicando mais tempo a emissora de rádio do grupo, onde vivia pela cidade cobrindo a desgraça do Brizola, como ela costumava dizer. Nossa amizade foi imediata. Depois daquele baile, e dois outros mais em que nos encontramos no mesmo lugar, passamos a ter encontros frequentes em um bar do bairro de Botafogo, sempre pelo fim da tarde, que era reduto de profissionais da imprensa. Circulavam por lá jornalistas, repórteres de rua, motoristas, fotógrafos , cinegrafistas e outros profissionais de diferentes grupos de comunicação do Rio de Janeiro. Durante boa parte do ano de 1993 convivi com aquelas pessoas, até que em um dia, Lúcia me convidou para vivenciar um dia de trabalho seu. Conforme combinado, isso já pelo final daquele ano, entrei em um carro de reportagem do grupo.  O motorista, Lúcia e eu saímos em direção a zona norte da cidade. Logo de saída, o motorista tirou  um baseado do porta luvas do carro e acendeu sem a menor cerimônia compartilhando com Lúcia.
- mas já pela manhã, e no trabalho, peguntei.
- é todo dia, respondeu o motorista
- e vocês não tem medo de serem flagrados pela polícia, peguntei.
- a polícia não aborda veículos da imprensa, respondeu de imediato Lúcia.
- e por aqui prá onde a gente vai nós conhecemos todos eles, disse o motorista.
- muitos, inclusive , dão a informação correta onde se pode comprar coisa boa, ou até vendem prá gente. disse Lúcia.
- polícia boa, hein, comentei.
- existem várias polícias, disse Lúcia e continuou. Existem aqueles policiais que fazem o trabalho correto, não são corruptos. Existem aqueles, de um outro grupo, que são aliados do crime. E existe, ainda o terceiro grupo, daqueles que são concorrentes do crime. Esses últimos são os piores. Prá onde a gente está indo a polícia é aliada dos bandidos. Por lá a gente pode comprar tranquilo nossos cigarrinhos e até mesmo, servir de fornecedor para a classe média da cidade, principalmente na zona sul.
- vocês da imprensa, como fornecedores, perguntei.
- claro, disse o motorista. Ninguém pára carro da imprensa nas ruas e ainda dá prá melhorar o salário. A gente entrega em casa, só prá bacana de classe média alta e rica.
- quer dizer que imprensa e polícia por vezes são cúmplices , peguntei provocando Lúcia.
- a imprensa faz o jogo da polícia e a polícia faz o jogo da imprensa. As vezes, quando um caso tem grande repercussão, aí não dá para aliviar a polícia, mas na maioria das vezes quem paga é povo. Se alguém de uma comunidade carente tem um parente atingido e morto por uma bala perdida da polícia, o assunto pode até ser notícia, por um ou dois dias, mas depois o assunto cai propositalmente no esquecimento na imprensa, o policial não é punido e aquela conversa toda de análise de onde partiu o tiro é só enganação. Se for um caso de grande repercussão , os policias são até mesmo detidos, julgados, mas logo estão de volta. As pessoas pobres que se virem. Chega a dar pena. Elas pedem prá gente divulgar mas a gente sabe que se for pobre não tem espaço nas redações. Lúcia continuou. Agora mesmo nós vamos apurar uma denúncia que certamente servirá para atacar o governo do Brizola. Aliás, a gente não faz outra coisa. Notícia sobre o governo do Brizola , e isso é orientação do chefe, é para desgastar o governo. Coisa boa que o governo faz é proibido divulgar. Nem adianta tentar fazer uma matéria especial que não passa e ainda a gente corre o risco de perder o emprego.
- mas os fatos são os fatos. disse.
- isso é o que você pensa, disse em  meio a sorrisos dela e do motorista. A notícia não é o fato. A notícia , para a maioria da imprensa, é aquilo que ela, a imprensa, deseja que seja. E aí entram vários interesses, políticos , mercantis , religiosos e outros. O papel da maioria da imprensa, ou melhor o negócio da maioria da imprensa não é a informação e sim o exercício do  poder. A informação é a embalagem para o produto poder. Você passou a conviver conosco nesse meses, percebeu que frequentamos locais onde estão somente profissionais do setor. Por isso o corporativismo é forte, por que sabemos qual é a verdadeira realidade do jornalismo. Não existe pureza, honestidade, ética e muito menos credibilidade no trabalho da maioria da imprensa.
- mas existem profissionais honestos, não ?
- claro que existem, mas não podem sair da linha editorial da empresa, É uma honestidade com limites, com censura interna. Se sair da linha são mandados prá rua. Então, a gente prá não perder o emprego faz o jogo. Mas o interessante é que a maioria dos repórteres, pessoal de apoio, jornalistas de baixo são eleitores do Brizola ou do PT, ou seja , contrários aos interesses da alta direção.
- esquizofrênico, não ? perguntei
- bastante, mas é a realidade. Confesso que não tive coragem para jogar todo esse nojo pro alto. Você lembra das eleições municipais de 1992, perguntou Lúcia.
- claro, mas do que especificamente, perguntei.
- com o Brizola como governador veio uma orientação  de cima da empresa para atacar a candidata do PT. Prá eles era inaceitável que a cidade do Rio de Janeiro também ficasse nas mãos da esquerda. O Tonico sabe bem disse, disse olhando para o motorista. Naquela eleição foi montado um esquema, dez dias antes do primeiro turno, prá derrubar a Bené. Aquela onda de arrastões em prédios da zona sul da cidade foi organizada e colocada em prática por gente da imprensa. Pessoal que tem acesso as favelas  e incitou a violência, junto com os chefes do crime , pra espalhar pânico na classe média, dizendo que se a Bené vencesse as eleições, como iria vencer, ela como favelada iria favorecer os favelados, a cidade se tornaria um caos , etc... Em paralelo inflaram o Cesar Maia ,que só tinha  1% das intenções de voto, como o candidato bem preparado e culto, ideal para assumir a cidade. O resultado você sabe.
- mas isso é terrorismo, comentei.
- como eu disse prá você, o negócio da imprensa não é jornalismo, informação, esclarecimento. O negócio da imprensa é o exercício do poder.
Chegamos em local da zona norte, em uma comunidade carente, onde a polícia fazia uma operação.
- isso e só enganação, disse Lucia e continuou. É só prá aparecer que  estão trabalhando contra o crime. A matéria tem que seguir a linha de que o Brizola não deu,com o tempo, a devida atenção no combate ao crime. Já os fatos, que se danem.
- e a população , com é que fica ?
- não fica. Para a imprensa a população deve pensar e acreditar naquilo que imprensa deseja que a população acredite. Se você for espeto e bem informado, dá sobreviver, caso contrário será mais um que terá a consciência modelada.
O dia fora longo e surpreendente para mim. Ao chegar em casa liguei a TV para assistir as "notícias" e terminar o dia "bem informado".

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Grande Imprensa Garimpando Um Golpe

 A Grande Imprensa Garimpando um Golpe



Exatos cinquenta anos atrás os Beatles gravaram seu primeiro compacto simples. Na mesma data o personagem  007-James Bond surgia para a eternidade. O dia 5 de outubro, ao que parece, é uma data ícone de grandes acontecimentos. Hoje, nos grandes jornais brasileiros, principalmente folha e globo, a cidade paraense de Parauapebas  ganha um destaque jamais visto em nosso planeta. Com uma população de 154.000 habitantes , encravada na serra de carajás no norte do país e tendo a mineração como a principal atividade econômica, Parauapebas se transformou em uma mina de alta rentabilidade eleitoral para os objetivos políticos daquilo que se convencionou chamar de grande imprensa no Brasil. No garimpo das possibilidades infinitas, visando atacar o Partido dos Trabalhadores na véspera das eleições, globo e folha partem para a extração a céu aberto de uma suposta atividade ilegal que envolve um milhão de reais para facilitar a eleição de um candidato a prefeito do município , obviamente pertencente ao PT. Em outras ocasiões, e não foram poucas, globo sempre que questionada por não divulgar supostos ilícitos, que também não foram poucos, em governos de seus aliados, afirmava que tratava-se de assuntos locais que não mereciam um destaque no seu telejornal nacional ou mesmo em outras mídias do grupo, ficando o assunto restrito ao noticiário do estado envolvido, quase sempre São Paulo. Os dois jornais apresentam uma foto com uma montanha de dinheiro que seria usado para facilitar o PT de Parauapebas. O globo ainda garimpou mais a notícia, colocando uma foto do julgamento do mensalão em que diz que o PT foi punido e logo abaixo a foto do dinheiro para o PT de Parauapebas. As notícias da primeira página dos marinhos garimpeiros não deixam margem para quaisquer dúvidas, conduzindo o leitor ao entendimento de um mar de lama e corrupção envolvendo o PT. Alucinados em meio a extração eleitoral, o globo ainda deslocou seu foco para jazidas  mais ao norte, trazendo, também em primeira página, notícia sobre as eleições na Venezuela, onde, segundo os garimpeiros alucinados, o governo Chavez estaria pagando eleitores para facilitar sua reeleição, que também acontece no próximo domingo. Todas as notícias apontam para supostos problemas de corrupção e ilegalidades no PT e no governo Chavez da Venezuela. Enquanto isso, a realidade da vida e do pais continua apesar da grande imprensa. Em São Paulo uma vereadora acusou o governo de Nunkassab, aliado do candidato aliado da grande imprensa, de superfaturar obras de instalação do SAMU, onze instalações no total, de péssima qualidade. Isso aconteceu hoje, na cidade de São Paulo, palco de uma disputa eleitoral onde o garimpo alucinado da grande imprensa pretende eleger, a ferro de Parauapebas se necessário for, o candidato campeão de rejeição do planeta. Caso voltemos um pouco no tempo próximo, temos o escândalo da quadrilha do contraventor Cachoeira, onde jornalistas da grande imprensa foram flagrados, através de garimpo legal, em diversas reuniões com bandidos com o intuito de produzir falsas informações , inclusive forjando dossiês e documentos secretos, para atingir o PT e seus membros. Curiosamente, talvez devido a grande profundidade das jazidas, o assunto  quadrilha cachoeira e seus membros tem tido pouca extração na grande imprensa, principalmente no momento atual onde todas as luzes para um trabalho ininterrupto, foram deslocadas para as eleições e togas deslumbradas. A sobrecarga, inclusive,  causou um apagão em metade do planalto central do país e também no conteúdo informativo da grande imprensa. Atingir o PT, o ex-presidente Lula e a Presidenta Dilma são os objetivos da grande imprensa que agora, com o perigoso respaldo de uma justiça deslumbrada, tentar revestir golpes de estado e punições de seus opositores com uma embalagem  de uma duvidosa legalidade, gravada a ferro e se possível  indelével para todo o sempre. As eleições de domingo e o julgamento do mensalão estão caminhado para um assalto a democracia e um estupro na justiça, onde em um passado  as inesquecíveis imagens dos garimpeiros em busca de ouro em outras áreas de extração mineral  , podem muito bem representar a obsessão indigente e incontrolável da grande imprensa dos dias atuais em alterar e subtrair  as riquezas conquistadas e aprovadas pelo povo brasileiro nos últimos dez anos.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O Globo Atravessa o Samba

  Rio de Janeiro - 18    O Globo Atravessa o Samba




Na reta final da campanha na Venezuela, a grande imprensa brasileira, sempre em bloco barulhento, lança sua ofensiva contra uma possível eleição do candidato Hugo Chavez. No comício do candidato da oposição, apresentado como um grande carnaval da multidão em um reduto do núcleo duro da oposição, foi lançada a proposta de interromper a internacionalização da revolução bolivariana brilhantemente conduzida pelo presidente Hugo Chavez. O jornal o globo, de hoje, em chamada de primeira página afirma que o candidato da oposição não irá permitir que a estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA, apoie projetos culturais na América Latina. Em referência ao fato, o diário dos Marinhos cita a escola de samba Unidos de Vila Isabel, do Rio de Janeiro, que recebeu patrocínio da PDVSA, para o carnaval de 2006, em um enredo que falava de nossa latinidade e que ainda homenageou em carro alegórico o líder Simom Bolívar. Na ocasião a Unidos de Vila Isabel venceu o carnaval carioca, o que certamente desagradou a tv globo, detentora exclusiva dos direitos de transmissão do desfile. No ano de 2013, ano em que a Alemanha é homenageada no Brasil, a escola Unidos da Tijuca apresentará um enredo que homenageia aquele país. A escola Estação Primeira de Mangueira tem como enredo, para este ano, a cidade de Cuiabá. Não seria nada de anormal se essas escolas recebessem patrocínio e apoio financeiro do país e cidade homenageadas. Cabe lembrar que no carnaval deste ano uma escola do Rio de Janeiro homenageou a cidade Londres, por ocasião da realização dos jogos olímpicos que aconteceram no mês de julho na capital inglesa. O jornal o globo, com sua chamada de capa, mirou, com a sua obsessão anti revolução popular bolivariana, em Hugo Chavez e na escola Unidos de Vila Isabel, que nos últimos carnavais tem se apresentado com enredos que valorizam nossa cultura e também enredos de cunho trabalhista popular.De 2007 para cá, a Vila já apresentou os seguintes enredos: Teatro Municipal do RJ, Trabalhador em referência as conquistas da era Vargas, Noel Rosa, Angola, além de outros . No ano de 2013 , a escola do bairro de Vila Isabel apresenta um enredo sobre a vida no campo, com enfoque para o pequeno trabalhador rural e a produção de alimentos por esse pequeno trabalhador.Certamente não são enredos que a tv globo gostaria de apresentar em sua transmissão. Cabe lembrar, também que a escola Acadêmicos do Salgueiro apresentará no ano de 2013 um enredo que tem o nome de Fama, que nos bastidores comenta-se que tem o patrocínio da revista Caras e que certamente trará inúmeras celebridades para o desfile, o que agrada a tv globo. Vale ainda lembrar, que outra escola , a Unidos de São Clemente, apresentará um enredo com o tema, Horário Nobre, em uma referência as novelas, principalmente as da tv globo. Na eleição da Venezuela, o globo atravessou o samba, perdeu pontos e caiu para o segundo grupo, mesmo patrocinando Celebridades e seu Horário Nobre.