sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Diários de Motocicleta 3 - A Aldeia Que Pensa No Futuro

Diários de Motocicleta - 3   A Aldeia Que Pensa no Futuro




Cercado por canaviais a paisagem era monótona e cansativa. No sul do estado das Alagoas, a 2.000 km de casa, circulava por uma estrada secundária, de terra, irregular, onde predominavam buracos, depressões e muita costela. A motocicleta, de uso misto e com amortecedor central, avançava sem problemas pelo terreno , porém exigia uma condução que me mantinha quase de pé, apoiado nas pedaleiras laterais. O conjunto da suspensão amortecia bem os impactos do terreno, não causando nenhuma espécie de desconforto, o que fez com que aproveitasse para me divertir em uma condução mais esportiva, apesar de já ter passado a maior parte do dia na estrada. A estrada era traiçoeira, com muitas curvas que devido aos canaviais nas margens limitavam uma visão  mais a frente , o que exigia uma velocidade com segurança e uma marcha que mantivesse o giro do motor mais alto, sempre pronto para mudanças de marchas e retomadas seguras. As derrapagens, sempre com a traseira da motocicleta, eram inevitáveis, devido ao estado da estrada e faziam parte da condução. Durante todo o dia já tinha vivenciado chuva , ventos fortes, frio e calor, mas por alí a temperatura era agradável e um sol  de final de tarde dava um colorido vivo no lugar. De repente , ao contornar uma curva, me deparei com um cortejo de gado, conduzido por dois peões que tão logo me avistaram tomaram a posição no centro da pista, colocando todo o gado a direita deles e permitindo minha passagem sem causar estresse para os animais. Agradeci  e fui retribuído enquanto observava o cortejo. Um touro, a frente, me lançou um olhar assustador enquanto as vaquinhas , atrás, tratavam de correr protegendo as crias. Lembrei-me de uma conversa com um peão que me disse que o gado passa o dia inteiro de cabeça baixo, comendo, mas quando levanta a cabeça e  encara você é de meter medo.  Já me aproximava da aldeia  de pescadores e algumas casas, bem simples surgiam pelo caminho. Passei por aquilo que imaginei ser o centro da aldeia e parei na praia ao lado de uma pousada, onde um homem com calção e sem camisa fazia trabalho com madeira. Perguntei sobre a pousada e ele se apresentou como o dono. Era um sujeito sisudo, de poucas palavras e foi logo me perguntando se iria ficar. Olhei o mar a frente de uma  beleza deslumbrante, ao redor, mas  um pouco distante, outras edificações e várias canoas de pescadores na parte mais alta da praia. Um grupo de quatro pessoas , certamente estrangeiros por causa das roupas, ginga e aparência, caminhava alegremente pela praia. O valor da diária era generoso e convidativo, apesar de oferecer somente café da manhã e banho frio, pois a aldeia não tinha energia elétrica.  Pedi para olhar o quarto no que fui prontamente atendido pelo dono, que não disse nada, apenas se levantou e sugeriu, com um gesto, que eu o acompanhasse.  Já me dirigindo para o interior da pousada, pedi que esperasse pois iria acionar a trava contra roubo na motocicleta. Ele me olhou com um sorriso econômico e disse que não deveria me preocupar, pois alí ninguém rouba nada e nem mexe naquilo que não é seu. Uma parte de minhas neuroses urbanas se expressava naquele momento, no que foi prontamente percebida pelo dono da pousada. Notei que seu sotaque não era do lugar. Na entrada da pousada, que dava diretamente para a praia misturando-se com a areia, um grande quadro com a imagem de São Jorge chamava atenção . Tudo era bem simples mas muio bem cuidado e limpo. O quarto tinha banheiro e por cima da cama uma proteção para mosquitos, o que me deixou contente pois garantiria sono tranquilo. Não havia laje e percebi que existia uma abertura entre a alvenaria das paredes e a armação de madeira das telhas, o que facilitaria a entrada de aves, diurnas e noturnas. Um lampião de gás, estrategicamente posicionado na parede , próximo a porta do banheiro, garantia iluminação para os dois cômodos. Voltei para pegar a bagagem e me acomodei no lugar. Já noite, pensei em sair para fazer um lanche, mas e escuridão era total, apenas algumas luzes amarelas, trêmulas e tímidas indicavam a presença de pessoas. Voltei e encontrei o dono, na porta da pousada, serrando uma peça de madeira. Descobri que se chamava Jorge e perguntei sobre algum lugar para fazer uma refeição. Curto e grosso, me orientou sobre o que seria um bar, e que ainda naquela hora poderia encontrar uma refeição, tipo prato feito, muito apreciado pelos visitantes do local. Caso não quisesse ele disse que poderia jantar na pousada e foi logo dizendo que não servia refeição mas que faria uma exceção pois acabara de chegar , não conhecia o lugar e a noite já chegara. Mandou o preço, o cardápio único e perguntou se aceitava. Achei melhor aceitar e deixar para sair na luz do dia. O sono foi tranquilo e reparador e já alimentado com o café da manhã saí para curtir a beleza do lugar. Na porta encontrei Jorge, martelando um prego naquilo que seria uma cadeira.
- já na lida, provoquei perguntando
- o trabalho e a vida se confundem, fazem parte do dia a dia. Dormiu bem, perguntou seco como de costume.
- excelente, agora vou aproveitar para curtir o lugar.
- você vai gostar. A vida aqui é justa. Hoje a noite vai ter forró no quadrado em frente ao coreto.
O sotaque de Jorge era familiar. Arrisquei uma pergunta
- você é do Rio ?
- sim, estou aqui há quatro anos  e pretendo morrer aqui.
- mudou de vida ?
Jorge parou o que fazia e me olhou nos olhos
- nasci no Rio e vivia no bairro do Flamengo. Sou engenheiro civil, tinha mulher e dois filhos que morreram em um acidente de carro que consegui sobreviver. Um maluco avançou um sinal acertou meu carro no lado em que estavam minha mulher  e as meninas. Nós já tínhamos planos de viver em locais mais tranquilos e sem a neurose dos grandes centros urbanos, mas, infelizmente, elas não puderam realizar. Cheguei aqui, nunca tinha ouvido falar nesse lugar , mas gostei. Construí essa pousada e casei-me com uma moça aqui do lugar. Também pesco, aliás a vida no fundo mar é mais justa. Quando cheguei por aqui nem pousada existia, a minha foi a primeira e hoje já existem quatro. O Pierre, um francês, também chegou aqui e ficou. Fez uma pousada e divulga a aldeia no exterior, fazendo com que turistas estrangeiros venham para um lugar no Brasil que os brasileiros nem imaginam que existe.
- eu só cheguei aqui por conta de uma dica de um colega de trabalho, que é alemão, e que está trabalhando na empresa.
- prá você ver. Pierre e eu conversamos muito. Ele é um sujeito muito inteligente, arquiteto e preocupado com um possível crescimento da aldeia. Juntos , projetamos e construímos muitas casas por aqui, além do coreto da praça. Na nossa compreensão, que não é da maioria dos nativos, o planejamento das cidades deve começar desde seu estágio primitivo, como essa aldeia. Em um lugar no futuro isso será um Arraial, depois será uma Vila e então uma Cidade. Quando se transforma em cidade, a felicidade das pessoas também se transforma, quase sempre com impactos negativos. Preservar a cultura local, os valores e a qualidade vida sem abdicar dos avanços na tecnologia é o desafio. Por enquanto nem energia elétrica temos, deve chegar ainda este ano, dizem as autoridades. Não repetir os erros das cidades que crescem imitando as megacidades é o que tentamos passar para os nativos, que somente agora, com a presença de vocês turistas, começam a perceber o que é realidade da vida nos grandes centros. Até então tinham apenas a visão romântica, glamourosa e fantasiosa divulgada pelas tv's e pelo cinema. Com a presença de vocês eles perceberam, assustados, que vocês sequer olham para eles, que vivem com medo de serem roubados ,que se assustam até com mosquitos  e que tem dificuldades de conviver com o silêncio, com o som da natureza.Ou seja, o individualismo do cidadão urbano assustou um povo que , para sobreviver, necessita da cooperação , como acontece na natureza. Esse convívio , se por um lado aquece a economia da aldeia, também favorece na conscientização dos nativos, naquilo que tentamos passar por não repetir os erros  das grandes cidades e preservar a cultura local . Alguns já começam a perceber. Interrompi Jorge com uma pergunta de bate pronto.
- você já leu a Terceira Onda.
- sim acabei de ler, r espondeu com um olhar desconfiado tipo qual é a desse cara.
- não que o conteúdo do livro trate da essência de suas preocupações , mas os chalés eletrônicos, as cabanas tecnológicas de alguma forma estão inseridas nas questões que você abordou, não acha, perguntei.
- de certa forma, sim. Porém nossa preocupação central está no crescimento , nas pessoas.  Viver e se desenvolver no local sem necessitar fugir para os grandes centros é o que tentamos mostrar para os nativos. Se aqui  a pobreza é um problema sério, que limita a vida, e sequestra esperanças, o sonho de ir viver em um grande centro quase sempre se transforma em um pesadelo quando em contato com a realidade. Amontoados em cortiços e pendurados em encostas de morros nas favelas, muitos acabam na criminalidade e adquirem a consciência que a chamada cultura civilizacional dos grandes centros urbanos é apenas uma senzala high tech, que escraviza e exclui a maioria em benefício de poucos que lucram com a miséria,  os senhores da casa grande tecnológica. A propósito, como está indo o Brizola lá no governo?a
-  vai bem, tentando mudar, como pode, esse quadro que você pintou.
-  espero e torço prá que ele consiga, disse e se voltou para o trabalho posicionando um serrote para o uso.
- vou caminhar um pouco, disse
Depois de um bom tempo explorando o lugar fiquei curioso em saber mais das ações de Jorge para conduzir um crescimento equilibrado naquele lugar, ainda tão isolado do mundo. Havia um certa organização com conteúdos informativos para os turistas , nos idiomas inglês e francês, para minha surpresa. No comércio de artesanato local era possível encontrar folhetos , simples e rústicos, porém bem explicativos sobre a arte local, enfocando tradição, história, origem e, claro, os preços dos produtos. No restaurante, se é que se pode chamar assim o rústico bar mais frequentado do lugar, o top era um prato feito, que como disse Jorge e comprovado por mim, muito apreciado pelos visitantes. Havia opção de petiscos, sem grande variedade,   e uma ou outra opção de refeição, sendo que todas as informações estavam disponíveis nos três idiomas. Depois de um dia relaxante saí na noite para o tão comentado baile de forró que aconteceria a partir das nove horas. O lugar, que na realidade era um retângulo,  tinha em uma das laterias  o pequeno coreto que certamente serviria como palco para diferentes eventos. O local para a dança  era de terra batida, bem nivelada e ao ar livre. As pessoas já se aglomeravam no local, crianças, adultos, idosos, turistas brasileiros e estrangeiros, assim como vendedores de queijo no espeto, churrasco e bebidas. O clima era de tranquilidade. Jorge chegou com a mulher e sentou-se em um banco  , na lateral da pista, fazendo de imediato uma análise na madeira. Aproximei-me e  e, como de costume, estava de cara fechada olhando distante. Sua mulher, simpática, sugeriu que me aproximasse. Naquele instante, uma vitrola que funcionava com bateria, foi colocada por cima de um apoio de madeira.
- imaginei que teria um sanfoneiro, comentei
- hoje tem uma festa da família dele mais alí na roça e ele não vai poder chegar, disse a mulher de jorge.
Um sujeito botou um LP na vitrola e forró começou a rolar. Logo a pista de dança foi sendo tomada e a poeira, inevitavelmente, começava a subir.  Jorge continuava mudo. Comentei com ele que o coreto era bem construído, no que ele se animou e começou a falar sobre a construção me garantindo que era bem seguro. Enquanto explicava os detalhes da construção uma menina, de mais ou menos vinte anos, se aproximou e deu dois beijos na mulher de Jorge, chamando-a de tia fazendo o mesmo depois com  Jorge. Falante e desembaraçada, bem vestida com  vestido, magra , aparentando ter um metro e setenta, bem morena mesclando traços negros e indígenas, posicionou-se ao lado dos tios.
- dance com ela, disse a mulher de Jorge falando comigo.
- vem minhoquinha, vamos dançar, disse para menina.
Prá que. A minhoquinha ficou uma fera e saiu esbravejando.
- e eu lá tenho cara de minhoca, homem. Fique sabendo que não sou magra , não. Todo mundo me acha bonita. E meu nome é Joana, viu ?
Jorge, para minha surpresa, caiu na gargalhada o que irritou ainda mais minhoquinha. Senti que mexi em desconforto de adolescente. Expliquei para Joana, que minhoquinha não tinha nada a ver com a aparência dela, mas sim pelo fato de ela ser do local, da região, da terra e que ela era uma menina muito elegante, o que de fato pensava. Jorge continuava rindo. A mulher de Jorge colocou panos quentes.
- deixe de bobagem, menina, vá dançar com ele, vá.
 A essa altura minhoquinha estava com os braços cruzados e uma grande tromba. Estiquei  a mão convidando-a para a dança , no que ela aceitou  sem segurar minha mão e sem desfazer a tromba.
 O local já estava sendo tomado por uma nuvem de poeira.  Começamos a dançar e procurei ficar nos passos básicos do forró. Minhoquinha acompanhava sem problemas , todos os passos e meus movimentos, não esboçando em nenhum momento intenção de conduzir, o que achei ótimo. Também era leve como uma pena. Resolvi testar meu par e comecei a criar passos e movimentos, sem sair do ritmo da dança. Para minha surpresa minhoquinha seguia firme, sem nenhum erro, o que fez com que eu criasse cada vez mais, até que depois de criações bem sucedidas ela me olhou, já sem tromba e esboçando um sorriso e disse.
- eita homem danadinho prá dançar. Nem parece que é de fora.
- assim é mais divertido, desde que a dama acompanhe e você dança muito bem.
Minhoquinha ficou toda orgulhosa o que deixou o clima leve e mais divertido.
A poeira já estava incomodando e o disco era único, repetindo as doze músicas e eu já começava a decorar algumas. Chegou um momento que não se conseguia enxergar dois metros a frente, e  a pista lotada. Até que um sujeito, aproveitando a troca de lado do LP, subiu no coreto a avisou  que teríamos uma paradinha para jogar água na pista. Senti um alívio, pois estava encharcado de suor e poeira, porém para minha surpresa, o sujeito levou uma vaia gigantesca, inclusive de minhoquinha que ainda fez questão de colocar as duas mãos na boca enquanto vaiava. Ele insistiu dizendo que seria bem rápido, e todos, ainda vaiando saíram para descansar. Um grupo correu para o mar, o que achei uma boa idéia. Coloquei as sandálias ao lado de Jorge, e com camiseta e bermuda, dei um mergulho que mais se pareceu com um grande tchibum na água. Estava livre da poeira, porém repleto de sal. Perguntei por que minhoquinha não mergulhou e ela disparou:
- e eu lá vou ficar toda molhada desarrumada. Eu, hein.
Enquanto jogavam água na pista de dança, observei uma grande movimentação de cadeiras e bancos sendo levadas para o interior do coreto. Depois de posicionados, o mesmo sujeito pediu a atenção de todos e deu as novas. Nós vamos fazer um concurso de dança e os três primeiros colocados vão ganhar prêmios. Todo mundo do lugar aplaudiu e gritou. Depois informou a premiação:
- para o par que ficar em terceiro lugar cada um vai ganhar um copo de vidro pintado a mão, da venda de Zé Cavalcanti. Para o segundo lugar, cada um vai ganhar um cesto de vime, pequeno, prá colocar pão e fruta, tudo feito por Maria Bezerra. Para o primeiro lugar cada um do par vencedor vai ganhar uma PF de João do PF, com direito a refresco e sobremesa.
A alegria foi geral. O sujeito continuou.
- agora eu quero chamar os jurados prá sentar aqui no coreto.
A medida que as pessoas iam sendo chamadas, sentavam-se no coreto que ia ficando lotado. Jorge foi convidado. No momento em que se levantava disse prá ele:
- lembrando do que falamos hoje pela manhã, poderia dizer que trata-se de uma iniciativa do empresariado local em apoio as atividades culturais da região, preservando e divulgando a cultura, não é ?
- isso mesmo, disse Jorge com convicção se dirigindo para o coreto. Ainda olhou para trás, em minha direção e disse:
- isso é bom, isso é bom.
 O sujeito pediu para que os pares se posicionassem na pista e ainda disse que na primeira eliminatória seriam escolhidos seis pares e depois de nova avaliação os três vencedores.  Convidei minhoquinha e iniciamos a dança. Levaria um lado inteiro do LP até a escolha dos seis. Minhoquinha estava compenetrada , séria e fluindo como uma pena. Não dizia uma palavra. Ao final do lado do LP, o intervalo e o anúncio dos seis pares. O sujeito, do alto do coreto ia apontando para os pares escolhidos e ficamos entres os seis, para delírio de minhoquinha. A segunda etapa começou e resolvi dar o melhor de mim na dança no que fomos contemplados com a escolha em terceiro lugar. No momento em que foi anunciado, o sujeito pediu para que o par subisse no coreto, o que não me agradou pois o lugar estava entupido de pessoas e fiquei imaginando um desabamento. Enquanto, naquela fração de segundos pensava aquilo tudo, parado no meio da pista, minhoquinha me puxou pelo braço e disse:
- venha, homem, tá esperando o quê , meu deus.
Subi no coreto, com uma certa neurose, e com dificuldade fomos colocados na frente. Recebemos o prêmio, dois copos, de vidro, com capacidade de mais ou menos quatrocentos mililitros. A pintura era delicada e equilibrada e retratava o mar com canoas na praia. O empresário Zé Cavalcanti entregou o prêmio. Minhoquinha era uma alegria só, sorrindo sem parar e distribuindo acenos para todos na pista. Dei o meu copo prá ela que ficou feliz. Disse também que iria descer do coreto no que ela retrucou.
- o homem de deus, sossega quieto aí. Na hora de subir prá ganhar o prêmio, ficou parado, plantado, balançando igual bambú lá no meio. Agora, que é prá ficar aqui, quer sair. Não presta, não.
Resolvi não dar detalhes prá minhoquinha do motivo que me inclinava a querer sair do coreto. E ainda iriam subir mais quatro pessoas. Com dificuldade todos se espremeram no coreto e receberam os prêmios com direito a discursos. Terminada a premiação, o baile iria continuar e todos começar a descer
para minha felicidade. Foi quando Jorge, segurou no meu braço e começou a falar alguma coisa sobre incentivo as atividades culturais, fazendo com que ficássemos no coreto. Minhoquinha , que já estava saindo me viu parado lá dentro e disparou.
- agora que é prá sair, fica parado aí. O homem atentado, meu deus.
- estou conversando com seu tio. Vai, vai, vai criatura, logo a gente dança mais, despachei.
 O baile continuou, com o mesmo disco e a mesma animação. Lá pelas tantas, um casal deu um esbarrão em minhoquinha que se desequilibrou. A mulher, uma francesa, disse.
- pardón, pardón.
- pas de problemes, disse minhoquinha
Fiquei surpreso e perguntei , se falava francês.  Ela me explicou que Pierre e Jorge dão aulas de francês e inglês para algumas pessoas do lugar. No caso dela aprende o  francês. Também disse que o objetivo é fazer com que as pessoas do lugar possam servir de guias para os turistas , em passeios ou mesmo no dia a dia na aldeia e com isso ganhar um dinheirinho. Perguntei onde Jorge arrumava tempo para dar aulas pois passa o dia inteiro com madeira e pregos e no fundo mar pescando, Disse que sempre se tem um tempo prá se fazer o que é importante. Aquelas aparentes inocência e ingenuidade das pessoas do lugar escondiam uma maturidade  e responsabilidade, incomuns para uma cultura dominante de televisão que idiotiza e infantiliza as pessoas. As ideias de jorge começavam a se encaixar assim com seus passos para acompanhar o crescimento do lugar. De repente, a vitrola pifou, Talvez pela poeira, a agulha corria pelo disco e não conseguia reproduzir mais nada. O sujeito informou que, infelizmente, não poderia continuar, Mais vaias, isso já pelas duas da manhã no baile que começou as nove. Todos foram se dispersando e minhoquinha, junto com suas amigas correu em minha direção me convidando para uma sirizada, com o sanfoneiro que não veio, em lugar mais ou menso perto de onde estávamos. Não me aguentava mais em pé, agradeci mas disse que não iria, no que ela disparou
- bem ouvi de pessoas que carioca é tudo preguiçoso, eita.
Com uma das mãos segurando os copos, acenou com a outra se despedindo e foi dançar na sirizada na casa do sanfoneiro.  Caminhado lentamente, com as sandálias nas mãos, pela beira da praia,fui para a pousada. Na escuridão da noite e do lugar, ao som das ondas do mar, e com um céu salpicado de estrelas,  compreendia a aldeia que pensa no futuro, ainda que , como dizia a canção " com a roupa encharcada e a alma repleta de chão"

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