sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Foto

A Foto




Hoje a Presidenta Dilma aparece em foto nas principais mídias, estranhamente e generosamente financiadas com verbas de propaganda do governo federal, em uma campanha pela redução dos acidentes no trânsito. Vestida com uma camisa com a foto de um filho de uma atriz da rede globo, morto em acidente de  trânsito, a foto da Presidenta pode ser comparada a uma extensão do programa vídeo show da mesma emissora. Os acidentes de trânsito com vítimas , no Brasil, tem números alarmantes que podem ser comparados as vítimas de uma guerra civil, por exemplo. Diariamente dezenas de pessoas morrem nas ruas e estradas do Brasil por conta do descaso, imprudência, irresponsabilidade de todos envolvidos com a selva e a fauna , principalmente nos grandes centros urbanos. Na condução de veículos os animais  exalam, através de suas descargas anímicas, toda sorte de frustrações acreditando que a armadura que os envolve é uma extensão deles próprios, parte de seu corpo, de seu habitat, extensão de suas pernas, anexo de suas residências. Tudo isso, e um pouco mais,  contribui para uma sensação de poder, imbatível, veloz, indomável, assim como os velozes e furiosos da ficção, ou a emoção na condução sugerida pela propaganda, ou ainda a paisagem paradisíaca com opção de aquisição daquele veículo, como também sugere a propaganda. Na década de 1960, atento ao movimento consumista que ganhava contornos de nitidez inquestionável, os irmãos Valle brindaram a todos com uma canção onde a presença do automóvel determinava a existência, ou não, das pessoas em uma sociedade. Dependendo do veículo adquirido, os Silvas, Souzas, Guimarães, Santos e outros, ganhariam até o reconhecimento de uma linhagem da nobreza. Dizia  assim:

" a questão social industrial, não permite não quer que eu ande a pé,  na vitrine o mustangue cor de sangue,
    tem um novo ideal sexual, abandono a mulher virgem no altar, na vitrine o corcel cor de mel.
    no farol vejo o seu olhar, minha mão toca a direção, no painel vejo seu amor e meu corpo invade o interior"

Não necessariamente nessa ordem ou  com a totalidade dos versos, a canção mostrava a importância que automóvel assumia na vida das pessoas, a ponto , se fosse o caso, trocar a mulher no altar por um conjunto bem organizado de ferros brilhantes e reluzentes. A indústria automobilística crescia no Brasil, assim como o culto ao automóvel, eliminando praticamente todos os outros meios de transporte. Uma outra canção dizia:

"  ponta de areia ,ponto final, da Bahia a Minas estrada natural, que ligava Minas ao porto ao mar, caminho de ferro  
    mandaram arrancar" 

E assim aconteceu até os dias atuais, onde os animais urbanos tem no automóvel suas garras, suas mandíbulas, suas patas sempre prontas para o ataque. O resultado tem sido desastroso e centenas de milhares de pessoas já morreram e morrem  diariamente. Pessoas como o cidadão que foi atropelado, em rodovia próximo a cidade do Rio de Janeiro, por um veículo que atinge velocidade de 300 km por hora. O nome dele , nem a foto , aparece na imagem da  camiseta da Presidenta. Podia ser um Santos um Souza , um Guimarães, um Silva, mas é apenas uma estatística sem o status de celebridade que teve o mesmo fim e repousa em igualdade de condições com o menino da foto. Enquanto o governo federal financia veículos de mídia que desejam derrubar o próprio governo, enquanto a morte de um filho de uma simples mortal atriz de tv for mais importante que os mortos diários no trânsito, enquanto o governo federal não mudar sua submissão aos interesses das grandes corporações do setor, enquanto esse mesmo governo não criar a aplicar políticas de mobilidade que priorizem o meio ambiente  e a facilidade de deslocamento das pessoas ( como fez a Índia com veículos baratos e práticos ) , o trânsito continuará produzindo estatísticas onde somente os Souzas, Silvas , Santos e Guimarães  que possuam visibilidade, que seja mesmo uma fútil visibilidade, terão foto  e serão marcas para campanhas do governo federal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário