sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Rio Zona Norte - 5 O Sucesso de Maria das Graças

  O Sucesso de Maria das Graças



Em mais um dia, como em todos os outros dias da semana, Maria das Graças , pontualmente às seis horas da manhã aguarda, de pé em uma fila, o coletivo que a levará para seu trabalho. Jovem, bonita, simples, de bom astral, paupérrima e vivendo na baixada fluminense, ficará por volta de uma hora no ônibus até chegar no seu local de trabalho, no bairro da Penha, zona norte da cidade do Rio de Janeiro.  Na plenitude de seus vinte anos de idade, a jovem  que deixou sua cidade natal e sua família no interior do estado de Tocantins ainda com dezessete anos fugindo da pobreza extrema para tentar a sorte na cidade maravilhosa, alimenta sonhos, planos e esperanças de uma vida melhor. Uma vida que ela vê, ouve , diariamente nas mídias, como sendo o ideal para qualquer pessoa que queira ser feliz e alcançar o sucesso. Vivendo em uma pequena casa de apenas um cômodo , em que paga aluguel  e sobrevive com o salário mínimo que recebe pelo trabalho de operária em uma fábrica de roupas esportivas, espera um dia ser uma vencedora, uma mulher chique, bem cuidada e se possível famosa como os exemplos de seus ídolos das novelas e programas de tv, que saíram de baixo, lutaram e alcançaram o sol. Nem sempre, mesmo chegando com antecedência na fila do ônibus, Maria das Graças consegue fazer a viagem sentada, confortável, ainda que os coletivos não tenham ar condicionado e o calor na região  costuma ser infernal mesmo nas primeiras horas do dia, o que , por vezes, faz com que chegue ao local de trabalho já cansada. Responsável e dedicada, nos dois anos em que trabalha na fábrica jamais chegou atrasada ou foi repreendida por mau comportamento ou qualquer infração no seu trabalho. Cumpre, diariamente, de segunda a sábado, uma jornada de doze horas de trabalho, das sete horas da manhã às sete da noite, tendo quinze minutos antes de iniciar o trabalho para um lanche, uma hora para o almoço, e mais quinze minutos na parte da tarde para outro lanche. A fábrica é terceirizada de uma gigante transnacional de material esportivo que tem alguns de seus ídolos como garotos propaganda de seus produtos. A maioria das operárias é de mulheres, jovens, com o mesmo perfil de Maria das Graças. O trabalho é extremamente cansativo, repetitivo e as condições do local são totalmente inadequadas, no tocante a temperatura ambiente, o calor é constante,  as instalações, as cores da edificação e equipamentos, excesso de ruído e condições mínimas de segurança. Os sanitários não tem uma higiene adequada e os aspectos ergonômicos para  execução do trabalho baseiam-se em improvisações. As equipes de operárias são divididas, no local de trabalho, em estações onde dez meninas realizam tarefas de corte e costura de tecidos. Para cada estação existe um supervisor que fiscaliza , em tempo integral, o trabalho e a produção das meninas, não permitindo qualquer tipo de conversa que possa levar a uma interrupção no ritmo de produção. Saídas para o banheiro são acompanhadas por uma supervisora , exclusiva para esse fim. As meninas só podem conversar um pouco, nos horários de lanche, e no tempo que sobra da hora de almoço, que aliás é oferecido no restaurante da empresa  e descontado no salário das operárias.  Muitas operárias preferem trazer o almoço de casa, não apenas para economizar o almoço da empresa, como também pela péssima qualidade das refeições oferecidas. A empresa , sequer disponibiliza um local para que as operárias possam aquecer suas marmitas. Maria das Graças tornou-se uma referência na sua estação,ou seja no seu grupo de dez operárias. Sempre feliz, esbanjando simpatia e acreditando na vida, sua presença quebra, pelo menos em parte, o clima de terror dentro daquela fábrica . Entoando canções, em voz bem baixa mas percebidas pelas outras nove enquanto realiza suas tarefas, cria uma atmosfera de paz e otimismo que ajuda a superar a dura realidade em que vivem.  Nos horários de  lanche e almoço, sempre pode ser vista como o centro das atenções para as nove da estação, que se encantam e adquirem forças com o alto astral de Maria das Graças. Na hora em que deixam a fábrica, já do lado de fora, conversam rapidamente antes que cada uma tome seu destino. Nesse momento, como de costume , Maria das Graças é vista , no centro da roda  e as demais sorrindo , felizes com suas histórias. Em um outro dia, o coletivo que conduzia a jovem para o trabalho quebrou durante o percurso, o que fez com que Maria das Graças tivesse que aguardar um outro coletivo e com isso chegasse atrasada, pela primeira vez em dois anos, no seu trabalho. Antes de assumir seu posto na estação, foi chamada pela gerência e advertida que caso o atraso se repetisse seria demitida por justa causa. Ainda foi informada que os setenta minutos de atraso daquele dia seriam descontados de seu salário. Não se abateu, assumiu seu posto e realizou suas tarefas com as competência e dedicação costumeiras. Conversou com as nove da estação, que ficaram revoltadas com o tratamento dado a menina, já que não tivera nenhuma culpa ou  responsabilidade pelo que tinha ocorrido. Maria das Graças não comprou a revolta, preferiu esquecer o assunto e conversar sobre a novela das nove que ela tanto adorava e não perdia um capítulo. Reunidas na porta da fábrica, já na saída para casa nem parecia que a jovem tinha sido advertida, ameaçada de perder o emprego e ter sua ficha manchada. No dia seguinte, pontualmente as seis horas da manhã, lá estava a jovem embarcando no coletivo que o levaria para seu trabalho. Não poderia imaginar o que aconteceria na viagem. Desta vez, sentada no banco ao lado da janela, sonhava e fazia planos caso ficasse rica. Tinha certeza que ficaria, era uma questão de tempo, pouco tempo. E foi em puco tempo que tudo mudou dentro coletivo. Dois homens armados anunciaram um assalto, isso em um ônibus cheio, porém não lotado, mas com pessoas de pé. A menina entrou em pânico e ficou paralisada, era a primeira vez que vivia a experiência, de que já tivera conhecimento pelos programas de tv que tanto adorava e  os tinha como referência. O passageiro ao seu lado, um senhor também ficou imóvel. De repente, um passageiro reagiu e sacou uma arma , dando início a um tiroteio dentro do coletivo. O passageiro ao lado da jovem tentou se proteger rapidamente, jogando a parte de cima de seu corpo, o tronco, quase que no colo de Maria das Graças. Terminado o tiroteio e  tendo os assaltantes sido imobilizados, o passageiro ao lado de Maria das Graças estava imóvel, já morto, com um tiro na cabeça que acabou servindo como um escudo para o peito da jovem, o  provável destino daquele projétil. A menina , com a roupa já suja de sangue do senhor morto, tentava sair do local, o que conseguiu com a ajuda de outro passageiro e  a ação de alguns policiais que passavam pelo local e prederam os assaltantes. Traumatizada, porém sem ferimentos, conseguiu sair do coletivo,e com as roupas sujas de sangue, foi para seu trabalho, desta vez chegando quase que na hora do almoço, por causa dos tramites legais que acompanham casos como este. As nove da estação ficaram chocadas com a história contada pela jovem e deram todo apoio , carinho a atenção na tentativa de amenizar o trauma da menina. Não faltaram abraços e beijos para acalmar a querida amiga. Entretanto, a gerência chamou Maria das Graças para se explicar do segundo atraso, agora de  quatro horas, em dois dias seguidos. A jovem, com as provas do terror em suas roupas, explicou todo o ocorrido e ainda indicou a delegacia onde se processou o registro de ocorrência com o seu nome. De nada adiantou. Maria das Graças foi demitida por justa causa, sem direito a nenhuma indenização. As nove da estação, quando souberam da demissão da amiga ficaram ainda mais revoltadas, mas nada puderam fazer a não ser chorar e consolar a jovem, que apesar de perder o emprego não demonstrava irritação, revolta ou tristeza. O pior ela já tinha passado, ou pensou que tinha sido o pior. A tristeza tomou conta das nove , não mais teriam a alegria de Maria das Graças, uma igual a elas, para amenizar o terror daquela fábrica. A jovem foi para casa, fora um dia estressante, deitou na cama e dormiu sem se preocupar com horário. Mesmo assim acordou cedo no dia e seguinte e começou a pensar em conseguir trabalho. Antes disso teve tempo para fazer o que não fazia nos dias de trabalho, foi a padaria, no mercado fazer umas comprinhas e ainda fez uma aposta em uma casa lotérica. Cantando , a jovem não perdeu tempo nem se lamentou. No dia seguinte, bem cedo, já estava em uma agência de empregos se candidatando a um novo emprego. Preencheu fichas, fez entrevistas e conseguiu um emprego de balconista em uma lanchonete  na Gávea, zona sul do Rio de janeiro. Deveria começar em três dias, porém a aposta de loteria que fizera no dia anterior mudou totalmente sua vida. Acertou as dezenas premiadas e ganhou uma quantia que lhe garantia a independência financeira. Maria das Graças explodiu em felicidade. Sorria, cantava, chorava sozinha em sua casa, mostrando toda sua beleza. Nada falou sobre o prêmio, nem para vizinhos ou com as nove, amigas da estação que não via desde o dia em que fora demitida. Com a quantia ganha a jovem, esperta e segura voltou para sua cidade natal , no interior do estado de Tocantins. Lá, com o auxílio da família, aplicou o dinheiro em imóveis, comprou uma casa nova para ela e os pais , e garantiu a independência financeira para a família. Tinha agora, como renda, de suas aplicações dez vezes o salário que recebia na fábrica. Era uma vida confortável para eles. Passaram seis meses de sua saída da fábrica e Maria das Graças tinha outra aparência. Usava roupas  idênticas aos personagens de suas novelas favoritas, comprova produtos de beleza e fazia os tratamentos de beleza sugeridos pelos comerciais de tv. Estava ainda mais bonita e radiante. Resolveu ir ao Rio de janeiro, para passeio, e aproveitou para visitar as nove da estação na fábrica do terror. Planejou chegar na fábrica no final do expediente pois poderia encontrá-las no lugar de sempre, ao lado , porém, não muito distante, do portão principal. E assim aconteceu. Avistando as nove da estação. acenou , esbanjando a mesma alegria , simpatia  e simplicidade de costume, que em nada mudaram com a mudança de sua condição financeira. As nove se aproximaram, não acreditando no que viam, e ficaram perplexas quando souberam de toda a história contada por Maria das Graças. Após ouvirem tudo foram se aproximando da jovem e inicialmente, sem nada combinar, começaram a rasgar sua roupa, agredí-la com socos e pontapés. A jovem , indefesa, estava quase desmaiando, semi nua, foi jogada ao chão, pisoteada e com uma pedra, uma das nove bateu em seu rosto até afundar a face e o crãnio, quase que esmagando. Outra, arrancou-lhe os olhos com as mãos enquanto as demais com pedaços  de pau tentavam furar seu corpo no abdômem.  Saciadas, as nove se retiraram, sem falar uma palavra uma com as outras e deixaram o corpo de Maria das Graças, mutilado, sem vida ao lado do portão principal da fábrica do terror.

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