sexta-feira, 20 de abril de 2012

Rio Zona Norte - 2 O Aparelho do Lins

O Aparelho do Lins

O abril continua vermelho,as cores da natureza sempre vivas, mas a história do Brasil continua a mesma. A hora para passar a limpo o passado é agora. Nas sangrentas batalhas travadas pela oposição conservadora e os movimentos sociais, o conhecimento sobre a verdadeira história do período da ditadura militar  parece que não mais aceita adiamentos. Em diferentes países a verdade foi passada a limpo, com punições ou não, a história seguiu. Na África do Sul, que viveu, talvez, o mais brutal e bestial regime de segregação racial, com milhares de mortos, a transição para a democracia não permitiu dissimulações ou falsas anistias. A Comissão da verdade, brilhantemente dirigida pelo nobelista Desmond Tutu, colocou frente a frente os dois lados da disputa. O processo foi doloroso, fazendo com que Tutu fosse às lágrimas por diversas vezes, diante das declarações. Assassinos e familiares dos mortos, independente das cores e do lado, falavam de suas angústias, tristezas e sofrimentos, por conta dos anos de luta. O processo foi fundamental, para que o país conhecesse sua história, valorizasse seu passado, e pudesse olhar com firmeza para o futuro. A África do Sul, independente dos sérios problemas ainda a resolver, ficou conhecida como o país de todas as cores, lugar onde a ignorância e estudipez,  tiveram como resposta a civilidade e o diálogo. Na América do Sul, que sofreu com a  barbárie de ditaduras, diversos países trouxeram a tona a verdade sobre os anos em que o sol não brilhou, exatamente na região do Império do Sol. Em alguns, os ditadores foram julgados, condenados e cumprem penas por seus crimes. Em outros, a verdade pode ser conhecida, com anistia para todos os lados. O importante, em todos os casos, foi a restauração da ordem democrácrita, a remoção do entulho autoritário dos poderes e, principalmente, a verdade, condições essenciais para evolução de uma nação. Nesse contexto, me veem lembranças do ano de 1973. Naqueles já distantes anos,  onde corujas e pirilampos bailavam entre sacis e fadas com os Secos& Molhados,  Raul Seixas não sentava no trono de seu apartamento com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar e os Novos Baianos enlouqueciam a ditadura e sua patética censura, conheci Lucas. De um dia para o outro Lucas, que fora amigo na faculdade, sumiu. Décadas depois nos reencontramos e pude conhecer um pouco de sua história. Lucas militava em uma organização contra o regime militar. Na faculdade era de poucas palavras, mesmo porque qualquer conversa com mais de três pessoas podia ser vista como conspiração comunista. Seu grupo de ação, alugou uma casa, que servia de encontro , no pacato bairro do Lins de Vasconcelos, zona norte da cidade do Rio de Janeiro. O Lins era um bairro estratégico para o funcionamento de aparelhos. Sem ser um bairro de passagem, com pouco movimento, residencial com casas com cadeiras na calçada e na fachada escrito que é uma lar,  tinha saídas para o subúrbio pelo alto Meier, para o centro pelo Engenho Novo e para a zona oeste, pela estrada Grajaú - Jacarepaguá. O aparelho que Lucas frequentava ficava numa dessas ruas tranquilas, entretanto eles jamais poderiam imaginar, que na casa em frente morava um jornalista, que trabalhava para a ditadura como torturador. A rua, como em todo bairro da zona norte , tinha seus personagens. Seu Pinto era um deles. Aposentado, vivia com sua mulher, Dona Walquíria em uma casa próxima. Sujeito de pouca instrução, mas de grande austúcia e ótimo observador. Passava a maior parte dos dias  sentado em uma cadeira na porta de sua casa, ora lendo jornais, ora bebendo cachaça. Na casa em frente a de Lucas, vivia Silvério, o jornalista torturador, casado com Juliana. Tinham um filho, Pedro. Silvério não despertava suspeitas, menos para Seu Pinto, claro, por ser um sujeito familia que frequentava as missas aos domingos na igreja do bairro. Tinha uma rotina, que para Seu Pinto era estranha. Saía de casa as 5 horas da manhã, todos os dias,  voltava por volta das 10 horas, saía novamente por volta das 17 horas e voltava às 21 horas. As vezes ficava o dia todo fora de casa. Era um sujeito alto, de olhos claros, com uma aparência saturniana. No aparelho viviam diariamente, Paulo e Vera. Simulavam um casal recém casado, tinham em torno de 25 anos e para evitar fofocas , também frequentavam a missa aos domingos, mesmo sendo marxistas de carteirinha.  Tinham uma caminhonete DKW, um pouco surrada,  carro típico de aparelho. Não tinham uma rotina fixa, raramente recebiam visitas que pudessem ser vistas pelos vizinhos. Mesmo assim, Seu Pinto desconfiava deles.  Para os encontros e reuniões, que aconteciam com frequência, Paulo e Vera traziam as pessoas escondidas na caminhonete, sendo que muitos, ficavam , as vezes, semanas na casa, sem sair a rua ou aparecer para a vizinhança. Quando iam embora, também saim escondidos no carro.  Seu Pinto achava que Vera tinha uma expressão de medo constante, e achava que alí tinha coisa. Acontece , que em um determinado dia, Igor, um que vivia no aparelho e entrava escondido no carro, pelo vidro da janela avistou Silvério saindo de casa. Levou um susto tremendo, pois reconheceu Silvério como seu torturador. Certa vez, Igor que caminhava pela Avenida Rio Branco, onde estava estudando a rotina do Banco Irmãos Guimarães na esquna da Rua da Alfândega para uma ação de expropriação, foi agarrado e jogado em um carro. Foi levado para uma órgão de informação das forças armadas, nas  proximidades da Praça XV.  Ficou no local oito horas , onde foi interrogado, torturado e mandado embora, por atitude suspeita. No interrogatório estava presente Silvério, que além de trabalhar em um grande conglomerado de mídia carioca como jornalista, também colaborava como torturador para a regime, assim como os donos do conglomerado midiático. Igor levou vários choques elétricos nos  órgãos genitais, e diversos telefones, fazendo ficar sem audição por umas três semanas. Aguentou firme, não falou nada e  teve sorte de ter sido dispensado. Quando viu Silvério avisou rápido os demais companheiros do perigo que aquela figura representava. Depois de alguns dias de discussões, resolveram que o melhor seria assassinar Silvério, decisão que aumentou ainda mais o pânico de Vera. Vizinho ao aparelho tinha uma vila residencial, com saída para uma outra rua. Resolveram que iriam matar Silvério, tarefa destinada a Carlão, que simularia uma fuga pela vila mas pularia o muro para dentro do aparelho. E assim aconteceu. Em um dia, às cinco horas da manhã, Silvério levou um tiro certeiro na nuca e caiu. Carlão simulou a fuga e pulou para o aparelho, que naquele dia tinha apenas Paulo e Vera. O tumulto tomou conta da rua. Seu Pinto sabia que alí tinha coisa e grudou os olhos na polícia. Ninguém viu nada. No meio de perícia e de toda aquela gente, Paulo e Vera saíram de casa tranquilamente de carro, com Carlão escondido. Passados alguns meses , o tempo fechou. Em um tranquilo e melancólico domingo de zona norte, o aparelho foi cercado por "policiais" sem farda. O tiroteio foi intenso e os quatro que estavam dentro de casa resolveram se render. Paulo, Vera, Igor e Carlão. Lucas , por sorte escapou. Tido como romântico, pelos seus amigos de guerrilha, tinha se apaixonado por uma menina hippye, filha de um Almirante de linha dura membro da TFP e diretor do Lyons Club, e fora a um encontro com ela na Quinta da Boa Vista. Logo em seguida, quando soube que a casa estava crivada de balas e os amigos presos, Lucas saiu do país, pois sabia que estava na mira. Passadas quatro décadas, não se sabe o paradeiro de Paulo, Vera, Igor e Carlão. Seus familiares tentam , até hoje, saber a verdade sobre o que aconteceu, para que possam viver em paz e o país precisa dessa verdade para limpar seu entulho autoritário que persiste ainda. Lucas voltou depois do final da ditadura, mora na região serrana do Rio e é professor, foi salvo pela paixão. Juliana se agarrou a religião, frequentava a igreja todos os dias e acabou se apaixonando pelo padre, com quem casou e tiveram cinco filhos. Seu Pinto teve um fim trágico. Sentado na porta de sua casa viu duas pessoas na frente iniciar uma discussão que acabou em briga. Um dos envolvidos, viciado em corridas de cavalos, portava um grande binóculo que atirou no outro mas acabou acertando Seu Pinto. O impacto casou um ferimento na testa que evoluiu para uma sepitcemia, levando o aposentado a morte.

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