quarta-feira, 18 de abril de 2012

Rio Zona Norte - 1 O Aniversário e o Santo

   O Aniversário e o Santo


Ainda no Abril, vermelho e justo, inicio mais uma caminhada. A reestatização do setor de petróleo, na Argentina, ocupa minha pauta. Organizo o passo, a respiração e os assuntos. A harmonia é fundamental, pois do contrário, o pensamento toma conta, o passo acelera e a respiração fica curta. O dia é de uma beleza única. Um azul intenso que contrasta com o verde das  árvores. Cores e tonalidades que só a natureza produz. Quem sabe os vitrais da catedral de Chartres se aproximem, penso.  A polêmica do petróleo na Argentina colocou a imprensa rosnando e mordendo até poste. Já entrou no ridículo. Ontem, ouvindo uma comentarista da rádio band news FM,do grupo Bandeirantes, aqui do Rio, por pouco não fui mordido nas orelhas. A comentarista, tomada de raiva, dizia que a presidenta Cristina Kirchner, teria acordado de mau humor, por conta da pouca visibilidade que teve a proposta sobre a retomada das Malvinas na Cúpula das Américas, e devido a isso resolveu tomar a decisão de reestatizar  o setor de petróleo. Ora, isso  é prá lá de ridículo.  É o mesmo que dizer que se governa com o fígado, que não se tem planejamento, que decisões são tomadas por impulsos emocionais. A comentarista sequer mencionou a realidade de toda a América Latina, que nos últimos doze anos, vem, gradativamente, se descolando do projeto neoliberal, seja na aplicação de políticas sociais, no controle dos recursos naturais da região e até mesmo no controle pelo estado do setor financeiro. Aí se encontra o x do problema, como diz a música de Noel. A imprensa é , em sua maioria, alinhada com o ideário neoliberal e  não admite discutir outra alternativa, mesmo que tal realidade se imponha diante de seus olhos, como ocorre em nuestra América. O resultado é uma música desafinada, barulhenta e pesada, que coloca em risco , para muitos a correta compreensão dos fatos. A música barulhenta  não parou por aí. O jornal O Globo, hoje, em letras garrafais, apresenta em manchete a posssibilidade de um tribunal internacional para o caso argentino, esquecendo-se, propositalmente, do envolvimento de seus jornalistas com os crimes da enxurada do bicheiro. Chegou , inclusive, a afirmar que trata-se de uma decisão de caráter nacionalista populista, tal qual a do ditador Galtieri para seduzdir o povo argentino na aventura militar de 1982 nas Malvinas. Puro delírio do jornal dos Marinhos, que também ignora a realidade emergente da América Latina. Essa negação por parte da imprensa já chega nos limites da argumentaçao o que faz de seus conteúdos um ridículo disssonante. Esse comportamento escancara a fragilidade do setor no país e coloca em questão a necessidade de um novo marco regulatório para as comunicações. Defender um campo ideológico é normal, já ignorar a realidade produzindo-se versões estapafúrdias. pode sinalizar a existência de patologias, ou organizações criminosas, o que dá no mesmo. O descontrole foi tanto , que outros veículos de imprensa acusaram a presidenta de nazista, besta parda, e etc... Tudo isso por conta de um modelo que agoniza em todo o mundo, realidade que a música barulhenta e pesada da imprensa  se recusa a adimitir. Vamos aguardar os próximos capítulos, mas não tenho esperança que tenhamos música de qualidade. No meu passo sigo em frente. Vejo que me aproximo do Largo da Carioca e, certamente, encontrarei Tian. Tian, cujo nome é Sebastian, é um jovem de 22 anos que vive vendendo sua arte, canções, no centro da cidade. Conheci seus pais quando ainda era bem pequeno. Seu pai, Jurgen, um músico que tocava violino na orquestra sinfônica de Viena, veio ao Brasil em uma tournê da Osquestra, ficou por aqui mesmo e nunca mais voltou para Áustria. Conheceu Marlene, uma bela mulata com quem se casou. No início teve algumas dificuldades para viver, pois não conseguiu emprego como músico, mas logo depois abraçou a profissão de pescador. Conheci Jurgen  em um ensaio de bateria de nossa escola, que Marlene desfilava merecidamente como destaque. Tocávamos tamborim. Foi também através dele que passei a frequentar o terreiro de umbanda de Marlene, religião onde fora iniciado e tocava tambor nas celebrações. Infelizmente, quando Tian tinha doze anos, Jurgen veio a falecer. Antes , ainda me recordo algumas de suas palavras sobre Tian: " o menino é bom no música ". Faleceu não por suas aventuras em mar aberto, como temia Marlene, mas ironicamente devido a uma infecção intestinal, contraída por conta da ingestão de mexilhões estragados, oriundos de uma criação nas águas da baía da cidade de Angra dos Reis. " deis paçoca  um real, vai ?  Levo um susto, pois um rapaz magro, de bermuda e com uma camiseta surrada aparece na minha fente oferecendo seu produto, Ele são de uma agilidade impressionante, aparecem do nada. Se parecem com spams que se materializam em nossa frente. Driblo o rapaz e sigo em frente. A paçoca, porém me trouxe outra lembrança de Jurgen. No aniversário de dez anos de Tian, jurgen e Marlene fizeram uma grande festa. Tinha feijoada, churrasco e todos os demais complementos e, sim, muita cerveja, além de um samba de primeira. Como em toda festa de criança, sim era aniversário de dez anos de Tian, também tinham muitos doces e um bolos, Chamou a atenção de todos , fazendo sucesso entre adultos e crianças, uma paçoca gigantesca preparada por Marlene. No momento de cantar os parabéns, onde todos estavam reunidos, aconteceu o que já se previa. Um santo desceu, em uma mulher de pele bem clara, gordinha, de idade avançada, com um olhar vivo e uma alegria contagiante. Como era de se esperar, um santo de criança. A mulher, agora engatinhando pelo salão e falando como criança, sorria e brincava com todos, que também sorriam. Entretanto ela, resolver se enrolar em minha pernas.  Sente medo, perguntou com voz de criança. Não, sorri e respondi. Se não sente medo é porque não tem segredos, disse o santo. Sorri e disse que não sentia medo mas todos tem segredos. Ela disse que se não sentia medo não tinha segredo, tinha assuntos reservados, pois quem tem segredos tem medo de criança. Sorri e achei por bem não polemizar com o santo. Em seguida ela disse. Você é uma pessoa bem humorada, não é ? Disse que me achava bem humorado e que as pessoas que convivem comigo também achavam o mesmo. Você sente saudades de sua infância, perguntou. Disse que não sou chegado a saudades e nostalgias e, que os  períodos da minha vida, asssim como pessoas que convivi, me trazem boas lembranças , o que me deixa alegre e feliz.  É por isso que você é bem humorado, disse ela. Continuou. A saudade por aquilo que não pode voltar deixa as pessoas tristes, mal humoradas e melancólicas. A saudade constante mata a criança que existe nas pessoas, e matar a criança dentro de nós e matar a alegria de viver, disse engatinhando e se afastando de mim. Pensei nos orientais que não abandonam a criança de sua vidas, nos seus sorrisos de criança. Talvez a saudade, a nostalgia e a melancolia sejam oriundos de uma cultura cristã que valoriza a dor e o sofrimento, pensei. Resolvi deixar esse assunto para depois e fui provar a paçoca da Marlene, que já estava se esgotando. Chego no Largo da Carioca e avisto Tian. E aí , jovem , como vão as coisas ? Grande Che, como vai ? Tian sempre me chama de Che. Ele me vê como um revolucionário socialista, apesar de ter dito para ele que não conspiro revoluções, apenas defendo uma sociedade mais equlibrada, justa , econômicamente sustentável, onde todos tenham acesso a saúde , educação e desfrutem das mesmas oportunidades  e direitos. Mas parece que não convenci. Tian, por seu lado, não é adepto do socialismo, nem do capitalismo e menos ainda da democracia atual. Defende a ampla participação popular em todas as esferas de poder, a ecologia e direitos iguais para todos, Convergimos nos fins. Percebo em Tian um viés levemente anarquista e uma simpatia pelo movimento pirata europeu E aí, jovem Como vai a música ?
Naquela batalha que você conhece, as vezes tiro algum, outras nada. Vou vivendo. Um dia chego lá, citando um trecho da canção de Diogo Nogueira.
Ainda não começou a cantar, parguntei.
Ainda é cedo, são dez horas, começo lá pela hora do almoço quando o movimento aumenta. Por enquanto monto a barraca e vendo alguns cd's.
Não questionei, pois Tian tinha conhecimento de causa. E o público, é receptivo, perguntei. Parou um instante, me olhou e notei que vinha uma explicação mais detalhada. Veja, começou falando movimentando os braços e as mãos, com uma organização de assuntos , palavras e uma lógica características de músicos quando expressam suas idéias. As pessoas que por aqui transitam, não estão direcionadas em suas expectativas para a música. A movimentação urbana se caracteriza pela aflição e cumprimento de metas. A música produz um freio, um alerta, uma chamada para novas experiências em pessoas desconectadas .  Repare que as canções de grande sucesso, despertam a atenção dos transeuntes. Para chamar a atenção com arte, em aglomerações urbanas, se faz necessário uma arte impactante, nova ,inovadora, caso contrário todo mundo que por aqui passa só vai querer ouvir os grandes sucessos. Lembre-se , Che, essa pessoas estão no seu dia dia, não se permitem a descobertas ou experimentos, estã em horário de trabalho querem o conhecido, ou o fantástico. Ouvi Tian com atenção e não questionei, Sua tese carrega elementos de uma realidade que ele vive diariamente. Continuei a ouví-lo, ainda que o achasse algumas vezes prolixo. Minhas canções Che, não são para que as pessoas levantem os pés do chão e coloquem as mãos para cima. As letras não são absorvidas pelos ouvintes logo na primeira audição. As harmonias não são tão simples. Não é arte para a maioria das emissoras de tv e nem para as emissoras de rádio. Não tem jabá na minha arte. Sorrimos. Falei para Tian que tinha que ir, pois estava na movimentação urbana que falara.  Nos despedimos e a distância observei o jovem e talentoso Tian.

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