sexta-feira, 27 de abril de 2012

Rio Zona Norte - 3 O Maraca de Villa

O Maraca de Villa


Tudo estava dentro da ordem  quando , em um segundo, aparece uma confusão. Em uma rua, com apenas duas faixas de rodagem, um ônibus do transporte coletivo, repleto de passageiros, se movia lentamente causando um grande congestionamento com direito a buzinaço e irritação de todos os outros motoristas que não se conformavam com a lentidão. Quando me aproximo do coletivo entendo o motivo do tumulto. O motorista do ônibus, com o braço apoiado na janela e projetando o tronco para fora, exibia uma expressão de imensa felicidade. No passeio, uma mulher loira oxigenada e sarada, ao melhor estilo reality show, com um vestido curto e colado ao corpo, caminhava normalmente e, também, era o motivo das gracinhas que o motorista soltava prá ela.  Mais a frente , um guarda de trânsito, da Guarda Municipal, extremamente irritado com a lentidão do coletivo se aproximava do ônibus e reclamava, com gestos , do motorista pedindo para ele acelerasse. Ao se aproximar do ônibus e avistar a loira entendeu o motivo. Imediatamente sua atitude mudou. A irritação, a expressão furiosa se transformaram em um grande sorriso e , também em uma postura amigável. Entendendo que a causa do motorista era justa abriu os dois braços, inclinou a cabeça para o lado e, quase se desculpando, pediu para o motorista avançar. Em total cumplicidade masculina, os dois sorriram, trocaram acenos e o trânsito voltou a andar. Essa cena me trouxe a lembrança um amigo de outras épocas. Villa, cujo nome era Juan Yuapanqui Villanueva, um costariquenho que vivia aqui desde os 20 anos de idade. Villa dizia que viver no Rio de Janeiro é uma experiência fantástica, pois a cada dia algo novo acontece, de forma sempre surpreendente e inusitada. De fato. Villa , quando criança, sofreu experiências traumáticas em seu país. No vilarejo onde nasceu e cresceu, viu boa parte de sua família morrer, por conta de acidentes naturais. Com sete anos de idade , um vulcão próximo de sua cidade entrou em erupção e deixou ferimentos graves no menino, que conseguiu sobreviver. Com doze anos, outra erupção também levou enormes prejuízos,  Nesse tempo, terremotos , também sacudiram, marcando o menino. Com 18 anos uma grande erupção devastou a cidade, levando a morte de seus familiares. A partir dali resolveu sair do país para viver em algum lugar sem vulcões e terremotos. Desembarcou no Rio de janeiro. Conheci Villa no ano de 1972, quando ele tinha , na época, 55 anos. Estávamos no maraca em uma final da Taça Guanabara. Villa adorava futebol e se tornou torcedor do Fluminense pois gostou da combinação das cores  do clube e, principalmente, da camisa tricolor. Ia sempre ao maraca com seu rádio portátil. E nẫo era um rádio qualquer. Achava, inclusive, que por ser portátil era um equipamento muito grande e pesado. Para seu funcionamento eram necessárias doze pilhas. E das grandes. Villa sentava na arquibancada, na parte do anel onde ficava a torcida de seu time, mas sempre distante das torcidas organizadas, pois como ele dizia, não gostava dos fogos  que  as organizadas soltavam no estádio, o que era compreensível por conta de sua história de vida. Ligava seu rádio  e o som tinha grande alcance, cobrindo boa parte da arquibancada e também da geral. Durante o jogo, os comentários dos radialistas tinham sempre repercussão  pelo público ao alcance do rádio de Villa. Quando não aceitavam os comentários o público reagia vaiando, algumas vezes se levantando e apontando o dedo para o local de onde vinha o som. Até na geral, o público olhava para cima   xingava e fazia gestos obscenos em direção ao rádio. Em algumas ocasiões, alguns mais exaltados arremessavam copos de papel. Villa adorava aquilo tudo. Era um sujeito tranquilo, de estatura mediana, cabelos negros, forte  e de poucas palavaras. Casou-se com uma polonesa judia, que veio para o Barsil na época da segunda guerra mundial e tinham dois filhos. O iníco de Villa no Brasil foi difícil, mas conseguiu se firmar. Começou trabalhando como carvoeiro, em uma carvoaria em Santa Cruz , na zona oeste da cidade. Dez anos depois, com suas economias e também com as de Valeska, sua mulher, conseguiu comprar a pequena carvoaria e ser o dono do negócio. Apesar do tempo que vivia no Brasil falava uma mistura de português e espanhol, que em muitas ocasiões, utilizava palavras que não existiam em nenhum dos dois idiomas. Como disse o  ano era 1972 e o jogo uma final de Taça Guanabara entre Flamengo e Fluminense.  Final de jogo  e o placar exibia Flamengo 5 x 2 Fluminense. Uma tragédia para todos os tricolores. Durante o jogo, como de costume em estádios de futebol, trocamos algumas observações , pois estávamos sentados lado a lado. Ao final , obviamente sem disfarçar a tristeza  me despedi de Villa. Ele olhou prá mim e perguntou:
- como te chamas ?
- Ricardo
- Mira, Gicardo, disse ele. La intensidad de la tristeza que sientes ahora será la  misma intensidad de la alegria que sentirás quando ganarmos um campeonato.
Com um aperto de mão nos despedimos e marcamos encontro, no mesmo lugar da arquibancada para o próximo jogo. E assim aconteceu. Em todos os jogos seguintes estávamos sempre ali, conversando, rindo com o som do rádio e trocando idéias. Formou-se um grupo, com pessoas de diferentes idades. Até que no ano de 1973, em uma noite de quarta-feira, com frio e muita chuva, estavam, novamente, Fluminense e Flamengo decidindo um título, na ocasião de campeão carioca. E o resultado foi de 4 x 2 para o Fluminense, que sagrou-se campeão. Em meio a chuva e frio,ao final do jogo, na arquibancada, todos dançavam e cantavam, sem camisas, ao som de uma bateria, o samba do Salgueiro do ano de 1969.
- me gusta mucho este samba de Salguero, disse Villa
A essa altura, Villa, no meio da chuva, sempre segurando seu gigantesco rádio, na ocasião cuidadosamente protegido com um plástico por causa da chuva, dançava , cantava e brincava como um menino. Não era um extravasamento de alegria, porém algo brilhante, autêncio, próprio, verdadeiro. Aquilo ficou registrado em mim, e , também, em todos os demais frequentadores do pedaço. Ensopados pela chuva, repletos de alegria nos despedimos para o próximo encontro.  No domingo seguinte, como já tinha jogo, estávamos todos lá. Entre comentários sobre a o título, a festa, um dos participantes, que demonstrava em algumas ocasiões invejar  Villa fez o seguinte comentário:
- você parecia uma criança, um adolescente, um menino, na quarta-feira quando comemorava o título.
Villa, sempre muito esperto e antenado, sabia que alí tinha muito mais que um simples comentário, pois conhecia o outro com suas provocações. Pela primeira, desligou o rádio, olhou firme com seus olhos pretos como jaboticaba nos olhos do sujeito , e disse:
- cantar, bailar, brincar, sentir alegria ou tristeza no debe ser exclusividad de niños. Ni tambiem debe significarse imaturidade o cosa parecida. La maturidad no está em esconder ou sublimar las emociones o sentimientos. Ela consiste em connecer, perfectamente, toda  las emociones e todos los sentimentos que tenemos e, tambiem connecer quando estamos a externalos. Desta forma , la razion, o seja, la elaboracion de um pensamiento o una reflexion, gana mas consistência e perimte que nosotros conoocemos lo momento em que se puede constrúi-la. Esto significa que cada persona debe conecer o que siente e, em que condiciones puede o non , elaborar um pensamiento que acarrete uma accion. Debe saber que la razon se contamina com aquilo que sientes. Em la cultura ocidentale, los sentimientos e las emociones são tidos como cosas de mujeres, debendo los hombres sublimalos e escondelos. Esta es lo motivo de muchas doenças degenerativos , como lo cancer, por ejemplo e, tambiem de atitudes estapafúrdias, pois acreditam que se puede exercer la razion sem nenhuam forma de contaminacion sentimentale. En nuestra cultura, la cultura de nuestros ancestrales indigenas, los niños , desde mui pequenos, aprenden la importãncia de la vida e de la muerte. Connecem que la incertitumbre de la vida es la clave para se vivir bien. Para nosostros no hay la preparacion para la muerte, quando se tiene minha idad, como acontece en su cultura ocidentale. Desde pequenos aprendemos sobre la muerte e esto es la preparacion para la vida. Ningúm de los animales se prepara para la muerte. Los animales vivem su ciclo de vida e la muerte, acontece com un processo naturale de final desto ciclo, sem doenças, sem infecciones. Apenas um desligamiento,  un final de ciclo terreno. La cultura ocidentale, hegemônica, vê los otros povos, como los indigens e latinos,  como niños, imaturos. Los estadonidenses constumavam dicer que los italianos son como ninõs, acreditando de forma soberba e arrogante que sua cultura e comportamiento son las mas adequadas. Pura ilusion.  La cutura ocidentale acredita que sublimar ou esconder las emociones e sientimentos no le causa problemas. Na realdade já es un problema. O que se vé son personas que constroem aparências, códigos sociales , que de una hora para otra sacan una pistola dando tiros para todos os lados.Toda la cultura ocidentale guarda correlacion con la ordem espirituale católica, que incentiva, asi com los valores ocidentales, la idiotizacion de jueves, e la preparacion de los adultos para la muerte. Es una cultura fria, amorfa sem colores, baseada en una realidad muerta. Para nosotros la realidad es la naturaleza com toda  su fuerza, Una realidad caliente, acolhedora e , principalmente , com vida, Asi sendo, bailamos, cantamos, sentimos alegria, tristeza, por toda la vida, e non necessitamos representar personagens. Esto es , para nosotros la verdadera maturidad.
Villa ligou o seu rádio e um silêncio entre os presentes se fez presente.
Tudo isso explica porque me lembrei de Villa quando vi o motorista do ônibus e o guarda municipa agora pela manhã. Para Villa o Rio é uma surpresa diária, pela espontaneidade de seu povo e também pela mistura de raças e culturas. Ele também dizia que qualquer pessoa, de quaisquer  cultura, raça, religião, cor, encontra sempre alguma referência aqui no Rio de Janeiro. De fato. Isso me fez lembrar uma passagem que ocorreu na imprensa por ocasião do chamado mensalão. No auge das denúncias contra Lula ,em 2005, uma comentarista de política da rádio Band News FM, do grupo Bandeirantes dizia que Lula, que na ocasião fazia um comício público em uma cidade do interior do nordeste, deveria se preservar, pois ele ( Lula) estava demostrando muita raiva com o que acontecia, em referência a fala de Lula que, de fato, estava irritadíssimo. Dizia ainda a comentarista, que ele ( Lula ) estava fragilizado e que não era bom nem aceitável aquele comportamento, que, ainda segundo a comentarista, iria piorar ainda mais a situação de Lula. Lula, como sabemos, não dá ouvidos a imprensa. Seguiu largando raiva, justa a bem da verdade, pois foi vítima de uma grande armação com ajuda, inclusive, da imprensa, como aperece hoje nos noticiários sobre a cachoeira. Sua raiva em nada contribuiu para sua queda, tendo em vista que foi reeleito em 2006, fez um sucessor em 2010, e pesquisas atuais, indicam com amplo favoritismo para 2014. A imprensa segue a linha da cultura ocidental, a que Villa se referia, ignorando a realidade atual do Brasil e de alguns de seus políticos, principalmente Lula. Lula, assim com Cristina, Morales, Correa, Chaves, não vestem o figurino totalmente cínico e hipócrita, da cultura hegemônica. Valorizam suas ancestralidades, o que é percebido pelos povos de seus países,  e com isso deixam a grande imprensa ocidental falando , como sempre falaram , para muitas pessoas, porém com a novidade que somente pouquíssimas pessoas dão ouvidos , como pode ser compreendido por resultados de pesquisa de opinião. Essa tendência, que já não é mais uma tendência mas uma realidade, na América do Sul vem ganhando cada vez mais força. Alguns países já se tornaram estados plurinacionais, reconhecendo as diferentes culturas que felizmente, os colonizadores espanhóis não conseguiram exterminar. Tudo isso guarda uma correlação com o momento da globalização econômica que , felizmente, na América do Sul, valorizou as especificidades e não a homogeinização.  A globalização e as novas tecnologias  transformaram o mundo em um bairro, uma Madureira. Tudo ficou próximo, ao alcance. Madureira é o tamanho do planeta. Essa aproximação, por outro lado, também traz inúmeros problemas, pois através da cultura hegemônica tenta-se padronizar todas as manifestações. O resultado é o pior possível. A tentativa de homogeinização produz um efeito contrário, um mergulho nas raízes, que pode desembocar em xenofobia, fascismo, racismo e nacionalismos delirantres, como também pode reconhecer a existência da diversidade e promover formas de bem viver, como acontece na América do Sul. Na madureira global, o que as pessoas desejam não é  a homogeinização , mas sim o original, o específico de cada cultura. Aí reside um dos grandes conflitos contemporâneos, pois o poder hegemônico, apoiado por uma ordem religiosa em decadência,tentar impor a todos formas idiotizantes e infantis de valores e cultura. A sensação que tenho , é que o mundo está em surto, apoiado por uma ordem irracional repleta de certezas absolutas, em um momento em que a própria concepção científica da realidade sugere a incerteza como princípio.
Grande Villa . Já sabia de tudo isso em 1972. A última vez que vi Villa foi em 2002. Eu estava em um coletivo na Av. Brasil que na ocasião tinha um trânsito bem lento. Assim sendo pude avistar Villa caminhando pelo passeio, com 95 anos, ainda com o corpo ereto, forte e aparentando bem menos idade. Ele estava saindo de uma loja de materiais de prevenção e combate a incêndios.



Nossa imprensa esportiva....

Estávamos no ano de 1969, mais precisamente no dia em que o sol entrava no signo de cancer, que tem como planeta regente a Lua. Por uma dessas coincidências, naquele dia o homem pisaria pela primeira vez em solo lunar. O assunto dominava todas as rodas, assim como a possibilidade de assistir pela TV, ao vivo, a epopéia espacial. Em se tratando de anos da década de 1960, aqueles acontecimentos fantásticos do dia , seriam apenas alguns mais da década. Como o assunto dominava, nossa alegre, empolgada e eclética imprensa esportiva não poderia ficar de fora e resolveu mandar seus pitacos. O diálogo , que reproduzo abaixo, aconteceu entre um narrador e um comentarista,ambos empolgados, antes do início de uma partida de futebol no maraca;
narrador -  prezados ouvintes. Hoje a humanidade viverá um momento histórico. Pela primeira vez o homem pisará o solo da lua. Vejo que nosso comentarista, que acaba de entrar aqui na nossa cabine de transmissão, traz um pequeno aparelho de tv .

comentarista - De fato. mesmo não podendo assistir em  minha residência, não irei perder esse momento histórico. Um momento que irá inaugurar uma nova fase de conquistas e que , no futuro, fará da lua um local para o homem construir cidades e bases para novas explorações espaciais.

narrador . Você não acha que a conquista da lua vai acabar com o romantismo que existe em torno do satélite ?

comentarista- Veja bem. O romantismo não acabará nunca ,mesmo com o homem conquistando a Lua. Ela  ( a Lua ) que inspira poetas, apaixonados, que dá luz aos nossos imensos campos desse Brasil grande, que encanta a todos com sua beleza, continuará a ser a fonte inspiradora para os namorados. O que seria dos namorados sem a lua ? O romantismo não acabará nunca.

narrador . Muito bem !!! Muito Bem !!! Depois dessas sábias palavras lunáticas , vamos as escalações das duas equipes .

Eiiiiiiiiita !!

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